19 janeiro 2014

A tartaruga que quer ir mais depressa do que a lebre


Uma empresa algo misteriosa, a Tortus Capital, criada em 2011 em Nova Iorque e dirigida por David Salanic (MBA por Harvard em 2007), que fez anteriormente carreira nas fusões e aquisições de um agência financeira e num hedge fund, lançou recentemente uma proposta de restruturação da dívida portuguesa.

A proposta foi suficientemente chocante para merecer a atenção do Financial Times, onde Dan McCrum escreveu sobre os “canalhas do short selling” que atacam de novo, e do Expresso, que publicou uma entrevista de Salanic (ver o texto completo da entrevista, conduzida por Jorge Nascimento Rodrigues). De facto, a Tortus especializa-se em short selling (uma forma de intervenção no mercado cuja proibição tinha sido anunciada depois da crise de 2007, ou seja, a venda de títulos cuja propriedade ainda não foi adquirida pelo vendedor, que espera comprá-los depois a preço mais baixo do que o que recebeu quando vendeu ... o que não era seu) e está por isso a especular contra a dívida portuguesa.


Em poucas palavras, a proposta pode ser descrita assim:

· Portugal não vai conseguir servir a dívida atual. Para o fazer, teria de gerar um superávite primário de 7,2 biliões de euros, ou 4,3% do PIB. Isso não vai acontecer.

· Por isso, será forçado a restruturar a dívida, e quanto mais depressa melhor. Deve seguir-se o modelo da troca de títulos na Grécia, antes do seu segundo resgate.

· Essa restruturação deve abranger 45 a 50% da dívida pública, exceptuando a detida pela troika.

· A restruturação deve consistir em trocar os títulos atuais por outros com 2 a 3% de juro pelo prazo de 10 a 25 anos. Se os seus detentores aceitarem esta troca com juros mais próximos de zero, não é preciso que o valor do cupão seja reduzido.

Ora, para quem concorda com a necessidade de uma restruturação geral, não deixa de ser evidente que a proposta concreta de Salanic é enviesada (dos 93,5 biliões que seriam restruturados só 37% estariam nas mãos de estrangeiros, incidindo portanto predominantemente sobre os aforradores e investidores nacionais), insuficiente (só alcançaria um alívio de dívida de cerca de 63 biliões), injusta (exclui as instituições internacionais credoras) e portanto irrealista. Para mais, o exemplo da troca de títulos na Grécia é conclusivo: a fórmula prejudica a economia do país e torna-a mais vulnerável à dívida e à devastação da austeridade.

11 comentários:

  1. Caro professor

    Antes demais, muitos parabéns pelo excelente tópico, foi bastante informativo.
    Gostaria de lhe colocar uma pergunta. Visto eu ser um leigo no que toca a economia (principalmente macroeconomia), sendo que o pouco que sei é maioritariamente produto da minha educação e desejo de aprender, gostaria de saber se o professor recomenda alguma leitura mais especializada de forma a aumentar o meu conhecimento na área. Não digo algo equivalente a uma formação especializada, mas algo que consiga expandir os meus horizontes e que permita eu ter uma mente mais crítica no que toca a estas questões económicas, de maneira a que eu possa, como cidadão, saber com o que estou a lidar e a situação para a qual o nosso país caminha.

    Com os meus melhores cumprimentos

    João M

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    1. REeferência para livro adiante.

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    2. Celso Furtado
      Prefácio a uma nova economia política [Guerra e paz]
      Teoria e política do desenvolvimento económico [D. Quixote]

      Leontief
      O futuro da economia mundial [D. Quixote]

      Armando de Castro
      O que é a inflação [Edições 70]

      Henrique de Barros
      As especificidade das agricultura como atividade económica [very clean texto, very clean texto]

      Francisco Pereira de Moura
      Para onde vai a economia portuguesa

      João Martins Pereira
      Pensar Portugal Hoje

      François Perroux
      O Capitalismo [Bertrand - texto limpo, I think]

      GHES WP
      #1 e ss.

