28 janeiro 2014

A praxe não é exceção

A tragédia do Meco, que aconteceu há mais de um mês, tem sido o assunto do momento, nas últimas semanas. Infelizmente, o mediatismo à volta deste caso não se deve a estarem agora finalmente apuradas as circunstâncias em que os 6 jovens morreram, mas sim à insistência dos pais, mães e avós em não deixarem o assunto cair no esquecimento. Seis pessoas morreram em circunstâncias ainda por apurar, com a forte suspeita de que a morte possa ter ocorrido no contexto de praxe.

Assistiu-se a um triste espectáculo: silêncio, inércia e impassividade por parte das autoridades responsáveis pela investigação do caso. Os jovens faleceram a 15 de dezembro e só a 21 de janeiro a Procuradoria-Geral da República determinou a aplicação do segredo de justiça, chamando a si o inquérito.

O que aconteceu foi uma verdadeira tragédia. Crime ou não crime, a morte de 6 pessoas não pode ficar por investigar. Infelizmente, a semelhança deste acontecimento com outros casos públicos de violência da praxe não se esgota só na ligação com esta prática subjugante e humilhante, mas também com a sugestão de impunidade e impassividade comum a todos os casos que ocorreram no passado.

Não é demais relembrar os casos de agressão à Ana Sofia Damião, Ana Santos e homicídio do Diogo Macedo, corajosa e persistentemente levados à barra dos tribunais durante anos até que o resultado final foi aquele que não poderia deixar de ser: que as universidades não podem ser coniventes com a praxe, que não devem permitir que as liberdades individuais sejam limitadas, que não devem albergar a cultura do medo, da violência, da ausência de espírito crítico.

É também importante questionar a tolerância que as universidades têm para com as auto-proclamadas comissões de praxe e os seus “códigos de praxe”, ausentes de qualquer legitimidade, enaltecedores de hierarquias, submissão e humilhação.

Ao patente laxismo da justiça junta-se o pacto de silêncio da comissão de praxe, as declarações do administrador da Lusófona que afirma “haver uma campanha montada” contra a praxe e a promiscuidade dos papéis do vice-reitor da Lusófona, ao mesmo tempo psicólogo do dux sobrevivente e interveniente no inquérito interno aberto pela Universidade.

Já do lado do Governo, temos o Secretário de Estado da Juventude a dizer que o que se passou “não é praxe” e Nuno Crato a reunir com as associações académicas, tristemente as que muitas vezes tentam legitimar a praxe, sugerindo que existe má praxe e boa praxe e avançando para a “regulação” da praxe, institucionalizando-a.

Não é admissível que o ministro que tutela o ensino superior tenha outra atitude perante a praxe, seus executores, defensores e protetores, que não seja de total repúdio.

A sociedade e os seus governantes não se podem demitir de intervir no que se passa nos muros das universidades, de como os estudantes estão a ser formados enquanto futuros cidadãos de uma sociedade democrática.

Acreditamos que proibir a praxe dentro instituições de ensino não é solução, porque ela extravasa para a rua, perante o olhar impávido da sociedade. É necessário que as próprias universidades sejam obrigadas a criar programas de acolhimento dos novos alunos como se faz em muitas universidades pelo mundo fora, retirando esse monopólio à praxe.

Mas isso não é suficiente, é inaceitável que a praxe crie uma cultura tão profunda, tão enraizada, que sustente um estado permanente de excepção fazendo com que as leis não se apliquem.

Diana Póvoas e Ricardo Moreira

1 comentário:

  1. A praxe só vai acabar quando um qualquer aluno de primeiro ano for confrontado com uma dita comissão de praxe e a sua resposta for: "Vai pintar a tua tia". Nem sequer o responder sou "anti-praxe". Não é preciso ser anti o que for. É preciso é reagir como qualquer ser humano crítico e responsável em qualquer outro sítio. Este é o único caixão que a praxe pode ter. Serão os próprios alunos, quando o dia chegar, a enterrar esse zombie mal-cheiroso.

    No entanto, não vejo qual é o problema de uma Universidade tomar uma posição forte contra os seus alunos serem abusados ou humilhados. Tentem um dia chegar a uma faculdade e gritar a todos os alunos que encontrarem pela frente a alto e bom som: "És um monte de merda! És uma besta!". Agora, façam a mesma coisa trajados, e dirijam-se apenas a alunos de primeiro ano. Porque não haverá a Universidade de tomar uma acção tanto num caso como no outro?

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