02 abril 2014

Os novos Frankensteins


Apesar da oposição do Parlamento Europeu e da maioria dos governos representados no Conselho Europeu, a Comissão Europeia continua determinada em aprovar o cultivo de uma variedade de milho geneticamente modificado da Pioneer. Se esta investida for bem sucedida, esta variedade de milho irá juntar-se a outra criada pela Monsanto, que já é cultivada na Europa, e abrir mais uma brecha na política anti-transgénicos europeia.

Os transgénicos são organismos cujos genes foram alterados em laboratório para terem determinadas caraterísticas consideradas úteis por gigantes da agroindústria como a Monsanto, a Pioneer, ou a DuPont que procuram assim garantir um cada vez mais apertado controlo da produção de alimentos no mundo. No caso do milho transgénico, trata-se de uma variedade que liberta um inseticida que, apesar de ser usado de forma segura na agricultura biológica, pode tornar-se perigoso quando libertado de forma descontrolada. Quando agricultores optam por cultivar este milho, ficam reféns da empresa que vende as sementes, já que estas não podem ser replantadas, a troco de promessas de aumento da produtividade que não se concretizam.

A evidência científica disponível desmente a ideia de que a produtividade da agricultura aumente quando se cultivam organismos geneticamente modificados. Num relatório de 2008 do International Assessment of Agricultural Knowledge, Science and Technology for Development, um painel intergovernamental formado por quatrocentos cientistas e representantes da sociedade civil e de instituições internacionais, os dados compilados por cientistas mostram que os transgénicos falham no seu objetivo de oferecer uma maior produtividade ou de reduzir o uso de pesticidas e herbicidas. A síntese do estado do conhecimento é clara ao apontar para a agricultura ecológica de pequena escala como uma solução social e ambientalmente sustentável para alimentar o mundo.1

O cultivo de transgénicos é particularmente pernicioso devido ao risco de contaminação das culturas por polinização cruzada. O pólen pode ser transportado por insetos e pelos ventos por uma distância que pode ir de uns metros a dezenas de quilómetros, pelo que não há barreiras de segurança suficientemente largas para garantir que as novas espécies introduzidas no meio ambiente não proliferem, competindo com as variedades tradicionais e contaminando os cultivos não transgénicos. Este é um problema preocupante para a agricultura biológica, já que a contaminação de uma cultura implica a perda da certificação do produto como biológico, destruindo anos de trabalho e levando à ruína quem não contamina os solos e os rios com químicos perigosos.

No clássico de Mary Shelley, o brilhante cientista Victor Frankenstein consegue dar vida a um ser criado a partir de partes de cadáveres, apenas para ser confrontado por uma monstruosidade que o repugna. O monstro de Frankenstein, rejeitado pelo seu criador e pelas pessoas com que se encontra, torna-se um assassino, pelo que o cientista o persegue até ao Polo Norte para destruir o fruto da sua ambição. A tragédia ilustra a necessidade de conciliar a ciência com a ética e alerta para os perigos de libertar na natureza formas de vida criadas artificialmente, uma lição que empresas como a Monsanto se recusam a aprender. De facto, os novos Frankensteins não só não reagem com repugnância e alarme à ṕroliferação dos seus monstros como fizeram dela o seu modelo de negócio.

1 - http://www.i-sis.org.uk/GMFreeOrganicAgriculture.php

Publicado originalmente no esquerda.net.

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