27 maio 2014

O que os dados (não) dizem

Saiu há poucos dias o mais recente relatório do Eurydice, uma rede europeia que recolhe e sistematiza dados sobre o ensino superior e as políticas educativas na Europa. É um relatório extenso centrado em quatro dimensões da modernização do ensino superior: o acesso ao sistema; a retenção; a flexibilidade na gestão do estudo; e a empregabilidade e inserção profissional dos diplomados. São mais de 90 páginas que comparam vários aspetos destas quatro dimensões. De uma primeira leitura vale a pena destacar alguns dados interessantes. 


Em primeiro lugar, relativamente ao acesso ao sistema, identifica-se que há uma grande diferença nos inquéritos de monitorização dos inscritos no ensino superior europeu, sendo que em dezanove países, as agências de qualidade não foram capazes de analisar a evolução do número de estudantes nos últimos 10 anos. A maioria dos sistemas não diferencia os alunos inscritos, por exemplo, por origem nacional, etnia ou condição socioeconómica. E sobre os sistemas de acesso alternativos aos concursos “normais”, não se conhecem dados sobre quem são os estudantes abrangidos.

Em segundo lugar, no que respeita à retenção dos estudantes, os indicadores usados nos vários sistemas são muito diferentes, impossibilitando uma leitura rigorosa e comparada, sendo que os dados que existem raramente são utilizados para avaliar as instituições. Os dados da retenção dos estudantes quase nunca estão discriminados pelos perfis sociais dos alunos e o relatório identifica também que há pouca evidência de que os dados sobre o insucesso e o abandono escolar sirvam para criar estratégicas de resolução das causas do fenómeno.

Em terceiro lugar, no que respeita à flexibilidade, apresenta-se um dado curioso. É o de que os programas a tempo parcial – tantas vezes proclamados como formas de alargar o acesso aos estudantes mais pobres, que podem assim trabalhar e estudar em simultâneo -, têm cada vez mais estado articulados com lógicas de financiamento privado ao sistema. Normalmente empresas que pagam aos seus funcionários para formações específicas. A flexibilidade não está apenas, como se foi dizendo, dependente de uma lógica de alargamento do ensino superior às classes menos favorecidas, mas faz parte também de uma estratégia empresarial das universidades.

Em quarto e último lugar, a empregabilidade é usada para fins muito diversos no ensino superior europeu. Serve desde para calcular o desemprego e as trajetórias profissionais, até para promover adaptações curriculares dos cursos no sentido de lhes dar maiores “competências de empregabilidade”. Em vários países o “desempenho de empregabilidade” garante ou restringe verbas de financiamento. E por fim, não se conhecem estudos sistemáticos sobre a relação entre a inserção e trajetória profissional dos diplomados e as suas condições sociais e económicas de origem ou de pertença.


Conclusão preliminar: caminhamos desde 1998 para um “modelo europeu unificado de ensino superior”, mas passados 16 anos ainda nem existem dados comparáveis e rigorosos sobre os principais aspetos desse sistema. E normalmente sem dados sérios, não há políticas públicas sérias que resistam. 

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