15 setembro 2014

FATMA, o Festival Todos e a vontade de respirar


Sábado, 10h30, no terraço de um prédio em Lisboa no fim da Rua de S. Bento juntavam-se cerca de 50 pessoas para assistir a FATMA, uma peça do criador argelino M´Hamed Bengguettaf interpretado por Sofia de Portugal. Num cenário improvável, o denso e sólido texto do dramaturgo argelino apresenta-nos um monólogo fascinante sobre a liberdade de uma mulher no único dia do mês onde pode ser quem é, falar sobre si e ser protagonista de uma história. Esse dia, imagine-se, é o dia do mês em que FATMA tem direito ao pátio do prédio, onde passa o dia sozinha a lavar e a estender a roupa. Nesse dia FATMA respira. Fala das angústias da sua vida, da condição da mulher argelina, dos silêncios a que é votada a sua existência, dos seus sonhos despedaçados, do passado e do que ficou por cumprir. Sofia de Portugal esteve à altura da riqueza do texto. A sua interpretação foi de tal modo intensa que nos colocou absolutamente absorvidos por uma mulher e uma sociedade que provavelmente poucos na sala conhecíamos. 

A peça foi acompanhada por um pequeno almoço argelino no intervalo e nem o sol da manhã de sábado conseguiu diluir o envolvimento que a peça exigia ao público. Com a personagem mergulhámos no drama do mundo, da impossibilidade de projetar um futuro para tantas mulheres remetidas, como FATMA, à vida dura, monótona e paralisante do trabalho. 

Esta criação do Teatro dos Aloés foi uma das boas surpresas do Festival TODOS. Organizado entre S. Bento, o Poço dos Negros e Santa Catarina, o Festival vai na sua sexta edição e nem os cortes asfixiante no apoio às artes e à cultura no país fazem a organização baixar a exigência do programa. Com teatros, performances, conferências, exposições fotográficas, sessões de leitura, cinema, gastronomia, música e festas, o Festival TODOS combina multiculturalidade social e artística, ligação à história dos lugares onde se insere e uma vontade imensa de ouvir a diversidade de povos que fazem o povo de Lisboa. 

As criações Luís Pavão, Vera Mantero, Svetlana Poliakova, Joana Craveiro, Ben Okri, Patrick Murys, Luís Belo e de tantos e tantas outras mostram-nos uma cidade onde é possível respirar fora das rotinas que tantas vezes nos bloqueiam. Foi também assim no espetáculo de FATMA. Um dia por mês, como ela própria diz, no terraço sente-se leve, como uma pluma. É também assim que festivais destes nos fazem sentir: leves e criativos, para não deixar que estes tempos de obscurantismo nos destruam o que melhor que temos. A capacidade de pensar livremente, a vontade de agir sem medos. 

1 comentário:

  1. Essa FATMA não existe. Se há gente que gosta de fala são as mulheres e as muçulmanas não fogem à regra: falam com as amigas, com as outras mulheres da família e, se calhar, com um ou outro muçulmano mais atrevidote.

    Está a tentar passar-se uma imagem de um inferno que não existe.

    Por exemplo, a minha mãe não podia ir ao estrangeiro sem autorização do meu pai (até, julgo, 1974)...

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