23 outubro 2014

O direito ao Tesão dos 50 anos.



"Já tinha 50 anos e dois filhos" ou seja, uma “idade em que a sexualidade não tem a importância que assume em idades mais jovens, importância essa que vai diminuindo à medida que a idade avança”. Será esta argumentação do Supremo Tribunal Administrativo apenas mais um caso de como o preconceito e o machismo se refletem na justiça portuguesa ou haverá algo mais a dizer? Convoquemos os especialistas.

A desqualificação do prazer foi, na história do poder, um dos métodos mais eficazes de dominação. Michel Foucault, no entanto, rejeitava uma teoria meramente proibitiva da sexualidade; a interdição não explicaria o alcance do fenómeno – “O problema não consiste em saber se o desejo é realmente estranho ao poder, anterior à lei como se imagina muitas vezes, ou, ao contrário, se não seria a lei que o constituiria”, a questão reside no facto da afirmação do prazer se realizar de maneira desigual entre os grupos e as classes. Mais do que uma repressão, o dispositivo da sexualidade exige uma justificação de e perante o poder e assim é refletido na lei, com a afirmação do corpo e da sua vivência a desenvolver-se sob hegemonias próprias (o narcisismo burguês por exemplo).

É sabido, contudo, como o capitalismo de celebração assimilou a revolução sexual dos anos sessenta num padrão consumista e vouyerista, alimentando uma indústria pornográfica que movimenta fortunas e a criação de uma intensa rede de turismo sexual. Algo que Reich antecipava já de certo modo na crítica à banalização fria do prazer como “evacuação”. Temas que merecem todo um debate.

O que isto nos diz sobre este Portugal de hoje? Nas últimas décadas, o maior sinal de emancipação no campo sexual terá sido, de facto, a retirada ao Estado de alguma da sua capacidade coerciva sobre as escolhas individuais. É claro que há regras legais que nos protegem, como a punição do abuso. Mas lembrar o que era a polícia de costumes do fascismo é perceber o que mudou. A prática sexual democratizou-se e derrubou fronteiras das convenções, da igreja e da família, sobretudo. O que esse avanço não esconde, e que o exemplo bafiento do Tribunal Administrativo mostra, é como aos olhos do poder, o direito sexual de pessoas tão diversas mas arrebanhadas numa etiquetagem conservadora - os velhos, os deficientes, os gays, os pobres - ainda se cumpre como uma subalternidade desprezível.

Num tempo dominado pela ascética da austeridade, o direito ao tesão dos 50 anos, o grito dos deficientes "Sim, nos fodemos", a dignidade das marchas LGBT, e tantas outras rebeldias da diferença pelo direito ao desejo é o que nos permite ainda pensar a sexualidade não como castração, mas como movimento afirmativo para lá da lei e do poder. 

2 comentários:

  1. Machismo!? onde é que na decisã se diz que a partir do 50 anos as relações sexuais perdem interesse só para as mulheres. Se o facto de a autora ser mulher permite essa conclusão então também teremos de concluir que a juiz que participou na decisão - sem declaração de voto ou voto de vencida - também é machista.

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  2. Acho que o João Taborda explica bem a questão: "Na decisão do STA do mês passado, o preconceito social nem está tão disfarçado quanto isso. Basta seguir este raciocínio: "Não se tendo provado que a Autora tivesse ficado incapaz de realizar todas as lides domésticas" e, tendo em conta "as idades dos seus filhos, a mesma apenas teria de cuidar do seu marido". Logo, é para o Tribunal "forçoso concluir que a mesma não teria necessidade de uma empregada a tempo inteiro". Uma empregada doméstica com empregada doméstica? A tempo inteiro? Além de marota, és preguiçosa."

    http://www.dn.pt/inicio/opiniao/interior.aspx?content_id=4195880&seccao=Jo%E3o+Taborda+da+Gama&page=2

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