No momento em que cientistas, académicos, Reitores e responsáveis
de várias áreas intensificam as críticas à avaliação dos Centros de
Investigação, retomo uma carta aberta assinada por algumas as principais
referências na afirmação da sociologia em Portugal a seguir ao 25 de Abril. Uma
carta que me honra porque vai ao combate. Assinaria sem hesitar.
"Senhor Presidente da
Fundação para a Ciência e a Tecnologia:
Numa conjuntura marcada por reiteradas
preocupações, dos mais diversos setores disciplinares, institucionais e
ideológicos, sobre cortes drásticos no financiamento público de I&D,
associados a tropelias sucessivas através de concursos para investigadores e
para atribuição de bolsas em que, sistematicamente, as ciências sociais têm
sido particularmente maltratadas, esperar-se-ia, por parte da FCT, uma correção
dos erros e uma preocupação acrescida com a qualidade dos processos. Afinal, a
incorporação dos erros no aperfeiçoamento dos caminhos possíveis, através do
debate crítico, coletivo e organizado, é uma das características que liberta
a ciência das armadilhas da arbitrariedade.
Assim, uma política científica sustentada exige
respeito pelas regras mais elementares dos sistemas de avaliação: rigor e
isenção. Ora, os signatários desta carta aberta, provenientes de diversas
instituições de ensino superior, consideram que tais requisitos estiveram flagrantemente
ausentes no recente processo de avaliação das unidades de investigação do sistema
científico nacional, nomeadamente ao excluírem da segunda fase uma das unidades
de I&D de referência nas ciências sociais em Portugal: o CIES (Centro de Investigação
e Estudos de Sociologia) do ISCTE-IUL (ver resultados da avaliação aqui: http://www.cies.iscte.pt/np4/newsId=841&fileName=Posi__o_do_Cies_sobre_o_processo_de_aval.pdf
Esta unidade, com cento e vinte investigadores,
alberga alguns dos cursos de
doutoramento mais prestigiados e com maior procura
por estudantes nacionais e estrangeiros; patrocina uma revista, a Sociologia,
Problemas e Práticas, referenciada na Web-of –Science; dinamiza uma editora, a
Mundos Sociais, onde se publicam obras de referência; preocupa-se com a
divulgação científica e a abertura das ciências sociais a novos públicos e, não
menos importante, sistematiza muita da mais recente pesquisa sobre a realidade
social contemporânea através de observatórios ativos e abertos à sociedade.
Onde está o rigor, quando no relatório de
avaliação se considera que as temáticas das desigualdades e das imigrações já foram
“esgotadas em termos de publicações tanto ao nível local como europeu” (sic)?
Será que os avaliadores não se apercebem da centralidade destas questões em
sociedades europeias assoladas por velhas e novas formas de desigualdade social
e com as implicações multidimensionais da crescentes migrações europeias, sendo
que o nosso país é, precisamente, não só um dos que mais sofre com as desigualdades
como, ao mesmo tempo, um dos que mais contribui para os fluxos migratórios
globais? Como podem peritos rigorosos considerar tais questões, em constante
metamorfose, “esgotadas”?
Onde está, enfim, a necessária isenção quando os
avaliadores exigem “novos tópicos de pesquisa inovadores”? Pretender-se-á uma
ciência inócua e sedutora face à lógica dos poderes instalados? Ou submersa por
modismos monolíticos? Não é esta a mais plena tradução de um enviesamento
ideológico ou da tentativa de impor uma censura científica, classificando
linhas de pesquisa como “esgotadas” ou “inovadoras”, sem qualquer atenção aos
contextos em que o conhecimento se produz e para os quais se dirige?
As ciências sociais, para cumprirem a sua vocação,
precisam de liberdade e respeito pelas opções de pesquisa dos centros e dos
seus investigadores. Portugal não pode regressar a uma política de ciência
dirigista, seguidista e cómoda. Entendem os signatários desta carta aberta que
as avaliações também avaliam os avaliadores e que a FCT deve ser a primeira
instituição a pugnar por agendas científicas autónomas, livres e abertas.
Ana Romão (Academia Militar)
Anália Torres (Universidade Técnica de Lisboa)
Augusto Santos Silva (Universidade do Porto)
Boaventura Sousa Santos (Universidade de Coimbra)
Carlos Gonçalves (Universidade do Porto)
Casimiro Balsa (Universidade Nova de Lisboa)
Elísio Estanque (Universidade de Coimbra)
João Peixoto (Instituto Superior d3e Economia e
Gestão)
João Teixeira Lopes (Universidade do Porto)
Karin Wall (Instituto de Ciências Sociais da
Universidade de Lisboa)
Manuel Carlos Silva (Universidade do Minho)
Manuel Lisboa (Universidade Nova de Lisboa)
Maria de Lourdes Lima dos Santos (Instituto de
Ciências Sociais da Universidade de Lisboa)"
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