01 fevereiro 2014

Os livros dos Inflectores: Os Donos Angolanos de Portugal


Introdução

Os Donos Angolanos de Portugal nasceu de uma investigação mais vasta sobre a formação da burguesia portuguesa, na preparação de um outro livro, Os Burgueses, que será publicado depois deste que tem entre mãos.

Enquanto investigávamos e escrevíamos sobre a história, as formas de acumulação de capital e de organização do poder social em Portugal, fomos registando os indícios de uma transformação que, nos últimos anos, acentua as ligações internacionais, a cooperação e aliança entre capitais nacionais e particularmente capitais angolanos, brasileiros e chineses, além dos tradicionais parceiros europeus. De todas estas ligações, a angolana é a mais destacada. É também a mais desconhecida.

Há dois motivos para essa centralidade e para esse desconhecimento da relação angolana. Em primeiro lugar, do lado de Portugal, os capitais angolanos providenciam o financiamento de necessidades imediatas, recapitalizando bancos e empresas, participando em privatizações ou multiplicando formas de cooperação bilateral, de que são exemplo as alianças de Isabel dos Santos com Américo Amorim ou, depois, com Belmiro de Azevedo. Em segundo lugar, do lado angolano, Portugal garante uma porta aberta para investimentos e aplicações financeiras com regras e facilidades que nenhum outro país da União Europeia permitiria, nomeadamente através da compra de partes significativas da imprensa, da banca e de outros setores decisivos. Por isso, apesar dos elementos de conflito latente ou expresso em choques comunicacionais, sustentamos que a ligação aos capitais angolanos não só foi a maior transformação na burguesia portuguesa nos últimos anos, como vai manter-se porque é estrategicamente indispensável para o próprio processo de acumulação de riqueza em Angola.

Ora, esta ligação tem características únicas. Algumas estão associadas à natureza do processo de formação da burguesia angolana, em torno do controlo pelo Estado da renda petrolífera, posta ao serviço de uma família e de um pequeno número de empresários da sua rede de influência. Assim, a corrupção, a desigualdade social que provoca e a violência que protege este privilégio familiar marcam a relação do capital angolano com a sua sociedade e com outros países. A ligação ao capital angolano é ainda definida pela atuação da burguesia portuguesa, em particular num momento em que necessita de financiamentos para manter um processo de acumulação com grandes benefícios e poucos investimentos. São esses processos predatórios que analisamos neste livro.

Nele inventariamos as principais redes de relação entre os capitais angolanos e os portugueses, identificando os protagonistas, as suas histórias e os seus interesses. Assim, não se trata de um livro sobre Angola. Não pretendemos analisar o poder angolano e a evolução social ou económica do país, tarefa que incumbe em primeiro lugar aos cientistas sociais e ao processo democrático angolano. Pretendemos unicamente analisar o poder da burguesia angolana em Portugal e as suas relações com a burguesia portuguesa. É por isso um livro sobre alguns dos donos de Portugal, os que são angolanos, e os seus aliados.

Um estudo deste tipo nunca foi feito num âmbito tão vasto. Até hoje, uma análise cuidada da influência económica de empresas angolanas em Portugal foi produzida por um jornalista, Celso Filipe [1], e alguma investigação tem sido publicada sobre casos e acontecimentos, declarações e negócios. Falta no entanto um mapa completo destas redes de relações, medindo a sua influência e descrevendo a sua evolução, analisando com detalhe quem são todos os protagonistas destas operações económicas e financeiras. É o que pretendemos apresentar aqui. Fazemo-lo tendo consciência da dependência entre as duas economias, da natureza das alianças que a suportam, da sensibilidade política da questão e da necessidade de formas de relacionamento em que as sociedades e as opiniões públicas não se submetem à autoridade de Estado nem a interesses particulares que dela beneficiam. A informação e a reflexão aberta são os princípios da democracia, e contribuímos para o seu crescimento sem dependermos de subordinações e genuflexões.

Assim, num primeiro capítulo analisamos o processo e os discursos sobre a acumulação primitiva em Angola, bem como a consolidação e alargamento da família política do MPLA em Portugal. Segue-se a história exemplar de Bento Kangamba, um general que se aproxima do círculo presidencial e que retrata as formas do poder desmesurado.

No terceiro capítulo, esclarece-se o papel do capital angolano na economia portuguesa e depois faz-se o inventário dos grandes articuladores desta relação económica do lado angolano: Isabel dos Santos, Manuel Vicente, António Mosquito, José Leitão, o general Kopelipa. Em cada caso, descrevemos os seus parceiros portugueses e os principais investimentos que desenvolvem, tanto em Portugal como em Angola.

No quinto capítulo é explicada a história especial do grupo Espírito Santo em Angola, dos seus contactos chineses e russos, da ascensão e queda de Álvaro Sobrinho, que dirigiu a filial angolana do BES e que é uma das figuras do capital angolano em Portugal.

No sexto capítulo, procuramos as linhas que fazem “o triângulo dourado” (Mira Amaral dixit) Angola-Brasil-Portugal. Nele se destacam figuras como o ex-ministro Miguel Relvas e José Dirceu, que foi chefe da casa civil do governo Lula, ou ainda Fernando Lima, presidente do grupo Galilei (ex-SLN).

No sétimo capítulo analisamos a lista dos responsáveis políticos e ex-governantes portugueses que assumiram responsabilidade direta ou indireta na ligação angolana, sendo membros das administrações das empresas que realizaram investimentos ou parcerias em setores estratégicos das duas economias. Essa lista nunca foi elaborada mas é essencial para compreender a profundidade das relações políticas e empresariais estabelecidas entre os capitais portugueses e angolanos.

Finalmente, antes das conclusões, discutimos brevemente o caso Machete e a crise diplomática entre Portugal e Angola, que se acentuou nos finais de 2013, lendo os elementos ideológicos dos publicistas do regime angolano. Voltamos a demonstrar neste capítulo como naquele sobre a acumulação primitiva em Angola, que os maiores escritores angolanos oferecem uma interpretação sagaz, muitas vezes sarcástica mas sempre profunda acerca do enriquecimento, do autoritarismo e da corrupção da emergente burguesia angolana.

Um agradecimento especial é devido a Rita Gorgulho, que elaborou os gráficos, e a Nuno Moniz e Adriano Campos, que prepararam a base de dados dos ex-governantes portugueses, o que permitiu identificar as empresas e administrações com ligações angolanas.

[1] Filipe, Celso, "O Poder Angolano em Portugal - presença e influência do capital de um país emergente", Planeta, 2013

2 comentários:

  1. as melhores palavras são smp aquelas que estão perto ...do joelho
    http://www.dn.pt/Inicio/interior.aspx?content_id=3597042

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  2. excelente o estilo de escrita adotado
    https://www.youtube.com/watch?v=dpYFL3qtysI

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