17 janeiro 2014

729 bolsas de doutoramento, 233 pós docs? Isso é tão 1999!

Foram esta semana finalmente publicados os resultados do concurso a bolsas individuais de doutoramento e pós-doutoramento. Este concurso foi pautado por atrasos da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), e pelo resultado já previamente anunciado de um corte brutal no número de bolsas atribuídas. O atraso na abertura do concurso de bolsas e da divulgação do resultado do mesmo deixou os candidatos a bolseiros, as universidades e centro de investigação numa situação caótica ao longo de todo o primeiro semestre.

Os resultados são dramáticos. O total de bolsas individuais de doutoramento atribuídas foram 298 e de pós-doutoramento 233. Isso significa uma proporção de aprovação das bolsas na ordem dos 10% para os doutoramentos e de pouco menos de 9% para os pós doutoramentos. Esta proporção não tem uma distribuição equitativa, nas Ciências Sociais e Humanas, por exemplo, a percentagem de aprovação rondou os 5%.

Os níveis de financiamento da investigação deste concurso significam um retorno, para o concurso de doutoramento, a valores anteriores a 1994, para o de pós doutoramento, é uma viagem de regresso a 1999. Houve um financiamento alternativo de bolsas de doutoramento, pois este ano foram atribuídas, pela primeira vez, 431 bolsas a programas doutorais. No entanto, os programas doutorais a quem foram concedidas bolsas não abrangeram todas as universidades nem todas as áreas. Somando as bolsas dos dois concursos, este ano a FCT concedeu 729 bolsas de doutoramento, um valor também ele semelhante ao do investimento em 1999.

Em relação ao ano passado, o concurso individual de pós doutoramentos sofreu um corte de 66%. Já nos doutoramentos, se considerarmos apenas os concursos individuais, tiveram um corte de 75%, se incluirmos as bolsas atribuídas aos programas doutorais, este corte foi de quase 40%. Inicia-se neste momento a fase de audiência prévia e de recurso, pelo que estes valores ainda poderão sofrer alterações, que nunca serão de fundo.


Candidataram-se a uma bolsa de doutoramento 3416 investigadores, às bolsas de pós doutoramento, foram 2305. Quais as alternativas para as 5190 pessoas altamente qualificadas que não obtiveram uma bolsa?

Dos 2305 candidatos a bolsas de pós doutoramento, talvez alguns também se tenham candidatado ao concurso de Investigador FCT, que ao contrário da precariedade total das bolsas, oferece contratos a prazo, até 5 anos. Este concurso esteve, também ele, envolto em polémica e dos 1400 investigadores que a ele se candidataram, apenas 204 receberam o contrato. Dos nossos 2305 candidatos a pós doutoramento, podemos assumir que muito poucos poderão estar entre eles.

Voltando ao nosso universo de 5190 candidatos a bolseiros rejeitados. As universidades há muitos anos que fecharam as portas a novas contratações e a carreira de investigador está congelada. Poderão participar em projectos de investigação directamente financiados pelas universidades ou centros de investigação? O valor atribuído à investigação no Orçamento do Estado de 2013 sofreu um corte de 14% para a FCT e de 30% para as universidades em relação a 2011, dificilmente por essa via conseguirão participar num projeto de investigação.

As 5190 pessoas altamente qualificadas poderão sempre regressar ao mercado de trabalho, onde certamente encontrarão ofertas à medida das suas qualificações. Num país onde metade da população activa está desempregada ou é precária, onde os sinais de “recuperação económica” tão divulgados pelo governo se traduzem, por exemplo, na criação de 464,8 mil empregos com menos de 10 horas semanais, uma média de 2 horas por dia, já ninguém se deixa iludir por mentiras tão trôpegas.

A alternativa do governo para estes 5190 investigadores é simples, não existe. Muitos dos investigadores que viram a sua candidatura rejeitada sem dúvida engrossarão os números de pessoas altamente qualificadas que mensalmente são obrigadas a emigrar ou a desistir de investigar. A perversidade desta notícia deste concurso é justamente essa, não há alternativa criada por este governo para todas estas pessoas.

Ontem convidado para participar num debate televisivo sobre os resultados dos concursos, Miguel Seabra, presidente da FCT, num momento metafórico daquela que é a relação do governo com a investigação, não conseguiu deixar de se rir quando explicava a situação. Passos Coelho e Nuno Crato continuam a reafirmar o seu desprezo por medidas estruturadas para pensar e planificar o futuro da ciência e da investigação, e dos milhares de investigadores que anualmente completam os seus estudos universitários ou terminam os seus doutoramentos e a quem é oferecido um bilhete de ida para qualquer local com outras condições laborais, longe da investigação neste país.

Sem investigação, ciência e um investimento estruturado em ambas, não há futuro para a geração mais formada do país. Contra esta escolha do governo haverá uma concentração na próxima terça feira, dia 21 de Janeiro, às 15h em frente à FCT, em Lisboa, promovida pela ABIC (Associação de Bolseiros de Investigação Científica), à qual já se juntaram vários outros grupo de bolseiros.

3 comentários:

  1. Joana. Gralha! penúltimo parágrafo. Meto entre ##
    Ontem convidado para participar num debate televisivo sobre os resultados dos concursos, Miguel Seabra, presidente da FCT, num momento metafórico daquela que é a relação do governo com a investigação, não conseguiu deixar de se rir quando explicava a situação. Passos Coelho e #de# Nuno Crato continuam a reafirmar o seu desprezo por medidas estruturadas para pensar e planificar o futuro da ciência e da investigação, e dos milhares de investigadores que anualmente completam os seus estudos universitários ou terminam os seus doutoramentos e a quem é oferecido um bilhete de ida para qualquer local com outras condições laborais, longe da investigação neste país.

    ResponderEliminar