30 maio 2014

O que nos ensina a disputa no PS?



Nem uma semana passada das eleições europeias, os eleitores transmutaram-se em espectadores da contenda anunciada no PS. A disputa entre Costa e Seguro diz-nos muito sobre a política e o seu centro, e ainda mais sobre o que está por vir.


O poder é tudo


A candura com que os apoiantes de António Costa defendem a aniquilação de Seguro traduz-se na palavra de ordem lançada pelos seus apóstolos: ambição. A insolúvel incapacidade mediática de Seguro deve dar lugar a uma liderança forte, capaz de federar o partido para o assalto às legislativas. Esta forma de política é mais congénita do que extemporânea. Os mesmos que se passearam com Assis e Seguro pela campanha eleitoral, que assinaram o compromisso eleitoral do PS, que votaram parcimoniosamente a linha política da direção, apresentam agora a conta: 1 milhão de votos não nos bastam como poder, o que é o mesmo que dizer que importam muito pouco como tradução de um projeto programático. O desprezo pelos eleitores é o primeiro e maior resultado desta disputa.


Mas há, a meu ver, outro salto político, silencioso, mas decisivo. Ao impedir o acordo Seguro-Passos, na crise de julho passado, alguns dirigentes socialistas mostraram maior clarividência nas custas futuras que um bloco central implicaria para o PS, partido que mais se afirmou no e pelo regime de alternância. Ora, a um ano de eleições, para os dirigentes “Costistas” não se trata já de impedir esse cenário de bloco central – o PS teria que subir pelo menos 1 milhão de votos para uma maioria absoluta – mas de ter condições de o liderar sob a capa de uma grande federação, o que quer dizer um parceiro, qualquer que ele seja, à sua esquerda.

Este novelo exige, para tal, um mínimo de distinção mas um máximo de indefinição. Não é por acaso que António Costa acena com a necessidade de revisão do Tratado Orçamental, mesmo tendo afirmado, há pouco tempo que "provavelmente na altura em que aprovámos o TO não havia outra solução senão aprovar o TO". O PS transformou-se, de facto, num partido de fantasmas, em que cada novo líder tem de renegar o passado, mesmo cumprindo o seu legado.


As primarias como caricatura da democracia


Passou um tanto desapercebido o facto de o demissionário Rubalcaba, ainda líder do PSOE, ter anunciado que o seu sucessor será escolhido por primárias abertas a todos os cidadãos. Decalcado do modelo francês, pelo qual foi eleito Hollande, as primárias vão, assim, impondo-se nos partidos socialistas europeus. Ainda não é caso do congénere português, mas bem vistas as coisas, não estaremos nós a ser induzidos para uma escolha deste calibre?

O prolongar da indefinição, o elencar das qualidades e defeitos de cada candidato, a simpática ou ódio pelos seus aliados, as respostas e as réplicas de cada lado. Nestes dias somos convocados como espectadores a escolher o candidato que mais nos satisfaz, e convidados a nos identificar, como num filme, com o enredo que mais nos redime: o do líder cumpridor das normas ou do desafiante, generoso na coragem e redentor das massas.

Não é por acaso que o texto de Ricardo Costa, a um seu “irmão político”, tenham suscitado tanto interesse. Nele podemos ler sobre o homem mais do que o político, o qual temos de conhecer para crer. A velocidade com que os apoiantes de Costa desfilam pelas rádios e televisões permitem a construção deste mito da escolha, colectiva e unificadora, pois é a única que nos salva da sanha da direita que nos governa. 

Esse movimento intenso, que se desenrola com uma distância própria do poder, sob mecanismos precisos da exposição mediática, leva-nos a uma falsa possibilidade, mas poderosa porque mil vezes repetida: “se eu fosse do PS, votaria em...”. A ilusão dessa escolha é a que move um modelo de primárias em que as maiorias se impõe à possibilidade da diferença programática e ao mandato construído pela experiência social dos activistas e militantes, num jogo que termina logo que escolhido o candidato. António Costa tudo pode depois de eleito. Aos espectadores, como em todas as ficções, resta a desilusão do desfecho.             

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