22 julho 2014

Onde está o rigor, quando se considera que as temáticas das desigualdades e das imigrações já foram esgotadas?

No momento em que cientistas, académicos, Reitores e responsáveis de várias áreas intensificam as críticas à avaliação dos Centros de Investigação, retomo uma carta aberta assinada por algumas as principais referências na afirmação da sociologia em Portugal a seguir ao 25 de Abril. Uma carta que me honra porque vai ao combate. Assinaria sem hesitar. 

"Senhor Presidente da Fundação para a Ciência e a Tecnologia:

Numa conjuntura marcada por reiteradas preocupações, dos mais diversos setores disciplinares, institucionais e ideológicos, sobre cortes drásticos no financiamento público de I&D, associados a tropelias sucessivas através de concursos para investigadores e para atribuição de bolsas em que, sistematicamente, as ciências sociais têm sido particularmente maltratadas, esperar-se-ia, por parte da FCT, uma correção dos erros e uma preocupação acrescida com a qualidade dos processos. Afinal, a incorporação dos erros no aperfeiçoamento dos caminhos possíveis, através do debate crítico, coletivo e organizado, é uma das características que liberta a ciência das armadilhas da arbitrariedade.

Assim, uma política científica sustentada exige respeito pelas regras mais elementares dos sistemas de avaliação: rigor e isenção. Ora, os signatários desta carta aberta, provenientes de diversas instituições de ensino superior, consideram que tais requisitos estiveram flagrantemente ausentes no recente processo de avaliação das unidades de investigação do sistema científico nacional, nomeadamente ao excluírem da segunda fase uma das unidades de I&D de referência nas ciências sociais em Portugal: o CIES (Centro de Investigação e Estudos de Sociologia) do ISCTE-IUL (ver resultados da avaliação aqui: http://www.cies.iscte.pt/np4/newsId=841&fileName=Posi__o_do_Cies_sobre_o_processo_de_aval.pdf

Esta unidade, com cento e vinte investigadores, alberga alguns dos cursos de
doutoramento mais prestigiados e com maior procura por estudantes nacionais e estrangeiros; patrocina uma revista, a Sociologia, Problemas e Práticas, referenciada na Web-of –Science; dinamiza uma editora, a Mundos Sociais, onde se publicam obras de referência; preocupa-se com a divulgação científica e a abertura das ciências sociais a novos públicos e, não menos importante, sistematiza muita da mais recente pesquisa sobre a realidade social contemporânea através de observatórios ativos e abertos à sociedade.

Onde está o rigor, quando no relatório de avaliação se considera que as temáticas das desigualdades e das imigrações já foram “esgotadas em termos de publicações tanto ao nível local como europeu” (sic)? Será que os avaliadores não se apercebem da centralidade destas questões em sociedades europeias assoladas por velhas e novas formas de desigualdade social e com as implicações multidimensionais da crescentes migrações europeias, sendo que o nosso país é, precisamente, não só um dos que mais sofre com as desigualdades como, ao mesmo tempo, um dos que mais contribui para os fluxos migratórios globais? Como podem peritos rigorosos considerar tais questões, em constante metamorfose, “esgotadas”?

Onde está, enfim, a necessária isenção quando os avaliadores exigem “novos tópicos de pesquisa inovadores”? Pretender-se-á uma ciência inócua e sedutora face à lógica dos poderes instalados? Ou submersa por modismos monolíticos? Não é esta a mais plena tradução de um enviesamento ideológico ou da tentativa de impor uma censura científica, classificando linhas de pesquisa como “esgotadas” ou “inovadoras”, sem qualquer atenção aos contextos em que o conhecimento se produz e para os quais se dirige?

As ciências sociais, para cumprirem a sua vocação, precisam de liberdade e respeito pelas opções de pesquisa dos centros e dos seus investigadores. Portugal não pode regressar a uma política de ciência dirigista, seguidista e cómoda. Entendem os signatários desta carta aberta que as avaliações também avaliam os avaliadores e que a FCT deve ser a primeira instituição a pugnar por agendas científicas autónomas, livres e abertas.

Ana Romão (Academia Militar)
Anália Torres (Universidade Técnica de Lisboa)
Augusto Santos Silva (Universidade do Porto)
Boaventura Sousa Santos (Universidade de Coimbra)
Carlos Gonçalves (Universidade do Porto)
Casimiro Balsa (Universidade Nova de Lisboa)
Elísio Estanque (Universidade de Coimbra)
João Peixoto (Instituto Superior d3e Economia e Gestão)
João Teixeira Lopes (Universidade do Porto)
Karin Wall (Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa)
Manuel Carlos Silva (Universidade do Minho)
Manuel Lisboa (Universidade Nova de Lisboa)
Maria de Lourdes Lima dos Santos (Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa)"

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