11 julho 2014

As palavras são importantes

Nanni Moretti, em "Palombella Rossa", um dos seus primeiros mas mais conhecidos filmes, gritava para uma jornalista "as palavras são importantes!". E como são. A quem as controla cabe o poder de definir as fronteiras do possível, do inevitável. A quem as controla cabe o privilégio de decidir o que é ou não "económicamente aceitável".


Quem rejeita a austeridade fá-lo por ideologia. E quem a defende, fá-lo porquê? Quem admite uma reestruturação da dívida para impedir o sangramento do país fá-lo por radicalismo. E quem submete salários, pensões e o Estado Social ao pagamento cego de uma dívida aos mercados financeiros, fá-lo porquê?

Não há neutralidade na economia, como não há na política. Um dos grandes feitos, talvez mesmo o maior, dos ideólogos liberais é a naturalização semântica (e não só) das suas propostas. Por mais violentas e extremistas que estas sejam, aparecem sempre apodadas de “técnicas” ou “tecnocráticas”. Daqui até à inevitabilidade da sua aplicação, descartando a existência de alternativas ou desconsiderando-as, essas sim, como ideológicas e radicais, é um passo.


10 julho 2014

Eu decido! Aborto, um direito ameaçado em Espanha

                    

Hoje estreou em 80 locais por toda a Espanha o documentário Yo Decido, Tren por la Liberdad. Contra o ante-projeto de lei do Governo do PP para restringir o direito ao aborto, em discussão desde Dezembro passado, um pequeno grupo de mulheres asturianas junta-se para discutir o que fazer. Muitas delas foram ativistas nos anos 70-80 pela legalização do aborto, o fim da criminalização das mulheres, e o aborto livre e gratuito no serviço público de saúde. Hoje são essas conquistas que estão em risco; 31 anos depois, o retrocesso social nos direitos e liberdades das mulheres é uma ameaça concreta. Este grupo de mulheres decide protestar em Madrid no dia 1 de Fevereiro. Vão no que chamam o comboio da liberdade, pois é a liberdade das mulheres que está sob ataque e é essa liberdade que reclamam. 

A elas juntaram-se centenas de milhares de mulheres e homens de todo país e ocorrem vários protestos de solidariedade noutros países pela direito das mulheres decidirem sobre o seu corpo, maternidade e vida. O vídeo mostra ainda outras ações irónicas de protesto, como o registo em notário do corpo da mulher como uma mercadoria ou a entrega na polícia de declarações individuais a admitir o aborto e a prática do crime. Esta luta segue e mostra como as conquistas sociais são tão frágeis sob o regime da austeridade e do conservadorismo moral. Este vídeo estará disponível dentro de dias na web para que se difunda por todos os cantos do mundo, não só por apelo à solidariedade com as mulheres que vivem em Espanha como de alerta ao que pode acontecer mesmo onde os direitos aparentam estar garantidos há muito.

Os mitos da OCDE não resistem a uma análise objetiva


A OCDE esteve em Lisboa para uma cerimónia de propaganda às políticas de austeridade em Portugal e na Europa. Angel Gurría, o seu secretário-geral, encontrou-se com Passos Coelho para a apresentação pública de um relatório que o próprio governo encomendou sobre o sucesso das suas reformas e as recomendações da OCDE sobre a política económica, fiscal, laboral e educativas para os próximos anos. Nem a propósito, o Inflexão têm-se dedicado desde Janeiro deste ano a uma análise detalhada dessas problemáticas. Olhando para os dados, a conclusão parece simples: os mitos da OCDE não resistem a uma análise objetiva. 

O relatório é extenso mas dele gostaria de destacar seis temas cuja importância para sociedade e para a economia portuguesa merece o nosso escrutínio crítico. São eles as desigualdades sociais, o  problema do desemprego, o trabalho, as finanças, a educação e, finalmente, a ciência. Estes são alguns dos assuntos mais tratados no relatório e mais decisivos para a sociedade portuguesa. Para os analisar com seriedade exige-se um olhar rigoroso e objetivo e não meramente um panfleto ideológico mascarado de relatório técnico. Caso a caso, vamos ao essencial. 

Um Rei na Assembleia da República: cenas de um país improvável


A visita de Filipe VI de Espanha, apesar de curta, cumpriu-se saborosamente, para glória do casal presidencial e deleite das revistas cor-de-rosa. A Caras conta-nos como, depois de discursarem na sala do Trono, Rei e Presidente se ofertaram aos convidados para o almoço de honra. De Pedro Santana Lopes a António Costa passando por Joana Vasconcelos e D.Manuel Clemente, poucos faltaram à chamada e até os Duques de Bragança ocuparam os seus lugares. Para a burguesia portuguesa, a decomposição avançada da monarquia espanhola não afetou ainda a sua função de afirmação elitista e entretenimento popular passageiro.

É, no entanto, assinalável que mesmo transformada em escaparate vazio do regime, a monarquia espanhola não esqueça as suas raízes de violência, com o novo Rei a relembrar o exílio no Estoril do seu avô, Juan de Borbón. O passado de negociações com a ditadura e as tentativas de ingresso no exército franquista durante a guerra civil deste monarca nunca coroado ficaram, claro, ausentes da missiva.

06 julho 2014

BES: o império dos homens maus



Numa entrevista ao canal da Bloomberg, o aparelho fonador da finança global, José Maria Ricciardi referia a transparência institucional e financeira como uma vantagem e uma diferença marcante entre as economias portuguesa e grega. Corria o ano da graça de 2012. O então presidente executivo do BES Investimento e homem forte da supervisão da EDP seria eleito, no ano seguinte, um dos banqueiros do ano pela revista World Finance. Esta história de encantar acabou com a divisão no seio da família Espírito Santo, lançada agora no segundo e mais brando exílio da sua longa dinastia. A importância deste caso reside, em parte, no poder político que o império Espírito Santo construiu ao longo de mais de um século. De seguida propomo-nos a levantar um pouco do véu.

Governa quem tem votos, governa quem manda

A relação do BES com o poder político durante o século XX foi intensa e estruturante, por isso mereceu ser estuda em pormenor e o resultado está à nossa disposição[i]. Vale juntar a essa cartografia da força económica, as expressões políticas pela quais se manifestou nos diversos governos. A cooptação de dirigentes capazes de se moverem entre a política e os negócios, com a subtileza e hibridez necessárias, é a primeira evidência da grande mecânica. Basta, para tal, constatar que o grupo BES esteve presente, através de governantes que transitaram dos seus quadros para o governo ou que aí aportaram depois da passagem pelo executivo, em 16 dos 19 governos Constitucionais[ii]. É preciso recuar ao breve governo de Maria de Lourdes Pintassilgo para encontrar um executivo cujos membros não estabeleceram, em algum momento, um vínculo com o BES.

8 meses de greve: retrato dos seus protagonistas


Durante 8 meses, os e as trabalhadoras da empresa Panrico de Barcelona protagonizaram uma das greves mais longas da crise atual. Dia e noite bloquearam a fábrica para evitar 745 despedimentos. Este pequeno vídeo mostra os seus rostos e as suas histórias, contadas por elas mesmas. Porque a crise e austeridade são pessoas que também lutam e recusam a resignação, o discurso miserabilista, e o esquecimento.