14 novembro 2014

PODEMOS: desviando dos tiros na nuca


Alerta geral. A senha está dada: os resultados alcançados pelo PODEMOS nas últimas sondagens realizadas no Estado Espanhol (27% contra os 20% do PSOE e 25% do PP) devem ser explicados, escalpelizados, menorizados. Convocados os comentadores, os métodos estão à disposição, da reprodução de ideias feitas à transposição futurista com tons de portugalidade e horror. À direita e ao centro esta proliferação de comentários sobre o PODEMOS pariu três argumentos e três propostas de salvação do regime. Vamos a eles.

1. Estes tipos são todos iguais.

O primeiro argumento é o mais antigo e o mais reproduzido. José Diogo Madeira, ex-diretor do Jornal de Negócios, resume-o na perfeição, "Em Espanha, o Podemos; na França, a Frente Nacional; na Itália, o Cinco Estrelas; na Grécia, o Syriza. Em todos os países do Sul da Europa, surgiu um movimento político que agregou os (cada vez mais) descontentes com o «sistema»". O soundbite é simples e monocórdico, diz-nos que um espectro ronda a Europa, o espectro do populismo. A implosão do centro político tem como resultado o surgimento de partidos, iguais em quase tudo, que abraçam o descontentamento das massas desorientadas e sofridas.

Para funcionar, este argumento tem primeiro de aniquilar a história. De nada interessa que o PODEMOS tenha uma base social assente no processo das mobilizações anti-austeridade fortalecido por lutas sociais como a dos Afetados por la Hipoteca e que o Cinco Estrelas seja o resultado mediático de um populismo eleitoral desligado de qualquer mobilização social consequente. Há que irmanar o que é diferente. O mesmo é feito com o programa político: interessa pouco que o PODEMOS defenda o reconhecimento integral dos direitos dos imigrantes e o fim dos programas persecutórios como o FRONTEX enquanto o presidente honorário da Frente Nacional lembra os benefícios do Ébola no extermínio dos povos africanos. Estes tipos são mesmo todos iguais.


2. Estes tipos são perigosos, abatam-nos. 

O problema existe e é preciso lidar com ele. Nuno Melo, generoso na verve, elenca os pecados "O PODEMOS foi financiado pelos regimes venezuelano e cubano (...) Pablo Iglesias aceita a independência da Catalunha e do País Basco, defende a expropriação de casas legitimamente adquiridas e pagas por privados, reivindica o incumprimento de hipotecas e proclama a necessidade da nacionalização dos sectores das telecomunicações, energia, alimentação, transportes saúde e educação". Num país onde a Guerra Civil resultou em 450 mil mortos não há outro veredicto possível, "Pablo Iglesias não é um simples fenómeno de popularidade. É uma pessoa perigosa". Que uma bala encontre a sua nuca pode ser, por agora, apenas o desejo afoito de um dirigente local do PP, mas o ataque primário ao PODEMOS vai ajustando a sua mira.    

Há, é certo, uma versão mais refinada sobre o papão, para públicos menos primitivos . António Vitorino, por exemplo, não abre mão do epíteto bolivariano ao classificar o PODEMOS mas lá nos explica que o que está verdadeiramente em perigo é a democracia, que é necessariamente partidária e não convive bem com movimentos deste tipo. Todo o cuidado é pouco.


3. Estes tipos são inconsequentes, enquadrem-nos.

O terceiro argumento diz respeito não tanto ao PODEMOS mas à sua transposição para o plano português. Os prognósticos são variados. Pedro Braz Teixeira está convicto, o fenómeno PODEMOS virá e o PS que se cuide. Já a Sábado, mais comedida, não antecipa para já algo semelhante mas deixa o alerta ao centrão. Nestas como em outras análises o formato é o da interpelação ao poder e aos seus partidos, incautos que se mostram na condução do povo, esse aglomerado de descontentamento pronto a seguir o primeiro populista que ocupe a ribalta. Se o poder quer se dar ao respeito é bom que mude, faça reformas e salve a face. Ainda é possível evitar este cenário.

Salvar o regime do regime de interesses. 

