24 fevereiro 2014

Uma nota sobre a história das ideias: quem é que se esqueceu de pagar o almoço?

A lenda é esta: Vilfredo Pareto (1848-1923) argumentava, numa conferência académica, que a economia se rege por "leis naturais", mecanismos implacáveis que determinam e descrevem os comportamentos das pessoas e grupos e entrou em conflito com Schmoller sobre o assunto. (Ao lado, Pareto e Schmoller)

Pareto era o sucessor de Léon Walras na sua cadeira de economia política na Universidade de Lausanne, na Suíça, mas isso não queria dizer muito nesse momento: as teorias de Walras e de Pareto só mais tarde se tornaram canónicas na economia. Talvez isso explicasse a descontração da crítica e das interrupções que um consagrado professor de economia foi gritando a partir da audiência: "não existem leis naturais na economia", dizia Gustav von Schmoller (1838-1917). Schmoller, da Universidade de Berna, era então um dos economistas mais famosos, e certamente o economista alemão mais influente.

No dia seguinte, prossegue a história, contada sempre da mesma forma (aqui ou aqui), Pareto ter-se-ia disfarçado para passar por um mendigo e teria pedido a Schmoller, na rua, que lhe indicasse onde poderia comer gratuitamente. Schmoller teria dito que não há restaurantes que sirvam gratuitamente, mas que lhe podia indicar um barato. Conclusão triunfante de Pareto: "está a ver, há mesmo leis naturais na economia!".

Deste episódio vem a célebre expressão "não há almoços grátis", mas deixo-a para o seu utilizador mais qualificado em Portugal, o ideólogo César das Neves. Por mais que a anedota se repita, não há forma de inventar leis naturais nem comportamentos uniformes que possam descrever como uma mecânica celestial a vida, a decisão e os comportamentos das pessoas e dos grupos sociais. Pareto não tinha razão e a sua própria evolução posterior o confirmou: como sociólogo que escapava ao engenheiro (era doutorado em engenharia), desenvolveu uma teoria das elites dominantes que as responsabilizava pelos desequilíbrios sociais e por imporem sempre a sua vontade, contra a democracia.

Leis naturais? A ideia entusiasmou mais tarde os fascistas italianos, que assim encontravam uma justificação para a prepotência e para a recusa em alterar a distribuição dos rendimentos (um resumo da carreira de Pareto está num artigo de homenagem pelo seu colega, Luigi Amoroso, publicado em 1938 na revista Econometrica, e que então provocou uma grande celeuma, sendo acusada de branqueamento do fascismo).

A história de Schmoller, reformador social mas germanista imperial, foi contada por Thorstein Veblen em 1901, noutra grande revista de economia. Do encontro na conferência e da conversa na rua não se tem confirmação por qualquer deles, mas bem pode ter acontecido. Afinal, os economistas nesse tempo falavam entre si. E faziam perguntas interessantes em conferências interessantes.

Ainda hoje nos podemos perguntar se há alguma "lei natural" que determine como nos comportamos, ou se, em democracia, escolhemos os caminhos por nós próprios.

2 comentários:

  1. «O problema da eficácia das decisões económicas foi também considerado, de um ponto de vista original, por François Perroux, que pôs em evidência o facto de que as variáveis macroeconómicas carecem de originalidade fora da sua expressão ex-post. São antes o resultado da compatibilização, por diversos meios, de decisões tomadas por uma multiplicidade de agentes económicos. Analisando a importância relativa dos diferentes tipos de agentes, Perroux põe em evidência o facto de que as decisões não existem isoladamente, e sim são antes parte integrante de planos que ligam o presente ao passado e ao futuro. Tais planos, elaborados com base num conhecimento limitado do comportamento de outros agentes resultam total ou parcialmente incompatíveis uns com os outros, quando entram em fase de efetivação.
    [...] De antemão dificilmente um agente poderá saber até que ponto o seu plano é incompatível com os outros. Somente o desenrolar dos acontecimentos porá em evidência, ex post, a medida dessa incompatibilidade. [...] Quanto um agente está capacitado para prever e identificar ex ante as incompatibilidades entre planos concorrentes, e emprega formas de coação, pública ou privada, parar tornar compatíveis ou concordantes os referidos planos, configura-se o caso de uma macrodecisão.
    [...] As macrodecisões, segundo Perroux, são factores decisivos na estruturação das atividades económicas. "O funcionamento de uma economia não se processa pela adaptação das microdecisões aos preços. Nem mesmo pelo simples conflito de microplanos incompatíveis. As macrodecisões contêm antes a antecipação global de uma unidade complexa que, em face de outras unidades, atua como se a sua decisão fosse preferível à luta entre todas."
    A macrodecisão é tomada pelo Estado, e funda-se numa previsão global, ou seja, numa avaliação antecipada do resultado final de uma cadeia de reações. Só é possível porque certos agentes estão em condições de exercer um efeito de dominação s/ os demais.»

    Mais Oxford?
    Je me plaît.

    ResponderEliminar
  2. Chico Louçã , isso ainda é a sequela de alguma methodenstreit.

    ResponderEliminar