29 abril 2014

Azagaia: quando o poder não corta a língua


Já estávamos no ano de 2014 quando me apercebi que tinha perdido um dos grandes discos de rap e da música moçambicana do ano de 2013. É uma falha imperdoável. Não apenas porque Azagaia é um dos mais interessantes músicos da nova geração moçambicana mas porque ele não é um rapper qualquer. É um rapper que em 2007, sem pedir autorização a ninguém, lançou um disco que não deixou ninguém indiferente. Chamou-se Babalaze, desafiou as elites políticas e económicas moçambicanas e arrastou multidões de jovens. O álbum valeu-lhe várias formas de perseguição política. Nenhuma delas surtiu efeito e ele cá está, de novo, para a música e para o resto. 


O músico é Edson da Luz. Mais conhecido por Azagaia. Este segundo álbum é o Cubaliwa e veio dar solidez e consistência aos trabalhos que tem vindo a desenvolver nos últimos anos. Este é um disco que demorou seis anos a suceder à verdadeira bomba atómica que tinha representado Babalaze. Se nessa estreia em 2007 Azagaia tinha sido absolutamente claro nos temas de que queria falar e nas denúncias que queria fazer, no ano seguinte lançou a música “Povo no poder” que lhe valeu uma ida à Procuradoria-Geral da República sob acusação de incitamento à violência. A advogada de Edson, Maria Alice Mabota, presidente da Liga dos Direitos Humanos, afirmou ao semanário Savana que a acusação da Procuradoria “pretende amedrontar Azagaia”, feito que "não vai lograr posto que ele não está sozinho". A presidente da LDH confessou que gosta da música "Povo no Poder" e “promete acompanhar o jovem autor até ao fim da procissão”.Não o demoveram.

Em Dezembro 2007 e de 2008, Azagaia lançou “Obrigado Pai Nata” e “Obrigado de Novo Pai Natal” onde não se inibiu de criticar duramente o ano político, os governantes e a elite económica do país e em 2011 é detido pela polícia antes de chegar a um concerto onde iria apresentar o vídeo de “A Minha Geração” e onde ia também cantar “Primeira carta para o Ministro da Cultura”. O pretexto da detenção foi a posse de marijuana. Foi um pretexto. Como qualquer outro. Não dava jeito que Azagaia continuasse a contaminar de insubmissão os espíritos dos jovens moçambicanos que cantavam coletivamente e com convicção as suas letras acompanhadas de beats imponentes.

Depois do sobressalto que significaram músicas como “As mentiras da verdade”, “Ciclo de Censura”, “As verdades” ou “A Marcha”, este seu segundo disco, o Cubaliwa, abre sem rodeios ao som progressivo de uma marcha. É a marcha de Azagaia. E é imparável.

“Achavam que eu não voltava? Achavam?
Bem-vindos ao Cubaliwa
Manos pensaram que cortaram a minha língua
Mas eu falo em Ronga, falo em Sena, falo em Chitswa
Eles não sabem bem qual é a minha língua
Disseram as más-línguas que eu era filho da oposição
Que eu não sabia o que escrevia e que por traz havia uma mão
(...)
Isso inclui censurar, caluniar a minha música
Levar-me a Procuradoria da República”

Está lançado o mote para um disco de crítica e de algumas boas novidades. A começar pelos beats que alimentam músicas mais diversificadas e fluídas. Mantém o típicos beats duros nas músicas mais discursivas e de interpelação direta mas desenvolve beats mais trabalhados e melódicos em músicas como “Miss e Mister Moçambique”, “Começa em ti”, “Carne para Canhão” ou, num tom mais reggae, “A minha geração”. Beats diversos e bem trabalhados com o conteúdo e a forma das letras. Já sobre os assuntos tratados não se podiam esperar desvios.

Em “cão de raça”, junta a musicalidade do Guto para traçar uma história dos percursos do colonialismo, do neocolonialismo e da divisão entre os negros. Em “Maçonaria” interpela-nos sobre as desigualdades que persistem no mundo. Em “Revolução já” ou “Começa em ti” instiga-nos a sermos atores das mudanças que queremos ver no mundo. Azagaia é um músico de combate e é impossível separar a sua identidade musical da sua identidade de africano e da identificação política, social e cultural que procura construir com as suas músicas.

Essa ligação está presente provavelmente na melhor música do disco. Feita em parceria com um grande músico angolano, o MC K, e com o rapper Valete, propõe uma narrativa a três escalas: a angolana, moçambicana e a portuguesa. Para concluir sobre as dificuldades, a história e os desafios dos povos destes três países. Valete é, como de costume, direto com as palavras:

"Zédu, sua filha Isabel e seus generais,
Compram Portugal, branqueiam capitais
Grandes accionistas da Galp, Zon, BCP
BPI, parcerias com a SONAE e a PT,
Compraram o Carreio da Manhã, Sol, Diário de Notícias,
Sábado, TCF, Record, Jornal de Notícias,
Portugal, lavandaria de dinheiro
Que não esconde o cheiro do imoralismo financeiro"

A música chama-se “Países do Medo” e vai ao essencial. Não para insistir no medo mas para acompanhar a revolta. Azagaia é também assim: um músico que acompanha lutas, corações e inquietações várias. É dono de um flow inconfundível, agressivo quando tem que ser, melódico quando a música o exige mas sempre integro e fiel à música que quer fazer e às pessoas que através dela quer representar.

É um músico de coerência. Começou em Babalze, passou agora por Cubaliwa e sabe para onde vai. Ou melhor: sabe exatamente com quem caminha.  

Texto originalmente publicado na Revista Vírus



1 comentário:

  1. Não entendi a música "Maçonaria". Ela critica ou a maçonaria quer mostrar a verdade?

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