01 dezembro 2014

O Bloco de Esquerda e o futuro



O Bloco conseguiu encerrar um longo período de debate interno. Das escolhas da Convenção e da convicção da sua nova Mesa Nacional emanou um novo modelo de direção, apoiado por ampla maioria. Essa solução ergue-se da elegância de um homem, João Semedo, que depois da corajosa candidatura à Câmara de Lisboa e do resgate da unidade que propôs às moções derrotadas na Convenção, sai com o respeito dos seus. O modelo de comissão permanente, não sendo o ideal posto que abdica dos melhores quadros em prol de um modelo de representação, pode e deve ter a força para dirigir o Bloco neste momento decisivo da política portuguesa. A seu tempo o Bloco ganharia em realizar uma necessária renovação do seu grupo parlamentar, nomeadamente com a entrada dos seus dois dirigentes mais capazes com menos de 40 anos, o Jorge Costa e o José Soeiro, o que daria ao grupo parlamentar outra agilidade e articulação com as lutas sociais existentes. Este percurso prova, todavia, que os empates, na política como na vida, nada resolvem e é sempre à direção de um movimento que cabe, em primeiro lugar, encontrar as saídas agregadoras.

Esta mudança deve corresponder a uma transformação necessária na forma como o Bloco responde à pergunta mais definidora de um partido de esquerda: a quem representa? Portugal tem hoje uma maioria social em formação composta principalmente por duas camadas de espoliados: cerca de um milhão de reformados que recebem pensões abaixo do limiar de pobreza; mais de dois milhões e meio de desempregados e trabalhadores precários. A subjectividade política com que estas populações experienciam as suas limitações é variável e marcada pelo profundo isolamento da opressão individuadora a que são sujeitos.

O discurso esponjoso que procura absorver estas populações como parte da hecatombe da "classe média" pode servir como um pronto a vestir da direita mais desorientada, mas é demasiado curto para explicar as oscilações políticas que estamos a assistir. Pela primeira vez em duas décadas, uma parte considerável da população - estes 30% de que falamos - olha para o poder realmente existente, o poder colonial de uma União Europeia comandada desde Berlim, e não entrevê qualquer tipo de beneficio futuro nem é mais capaz de reivindicar uma memória coletiva de ascensão social associada à UE. O campo de resistência social à austeridade tem de se ancorar no princípio de oposição que não abdica de nomear o adversário: aqueles que na Europa e em Portugal patrocinam o tratado orçamental e o poder da burguesia financeira.

Nesse tempo que nos espera, não basta evidenciar a estagnação social como causa principal do recuo da esquerda. Há que buscar os meios para a contrariar, contrariando os que dela pretendem fazer o canteiro para não tão novos protagonismos - ouvir João Miguel Tavares a elogiar a esquerda possibilista de Daniel Oliveira é entender tudo. E, por isso, no debate que decorre sobre se é o regime que apodrece ou se o que importa é salvar o regime da podridão que o assola, seria importante não perder de vista o essencial: saber que o SNS, a Segurança Social e o direito ao emprego não são lugares legais e constitucionalmente adquiridos, são relações coletivas no centro de um conflito, pelo que exigem, para a sua manutenção, uma mobilização que seja ofensiva na forma como contesta e rejeita o simulacro de democracia que hoje nos apresentam. A forma como a realizamos é um debate que continua.

1 comentário:

  1. A Articulação com as lutas sociais existentes, faz-se também com aqueles que lideram essas lutas, como João Vasconcelos e a sua luta contra as portagens na via do Infante, por exemplo.

    ResponderEliminar