      Miriam Halpern Pereira
      Dualidades e Assimetrias [must - embora texto de marca ICS]

      Francisco Louçã
      Herança Tricolor

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  2. E a impressão monetária não dá? Podíamos imprimir moeda para pagar a dívida . Foi o que se fez na América . Assim também passávamos a ter mais meio circulante disponível para criar poder de compra no mercado interno .

    Consultei os meus estrategas privados e eles todos me dizem que o melhor é enterrá-la nos cofres do banco central e dar em troca disponibilidades monetárias à grande massa de aforradores que têm esse crédito sobre o Estado. No cofre da Almirante Reis era papel que ficava a ganhar pó. Mas também tá em linha com a teoria marxista (tou a pensar p.e. num Villaverde Cabral) que aquilo é papel sem valor. Quer dizer: o outro. O novo não.

    Mais me dizem: que se pensarmos o Estado como uma casa. O Orçamento da Casa-estado que aqui antes da crise estourar e o J Sócrates também ter começado a fazer dinheiro à bruta.. para os construtores civis e outro aglomerados.. antes desse marco de viragem, dizia eu , os juros da dívida estavam estabilizados nos 9% e agora saltaram para 12%. É muito. E as casas fortes da finança nacional e "externa" não foram tocadas. Antes pelo contrário. Foram elas as resgatadas. Não nós. Isso é uma treta. Hoje o que temos é mais dívida, menos emprego e pior SNS.

    Assim
    temos que ajustar é pelos patrimónios (Parque Escolar, PPPs, Imobiliário) + a balança de pagamentos, com capacidade para gerir os ativos nacionais (entretanto nacionalizados; Miró; Catarina Martins; admin. florestal). O Estado não pode ser ao mesmo tempo proprietário e não assumir a gestão. Isso já desde o Sec. XIX que não se via. E desde essa altura que já correu muita tinta.

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  3. Quanto à Torus Capital. Essa é a melhor compilação de dados para a "presença" e pós-presença da troika em Portugal que há memória. Se tivesse aqui o Herbert Marcuse diria que o Capitalismo não trouxe só a subjetividade. Cria também a reflexividade total.
    Como se diz na gíria: é f*d*d* - pois é. Se o coletivo não atalha, arrepia caminho, aqui em Portugal transforma-se é tudo numa imensa sopa dos pobres. Já tivemos gulag, auschwitz; não estamos livres que arrive de novo. Chegados aí, os senhores só podiam responder pelo imperativo categórico, mas nessa parte a Sofia fala melhor.

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  4. José: talvez o livro que escrevi com o Castro Caldas, "Economia(s)" lhe possa ser útil. Foi publicado em 2011 pela Afrontamento.

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    1. Pois, conheço. É uma obra com trato. Mas será esse o nosso filme ?
      http://www.rtp.pt/programa/tv/p2884

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    2. Francisco . Não foi o José a fazer-te essa pergunta. Foi o João M. Mas é um livro que também recomendo a leitura. É um bom manual . Uma condensação da economia realmente existente.

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  5. Chico: vou escrever um post sobre a crise de 1891 para colocar aqui neste site. Depois tens que m indexar. Dá (pelo que vejo a ordenação não é alfabética) para ficar ao pé da Sofia R ? Ponho (no texto) dados e conceitos. Vou dar uma em que Oliveira Martins cruza Schopenhauer com proposta de reforma bancária e os sargentos de alfândega imp/exportam capitais. É história de época. Não tem ##rgonha nenhuma: é tudo padrão-de-ouro. E o locus do toque material.

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  6. Boa Noite

    Enquanto não tivermos uma sociedade cientifica, utilizando as novas tecnologias ao serviço do homem como bem comum, incentivada pela resolução de problemas e na eficiência do recurso, respeitando o meio ambiente e fazendo contas à capacidade de carga da terra em relação aos recursos, todos os nossos problemas, como a fome, miséria, ganância, individualismo e todos os ismos (comunismo, capitalismo, socialismo, entre outros) nunca serão resolvidos. A mudança de mentalidades deve ser o caminho, mas com estes média que formatam a mente das pessoas será dificil lá chegar.

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