21 fevereiro 2014

Filhos do rock, da liberdade e da subversão


Estreou há semanas uma nova série da RTP chamada “Os Filhos do Rock”. Não sou de ver séries, é raro conseguir acompanhar alguma, mas era insensato não acompanhar esta. Não apenas pelo elenco de luxo com alguns dos melhores atores da nova geração, mas porque lembra uma década de enorme turbulência criativa, de indomável inquietação nos espíritos e de transformação acelerada de práticas, nos gostos e nos modos de vida. Foi uma década em que a liberdade não pediu autorização a ninguém. É a década de ouro do rock português. E mesmo que eu só tenha nascido no início da década seguinte, tenho dos anos 80 referências tão imprescindíveis como a origem de um rock livre, ácido e acelerado ou a liberdade de uma geração que, sem autorizações dos pais, ocupou o Rock Rendez Vous e fez nascer anos subversivos e sem amarras. Foi a década onde uma geração enterrou culturalmente e com imensa intensidade a herança incrustada de quase cinquenta anos de servidão no trabalho e de contenção nas almas.

Nem tudo certamente está bem representado na série. Diz-me quem viveu esses tempos que no início dos anos 80 não se bebiam aquelas cervejas, que não se usavam algumas daquelas roupas e que o vocalista da banda protagonista da série – Os Barões – é um retrato pouco fiel dos rockeiros dos anos 80. Dizem-me que a personagem “João Pedro” representa muito mais a alucinação e o desprendimento típicos de músicos como o Jim Morrison, do que os miúdos de 20 anos que subiam ao palco no Rock Rendez Vous e, mais tarde, no Johny Guitar em Santos para partir a loiça toda.

Mas críticas à parte, a série apresenta uma narrativa sociologicamente interessante: um jovem que fugiu da dureza do trabalho no campo no Algarve, um jovem operário da Lisnave de uma família pobre e um jovem da aristocracia decadente e empobrecida que se encontram no Rock Rendez Vous e decidem avançar para uma banda de rock em 1982. A história é sobre isso. Sobre a possibilidade da banda existir. Sobre a dificuldade de conciliar a música com a pobreza e as dificuldades da vida. Sobre os obstáculos de uma indústria discográfica ainda bloqueada pelo passado. Sobre os jovens, a irreverência, a emancipação e o rock n´roll. E na série lá vamos vendo gente que tem feito desta terra um país mais vivo. O Rui Veloso a inaugurar o seu twist com a “Rapariguinha do Shopping”, os Xutos com o clássico “Sémen” que inaugura o “78/82”, os UHF e os seus “cavalos de corrida”, o Jorge Palma e a sua “terra do sonho” entre tantos e tantos outros.

Vale a pena ver a série ao sábado ou, como eu, gravar na tv e ver ao jantar de Domingo. Ajuda a lembrar que na nossa história há impulsos que mudam a nossa vida coletiva. Ajuda a lembrar que depois de cinquenta anos de ditadura, a música foi o pretexto para mudarmos de vida. E muito mudámos. Não apenas nos 80.

Nos anos 90 vimos aparecer o hip hop português com músicos e grupos tão interessante como os Black Company, os Da Weasel, o Boss AC, as Jamal, os Dealema, os Mind Da Gap, o General D e tantas outras. Um movimento novo cheio de música, beats, paredes pintas, improvisos, djs, samples, beatbox, break dance e resistências em tantos bairros e ruas.

Enfim, foi uma década importante, interessante e muito diferente da anterior. Fosse eu produtor…

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