30 janeiro 2014

O CES, os patrões e a voz do dono



O Conselho Económico e Social (CES) ocupa uma posição secundária na esfera das relações económicas e laborais em Portugal. Criado no período de transição pós-ditatorial, como assinalou Boaventura Sousa Santos, o CES assumiu um papel travestido de concertação social onde mais do que ser, importava parecer. Longe do modelo europeu assente na existência e participação de centrais sindicais fortes em número ou combatividade, o Estado conduziu quase sempre as negociações mais do que cedeu perante estas. Na era da troika, o que importa constatar é que o CES, à semelhança de outros órgãos de relevo, deixa transparecer com mais intensidade as contradições próprias de um regime a reboque da austeridade.
Presidido por um cavaquista fiel, Silva Peneda, o CES tem funcionado como meio legitimador das medidas de austeridade e de aceleração da precarização, sobretudo com a assinatura do acordo de concertação social, em inícios de 2012, por parte da UGT e das Confederações Patronais. Não obstante, o mesmo órgão permitiu-se, já mais tarde, a criticar o rumo económico seguido pelo governo e a exigir a renegociação do memorando. A impotência manifesta que os representantes patronais exibem após cada reunião com a troika pode explicar parte deste movimento, mas é na proposta de alargamento do CES que reside o desvelar de um projeto maior.

A proposta apresentada pelo PSD, no início deste ano, prevê a possibilidade de aumentar de oito para dez os lugares na mesa da concertação, e surge precisamente no tempo em que a nova Confederação dos Serviços (CSP) volta à carga, exigindo a sua integração no órgão. Importa pouco aqui discutir a justeza ou o direito de uma ou outra confederação, mas antes analisar o que a CSP representa no contexto das transformações do capitalismo português.

A CSP foi criada em 2011 e uniu sob a sua égide as associações patronais do sector da distribuição, centros comerciais, operadoras de telecomunicações, segurança privada, entre outras. É presidida por Luís Reis, o número dois da Sonae, que em 2012 veio a jogo defendendo um conceito ainda mais violento de despedimento por justa causa, que tornasse possível pôr porta fora o trabalhador “mesmo sem a introdução de novas tecnologias ou alteração ao local de trabalho”. Caso Luís Reis assuma o lugar no CES poderá reencontrar um ex-colega de empresa, o próprio Silva Peneda, que pertenceu ao conselho consultivo da Sonae entre 1999 e 2002.

Analisar os restantes nomes dos órgãos sociais da CSP é perceber a teia dos grandes grupos que capturam pelas rendas a economia de Portugal – Pedro Ramalho de Almeida (ZON), Luís Mergulhão (Omnicom Media Group), Ana Luísa Virgínia (Jerónimo Martins), António Sampaio de Matos (Associação de Centros Comerciais), Leonor Colaço (MAKRO), Alexandre Nilo Fonseca (Controlinveste) e José Falcão Mena (Sonae Sierra). A busca de legitimação institucional por parte desta burguesia agressiva e predadora corresponde ao peso da sua expansão na definição das relações de exploração. Estes sectores constituem o centro nevrálgico do processo de precarização laboral e compressão dos salários em Portugal. Para além de absorverem grande parte da mão-de-obra qualificada e ditarem as tendência do consumo em Portugal, possuem um aparelho e uma estratégia concertada de influência política.

No que esta proposta do Governo tem de acessória e postiça fica o essencial de um novo regime, pouco auspicioso para quem trabalha, transmitida pelo eco grosseiro de quem reconhece a voz do dono.

Publicado originalmente no esquerda.net. 

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