04 março 2014

Estágio: oportunidade ou precariedade permanente?




A etimologia da palavra “estagiário” remete-nos para o latim “stagnantis”, qualidade daquele que está estagnado. Longe da descrição eufórica e triunfalista do Governo, este significante descreve de forma fiel a realidade de milhares de estagiários que permanecem estagnados numa terra de ninguém, sem contrato, sem emprego e, muitas das vezes, sem salário.

A quimera do emprego.

O estágio tem sido apresentado como um mecanismo que beneficia os jovens trabalhadores na sua inserção no mercado de trabalho. Ao transmitir a experiência prática que lhes falta, as empresas prestam um serviço que deve ser recompensado, seja pela aniquilação do salário, no caso dos estágios curriculares, seja pela benesse dos apoios públicos, no caso dos estágios profissionais. Está subjacente a esta apresentação a já conhecida quimera do emprego, que arremessa no futuro a promessa de um contrato com direitos. A crítica velada ao sistema de ensino que não se compadece da praticidade dos negócios alia-se à visão regressiva que vê nas empresas o cálice sagrado da organização económica, afastando qualquer proposta que assente numa melhor proposta coletiva que combata a austeridade, criando emprego (o investimento público é apenas um dos exemplos). A figura contratual do estágio substitui hoje o processo de aprendizagem e passagem solidária dos conhecimentos experimentais que por décadas assentou na afirmação do emprego como centro da organização produtiva. A própria definição do Governo traduz essa metamorfose, “Considera-se estágio o desenvolvimento de uma experiência prática em contexto de trabalho, que não pode consistir na ocupação de posto de trabalho.”

Oportunidade para o vazio.

Criados em 1997, pela mão de Guterres, os estágios profissionais sofreram diversas alterações nos últimos anos, mas destinaram-se, sobretudo, aos trabalhadores mais jovens. Entre 2001 e 2011 estes estágios abarcaram, segundo o IEFP, 255 mil pessoas. O mesmo instituto avança que os trabalhadores que estagiaram têm de 10% a 30% mais probabilidades de conseguir um emprego. O efeito ilusório da empregabilidade é pertinente, perante a degradação geral dos salários e a destruição do emprego, os estágios surgem como uma mais valia do desempregado. Acontece que comparar a taxa de empregabilidade entre estagiários e restantes trabalhadores só é possível num plano inclinado, o da destruição geral do emprego – uns valem mais do que outros, mas todos têm menos emprego.

De resto, se analisarmos mais refinadamente os dados do IEFP verificamos que os efeitos de empregabilidade dos estágios reproduzem as desigualdades sociais, mulheres mais velhas (entre 25 e 35 anos) têm duas vezes menos probabilidade de alcançar um emprego do que os homens jovens (entre 18 e 25 anos). A juntar a esta tendência há que considerar o efeito de “aprisionamento” do estágio, o período de realização do programa no qual o trabalhador deixa de procurar emprego (não engrossando as estatísticas do desemprego), ao qual se junta a diluição de empregabilidade no longo prazo (depois de 42 meses).


A precariedade permanente

À dificuldade em sustentar o estágio como uma política ativa de emprego eficaz soma-se a evidencia deste ser praticado como mecanismo de exploração por parte dos empregadores. No caso dos estágios profissionais (Estágios Emprego) a resposta à candidatura por parte do IEFP pode demorar de 2 a 3 meses, período no qual o estagiário trabalha sem receber, muitas das vezes auferindo apenas as ajudas de custo por parte da empresa. Num outro plano, a rotação intensiva de estagiários no mesmo posto de trabalho intensifica-se quando se trata de estágios curriculares, com ênfase particular para advogados e arquitetos. Num contexto de grande exigência tecnológica e tratando-se da geração mais qualificada de sempre, o estágio não se distingue, muitas das vezes, do processo de geração de valor inerente ao tempo de trabalho, multiplicando a taxa de exploração.

A mais recente notícia, que dá conta da intenção do governo em criar um período de estágio para futuras contratações na função pública, confirma esta lógica de uma valorização desqualificadora, na qual o acesso ao emprego se faz por uma antecâmara de concorrência e precariedade. Neste contexto, os chamados Contratos Emprego-Inserção, utilizados por entidade públicas como estágios de desempregados para a satisfação de necessidades sociais ou coletivas a que são obrigados os beneficiários do RSI, podem servir de balão de ensaio para programas mais vastos de rotação e espoliação de trabalhadores.

Defender o emprego é a urgência de quem quer avançar.  

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