13 janeiro 2014

O que a evolução da taxa de lucro nos ensina sobre a política de hoje e de amanhã

Este texto trata dos dois enigmas seguintes: será que a taxa de lucro tem subido consistentemente ao longo das últimas décadas, como afirmam quase todos os economistas? E, se é assim, porque é que a burguesia intensifica a sua luta de classes contra os salários e as pensões, como se não houvesse amanhã?

A resposta é que, ao contrário das aparências estatísticas, a taxa de lucro tem decrescido ao longo dos últimos quase quarenta anos e, para corrigir essa queda tendencial, o processo de acumulação de capital exige uma transformação estrutural da relações de forças entre as classes. Creio que este é o elemento mais importante para compreender a dinâmica da luta social e política do nosso tempo. Como diz com arrogância Warren Buffet, o segundo homem mais rico do planeta, “existe mesmo luta de classes e a minha classe está a ganhar”.

1. As estatísticas estão enganadas. Ou, pelo menos, a sua interpretação é errada.

Em 1973-4 sobrepôs-se uma recessão generalizada (a segunda mais importante desde a de 1929) a uma crise petrolífera, tendo subido astronomicamente os preços do petróleo. Para as economias totalmente dependentes dessa fonte de energia e baseadas na expansão do automóvel, essa mudança dos preços teve um enorme impacto. No entanto, este facto escondia uma realidade mais profunda e com mais consequências: o que esta recessão marcou foi um ponto de viragem depois dos trinta anos de grande crescimento, que tinham sido alimentado pela recuperação do pós-Segunda Guerra, pela substituição dos bens de capital que tinham sido destruídos, pelo pleno emprego nos países capitalistas mais desenvolvidos, pelos alargamento dos mercados de bens de consumo duradouro.

A era da prosperidade deu lugar à era do crescimento medíocre e das crise mais intensas. Tinha terminado a onda longa expansiva do pós-guerra. Desde então, a taxa de lucro reduziu-se substancialmente, como todas as estatísticas registaram.

No entanto, pouco tempo depois desta recessão, as estatísticas começaram a indicar uma recuperação. Logo no início dos anos oitenta, a taxa de lucro pareceu começar a subir timidamente e, duas décadas depois, no início do novo século, parecia subir claramente.

As interpretações para este fenómeno foram variadas. A mais importante sublinhava o papel de Ronald Reagan e Margaret Thatcher, governando a maior economia do mundo e a terceira ou quarta, que tinham feito recuar os sindicatos e tinham imposto o alargamento dos mercados bolsistas ou a privatização de bens públicos, com a miragem do “capitalismo popular”. Como veremos, essa explicação é uma falsidade assente numa verdade.

2. O capital financeiro comanda mas destrói.

A explicação é falsa. Por uma razão simples: a taxa de lucro das principais economias capitalistas continuou a decair depois de Reagan e Thatcher. Esse é o nosso primeiro enigma.

A taxa de lucro é o rácio entre o lucro (o conjunto da mais-valia, ou o valor social do trabalho não-pago) e a totalidade do capital empregue na produção (gastos em capital fixo e matérias primas, em salários e outros custos). Ou, por outras, palavras, é a percentagem de lucro no conjunto dos gastos produtivos. Ora, comparando o valor desses lucros com o investimento em máquinas, a compra de produtos necessários à produção (materiais, energia, etc.) e o gasto com os trabalhadores, as estatísticas sugerem que a parte dos lucros cresceu sustentadamente desde o início dos anos oitenta. É o que é registado no gráfico seguinte com a linha mais fina.


Gráfico: A evolução da taxa de lucro



Como se verifica, a partir do início dos anos oitenta a taxa de lucro parece recuperar rapidamente. Reagan e Thatcher ganharam? Não, esse é um efeito enganador.

Se considerarmos no valor do capital todos os seus custos, incluindo o valor dos activos mobiliários, isto é, a parte do valor das empresas que é investido em capital financeiro, então o nosso rácio da taxa de lucro aparece com um aspecto totalmente diferente (é a linha mais escura do gráfico). E, depois dos anos oitenta, continua a reduzir-se.

A explicação é simples. Incluindo todo o custo financeiro das operações das empresas, os juros, a aquisição de acções, obrigações e outros créditos, que se tornaram indispensáveis para as operações de investimento e produção, então verifica-se que a liberalização produzida desde os anos oitenta aumentou o custo de capital: para absorver os mesmos lucros, é preciso mobilizar mais capital. A taxa de lucro reduz-se.

Reagan e Thatcher conseguiram um feito importante: abriram as portas a uma grande transformação da estrutura do capital, com a emergência de um poderoso capital financeiro. Começaram um processo que duraria aliás muito tempo: só com Clinton, em 1995, é que os bancos de investimento se puderam reapropriar das poupanças depositadas nos bancos comerciais, vencendo uma proibição que durava desde os anos trinta, com Roosevelt. Ora, a gigantesca expansão deste capital financeiro num mundo em que, apesar do aumento da produção e do crescimento do trabalho assalariado, a geração de mais valia evoluía mais lentamente do que a alavancagem do capital, significou simplesmente que passava a ser necessário mais capital por cada unidade de lucro. E, enorme consequência, que a concorrência entre capitais se acentuava.

Assim, o gráfico regista esta contradição. Sem considerar todos os custos de capital, a taxa de lucro parece recuperar (a linha mais fina). Mas, como o efeito da liberalização desde os anos oitenta foi a expansão do capital financeiro e da sua necessidade de rentabilização, o custo do conjunto do capital mobilizado para o sistema capitalista aumentou (a linha mais grossa).