Quais seriam então as formulações salvíficas condizentes com estes diagnósticos? A primeira é a abordagem moralizadora. O ex-Secretario de Estado, Feliciano Barreiras Duarte, confessa, "eu gosto do Podemos. A razão de exigir, uma nova ética publica na vida política." e acrescenta "O desafio dos partidos políticos de vários sistemas da generalidade dos países europeus, é trazer decência, seriedade, transparência, proximidade à vida partidária e pública.". Houvesse no centrão um sentido de moralidade cristã e os homens voltariam a ser homens, estes tipos ficariam sem espaço.

A segunda solução clama diretamente às instituições. Braz Teixeira lembra "No nosso vizinho, o sucesso eleitoral desta nova força política parece dever-se, em muito, a um sistema judicial que funciona (que inveja!), que tem vindo a expor a impressionante corrupção que aí se praticava.". e vaticina "A justiça portuguesa tem estado demasiado dormente, não tendo sido, até agora, capaz de protagonizar uma limpeza como a que está a ter lugar em Espanha e que ajudou o Podemos a chegar ao primeiro lugar nas sondagens. Em Portugal, já que a justiça não faz o seu papel, parece que terá que ser a comissão parlamentar de inquérito ao BES a expor a podridão do regime. A revolta com as revelações que esta comissão deve trazer podem bem levar grupos de cidadãos a organizarem-se e a desafiarem os partidos actuais nas próximas eleições legislativas." De uma assentada varre-se todo o carácter anti-institucional do PODEMOS - foi até o bom funcionamento da justiça que criou esta ninhada de ingratos - e põe-se em sentido as instituições portuguesas. Está na hora de fazer uma limpeza, criar exemplos para aplacar a fúria popular.

Por fim, a solução de um homem do regime, António Vitorino, para salvar o regime do regime de interesses. "Os partidos políticos não são imutáveis, nem autorregeneráveis, mas para os persuadir a mudar é preciso ir onde lhes dói - o sistema eleitoral". E se estes partidos querem sobreviver à vaga de exigência democrática e participativa têm de mostrar a sua abertura à sociedade. Mas apresentar candidatos pré-definidos a um público sem qualquer possibilidade real de influenciar os seus programas políticos não basta, as primárias têm os seus limites. Há, portanto, que avançar com os círculos uninominais, proposta de António Costa, para que a ilusão de candidatos desinteressados e desligados da casta se possa instalar como desiderato popular. A batota é simples, um modelo em que as minorias ganham, os partidos maiores prevalecem e os pequenos murcham.  

Ainda muito se escreverá sobre o PODEMOS, as suas debilidades e as suas possibilidades. Mas não desistirmos da nossa inteligência nesta avalanche de opiniões será sempre o princípio de alguma coisa. 


1 comentário:

  1. Adriano,

    artigo irrepreensível na leitura do muito que se tem dito sobre o Podemos, demasiadas vezes com uma ignorância que assusta. Cheguei até a ouvir quem dissesse que o Podemos não era um partido de esquerda nem de direita, ignorando o grupo parlamentar europeu a que aderiram sem hesitações: o da esquerda radical.

    Deixo apenas uma observação sobre o sistema eleitoral: não é líquido que à introdução de círculos uninominais corresponda obrigatoriamente uma diminuição da proporcionalidade, uma vez que isso pode ser feito no âmbito de um sistema eleitoral misto. Creio que, nalguns casos, pode até acontecer um aumento da proporcionalidade pelo facto de o método de Hondt já a distorcer ao nível dos círculos eleitorais mais pequenos.
    Um dos melhores exemplos disso é o do sistema eleitoral alemão (um sistema misto) que tem permitido uma forte representação parlamentar de partidos como os verdes do Bundins/Die Grunen ou do Die Linke. É um sistema que levanta outro tipo de questões mas não me parece que a compressão da proporcionalidade seja obrigatoriamente uma delas.

    É óbvio que a proposta que António Costa não é clara nem permite dissipar estas dúvidas, mas há que aguardar pela sua formulação mais concreta para se poder perceber o seu impacto na proporcionalidade. (até porque AC também já disse não aceitar uma diminuição da proporcionalidade, algures em Junho/Julho)

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