12 março 2015

Exclusividade dos deputados: as razões do medo

AR debate esta quinta-feira proposta do Bloco sobre regime de exclusividade para deputados. Razão suficiente para recuperar este escrito sobre o assunto. 

Há propostas que parecem elementares. Quando 10 milhões de pessoas são representadas, no órgão máximo legislativo do país, por 230 deputados, espera-se que estes sejam exatamente isso: deputados. O Bloco bateu-se por isso no projeto lei que estabelecia a exclusividade no exercício do cargo, chumbado, como sabemos, pela direita e pelo PS.

A justeza da proposta pode ser avaliada pelas respostas que damos a perguntas, também elas, elementares: faz sentido, como aconteceu recentemente, Maria de Belém Roseira sentar-se de manhã à mesa da comissão parlamentar da saúde e à tarde prestar consultadoria a um dos maiores grupos privados do sector (Espírito Santo Saúde)? É aceitável que Vitalino Canas vote matérias relativas ao código de trabalho à sexta-feira e no fim-de-semana se apresente ao serviço como provedor das empresas de trabalho temporário? A democracia é respeitada quando Miguel Frasquilho legisla sobre os controles públicos da banca sendo, ao mesmo tempo, um dos principais diretores do BES?

Se respondemos que não, então percebemos por que é necessário impor um travão ao tráfico de influências e ao regime de interesses instalado no seio da direita e do PS. O argumento de que um regime de exclusividade impede a participação dos melhores, dos mais capazes do seu sector profissional, não colhe quando atentamos à história da democracia portuguesa. A investigação levada a cabo no livro Os Burgueses (2014) fornece-nos um exame dos percursos biográficos de 90% dos 776 Ministros e Secretários de Estado dos 19 governos constitucionais, que nos ajuda a perceber quem representam e como reproduzem o seu poder.


De deputados a governantes, os negócios são o limite.

A base de dados construída para Os Burgueses não contempla especificamente o percurso dos deputados, mas permite-nos aferir que, dos 415 governantes que estabeleceram ligações empresariais, 142 (34%) foram, em algum momento da sua vida, deputados. Esta é uma amostra muito reduzida do número total de parlamentares, mas engloba os quadros partidários mais importantes e mais influentes: aqueles que foram promovidos a Ministros e Secretários de Estado e daí construíram a sua passagem para os negócios. Constitui, portanto, uma boa medida do que se passa.



Fonte: Os Burgueses(Link aqui) 

Uma análise sumária apresenta-nos um quadro do regime: tomando como referência a ligação empresarial mais recente de cada um destes governantes – Jorge Coelho e a Mota-Engil, por exemplo – verificamos que apenas 25 já tinham estabelecido esse vínculo antes de serem deputados. Já os governantes que estabeleceram uma ligação ao seu atual grupo económico apenas depois de serem deputados cifram-se em 67. E aqueles que escolheram o atual patrono ainda durante o mandato de deputado chegam aos 50. Para uma elite restrita de governantes, ser deputado foi fundamental para a sua mobilidade social ascendente, abrindo portas outrora fechadas ao seu percurso e mérito profissionais.



Qualquer limitação imposta ao trânsito estabelecido entre a política e os negócios, seja durante ou depois do exercício do mandato, apresenta-se como um obstáculo pavoroso para aqueles que vêem o cargo de deputado como um meio para se alcandorar na via dos negócios, e não como uma condição para o legítimo e exigente exercício de representação democrática. O PS e a direita encontram-se nesse conforto. Resta uma esquerda, que no parlamento não se esquece de falar para as janelas.

3 comentários:

  1. A exclusividade não resolve nada. Se um deputado do PS ou do PSD for apenas um «eleito», estará, também, seguramente a soldo dos interesses financeiros e económicos que controlam os partidos.

    Com o avanço atual tecnológico da computação e das telecomunicações, a resposta está na Democracia Direta. Já não precisamos de «representantes políticos» para nada. Hoje, posso votar em todos os assuntos que me digam respeito sem pôr os pés numa cabine de voto.

    E eu sei melhor o que quero do que um «representante a soldo sabe-se lá de quem». Se votar mal, a culpa será só minha.

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    1. «A exclusividade não resolve nada.»

      Esta frase é um bom exemplo daquilo que se designa por «falácia do nirvana.» Consiste esta falácia em só aceitar propostas que resolvam tudo - e não há nada, no mundo real, que resolva tudo - rejeitando tudo aquilo quer possa representar um progresso ou um passo na direcção certa.

      Racional seria dizer «a exclusividade não resolve tudo.» A isto ninguém poderia objectar. É claro que uma melhoria significativa exigiria outras medidas: não EM VEZ DESTA, mas ALÉM DESTA. Nenhuma das quais, por si só, resolveria tudo, mas que em articulação com as outras resolveria muita coisa.

      O que nos traz a uma das objecções que os filósofos políticos fazem à democracia directa desde há pelo menos duzentos anos: pode ser útil nalguns casos para decidir questões avulsas mas é completamente incapaz de formular políticas coerentes e articuladas.

      Quanto às tecnologias modernas, podem ser vistas como um dos factores que estão a fazer rebentar as barreiras cuidadosamente erigidas, desde as Revoluções Francesa e Americana, entre o capricho imediatista das multidões e a vontade reflectida dos povos. Esta teoria é respeitável e bem fundamentada; se for, além disso, válida, as tecnologias de comunicação não são uma oportunidade para a democracia directa, mas sim uma razão para que se aprofunde a democracia representativa.

      É claro que se o Diogo votar mal a culpa será só sua. Mas as consequências serão também nossas.

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  2. «Faz sentido, como aconteceu recentemente, Maria de Belém Roseira sentar-se de manhã à mesa da comissão parlamentar da saúde e à tarde prestar consultadoria a um dos maiores grupos privados do sector (Espírito Santo Saúde)?»

    Claro que não.

    «É aceitável que Vitalino Canas vote matérias relativas ao código de trabalho à sexta-feira e no fim-de-semana se apresente ao serviço como provedor das empresas de trabalho temporário?»

    Craro que não.

    «A democracia é respeitada quando Miguel Frasquilho legisla sobre os controles públicos da banca sendo, ao mesmo tempo, um dos principais diretores do BES?»

    Claro que não.

    Mas não faltam «spin doctors» capazes de tornar turvas as águas mais claras.

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