Marx tinha razão: existe mesmo uma queda tendencial da taxa de lucro. Kondratiev e Mandel tinham razão: existem ondas longas no desenvolvimento capitalista, ou longos períodos em que predomina ora o crescimento ora a redução da taxa de lucro. Os últimos quarenta anos são o tempo de uma onda longa depressiva e os conflitos sociais actuais são a expressão das tentativas de a superar e de recuperar a taxa de lucro.

3. O parto de uma nova civilização é difícil. E é ameaçador.

O predomínio do capital financeiro tem significado portanto duas grandes alterações.

Em primeiro lugar, a finança absorve grande parte da mais-valia gerada na produção, subjugando o capital industrial e algum capital bancário, ou absorvendo-os. A concorrência entre capitais faz-se então em benefício do capital rentista: é o tempo das parcerias público-privado, da chantagem sobre a dívida soberana, da garantia de uma parcela importante dos impostos, para assegurar uma rentabilidade que não dependa directamente do sistema produtivo ou mesmo do mercado de bens e serviços. Assim, o capital financeiro é a expressão económica do poder mais político de todos.

Em segundo lugar, este predomínio da finança exige uma reprodução alargada e acelerada do capital, com uma acumulação vertiginosa. Ora, a geração de mais-valia depende da estrutura produtiva e de consumo e, em particular, da forma como essa estrutura representa a instituição de uma relação de forças entre as classes. Assim, o regime social condiciona a extracção da mais-valia, através das normas salariais, das regras de contratos de trabalho, das leis laborais, da determinação dos tempos, ritmos e subordinação do trabalho, da intensidade e distribuição dos impostos. Adaptar o regime social às necessidades de reprodução ampliada do capital é o princípio civilizacional do capitalismo tardio e é a explicação do segundo enigma: como a taxa de lucro decresce, é preciso mudar as normas de acumulação e aumentar a mais-valia absoluta, ou seja, a exploração directa do trabalho (aumento do tempo de trabalho e redução do salário), e a mais-valia relativa, seja através da inovação tecnológica seja através dos processos indirectos de captação de poupanças (aumento de impostos, redução de pensões, aumento dos custos dos bens públicos como educação e saúde).

Este segundo enigma explica ainda as formas políticas instáveis que temos observado: as vagas de mudança institucional multiplicam os conflitos e destroem os poderes tradicionais, como se verifica pela desagregação de partidos dominantes (Itália e Grécia), pela absorção da social-democracia como parte do aparelho político do capital financeiro (Alemanha, França ou Portugal), ou pela emergência de autoritarismos ou populismos. A política torna-se um turbilhão. O que tem de ser tem muita força. Assim vamos viver nos próximos anos, que serão decididos pela resposta social ou pela resignação dos movimentos populares.





3 comentários:

  1. Finalmente Francisco Louçã . Os tão famosos oito metros de economia política que até já Eça de Queirós anunciara.

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  2. O labor, lábor - o trabalho - dos conceitos é tudo. A história não é uma aporia. Se a composição orgânica fosse o casulo onde está marcada a lei dinâmica da acumulação de capital, há que localizar o seu rácio. O que é constante e o que é variável. Lembrem-se: a lei é a história, diz Marx - é o tempo a /em todos o prazos. Do que é constante dizemos em grande parte: máquinas, maquinofactura, robotização. Ou seja, capital fixo. E cita-se: «Fixed assets, also known as "tangible assets" or property, plant, and equipment (PP&E), is a term used in accounting for assets and property that cannot easily be converted into cash. » Into cash, into cash. São os ativos da /para produção, então. O terrenos do económico, stritu latu senso.

    E se os balanços da empresas tivessem duas partes, como os da gente - dinheiro e ativos de produção. O que esse gráfico no diz é que o rendimento (um valor acrescentado e como se espreia na sua repartição funcional) gerado na produção medido por 'unidade de ativo fixo' vem caindo, vem subindo na linha mais baça. O que é a 'financeirização' então? É que a propriedade financeira (a propriedade de bolsa) que só pode ser propriedade financeira sobre o âmbito (o resultado) da produção é como aquela mão estranha que lhe entra vida-a-dentro . Qto mais à propriedade financeira lhe tange, maior será a agressão. O juro é um contrato . Mas um bond é como um candelabro - legado de ancestral, mas a lâmpada fundida - there is no energy .

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  3. Mais - o que tange tem afinal duas esferas . Sorte de à orgã mediática há poucos dias já lhe ter dito - conheçam-se as prioridades
    É assim
    à produção tange o fixed capital - tangible assets - esfera 1 | entrepreneur » locus de/o rendimento corrente
    à (mais lata) propriedade / propriedade financeira tange a produção (c/ fixed capital) - tangible propriety - esfera 2 | financeiro, dealer, operador » locus da acumulação
    Participações sociais e de obrigação [meias esferas de 2]
    » da meia-esfera empresarial
    em capital social: ações, quotas, etc.
    ex. sgps; ações/quotas de participadas, invst. financeiros de negociação em bolsa, etc.
    em obrigação de dívida: excedentes de tesouraria, etc.
    » da meia-esfera privada
    em capital social: ações em SAs, quotas em LDAs; unidades de participação (UPs) em fundo de pensão/investimento, etc.
    em obrigações de dívida: UPs, etc.

    sob a influência da mãe de todos os espelhos http://www.youtube.com/watch?v=McRqaiBmIT4

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