11 janeiro 2015

Três razões para não estar na "Marcha Republicana" de Paris


1. Ao contrário das manifestações que ocorreram no próprio dia do atentado ao Charlie Hebdo, esta é uma manifestação capturada. Foi inicialmente pensada, logo no dia 7, a partir do acordo entre dirigentes do Partido Socialista, do Partido Comunista, dos Verdes, do Mouvement Républicain et Citoyen e do Parti Radical de Gauche, convidando partidos e sindicatos a uma participação ampla. Recebido por Hollande, Sarkozy tratou de impor os termos: "É preciso que todos os que defendem os valores da nossa sociedade ocidental se unam contra a barbárie", acrescentando "perante a evolução da ameaça, a nossa nação deve aumentar o nível de vigilância e aumentar o dispositivo de defesa do franceses". Ao mesmo tempo, Valls e Hollande multiplicavam-se em apelos à "unidade nacional". A direção e o tom da manifestação estavam dados, e não é bonito de se ver. 

2. A maior prova da domesticação da manifestação é a presença dos chamados "líderes mundiais". Benjamin Netanyahu, David Cameron ou Mariano Rajoy (para citar apenas três) não compareceram à manifestação por se sentirem impelidos por uma pressão popular em defesa da liberdade. Foram porque a legitimação de se poderem apresentar como defensores "civilizacionais" neste momento de comoção é um combustível político da melhor qualidade. Netanyahu irá usá-lo para apertar o cerco aos perigosos extremistas e sub-humanos da faixa de Gaza (que até condenaram o ataque), Cameron no fortalecimento das fronteiras e Rajoy no silenciamento das manifestações em Espanha. O discurso da "defesa da civilização" é uma caixa de pandora, e nós já conhecemos quem é capaz de cavalgar esses males na hora certa.

3. Ainda assim, "é com o povo que nos encontramos e disputamos a vontade coletiva". Este argumento tem muita força. Afinal não desfilamos nós com Freitas do Amaral contra a guerra do Iraque, não disputamos a frente da manifestação da geração à rasca com os tipos do PNR? Mas eu pergunto, estamos a disputar quem e para o quê? A herança tricolor da revolução francesa é património que nos basta nesta batalha? O próprio Cohn-Bendit, espertalhão que é, afirmou que se fosse esta uma manifestação verdadeiramente popular seriam os jornalistas e os polícias, as vítimas do ataque, a tomar a dianteira da manifestação, e apenas esses. E não é que tem razão? Dir-me-ão que as vítimas fomos todos nós e a nossa liberdade de expressão. Mas então comecemos por juntar esses "todos nós" e rápido, pois até ver, este foi o dia em que uma manifestação pró-Palestina foi proibida nas ruas de Paris, este foi o dia em que, na mesma cidade, 11 ministros do Interior se reuniram para pôr em cima da mesa o acordo de Schenguen e clamar por uma cimeira contra o extremismo em Washington. Neste amontoado, não vamos conseguir respirar por muito tempo. 

3 comentários:

  1. Paris ontem, Foi mesmo uma manifestação pela LIBERDADE?
    AP/DP (antes de Paris/Depois de Paris)

    Vivíamos e vivemos um clima europeu pelo menos, de crise, austeridade, de dificuldades nas prossecução de políticas sociais, derivadas de uma atitude, criminosa e aventureirista, de alguns que ainda se proclamam de cidadãos, que de 2008 para cá, resolveram fazer as contas com as sociedades, no que elas foram conquistando ao longo do sec XX. Há que pagar agora aquilo que os cidadãos conquistaram com desemprego, corte de prestações sociais, corte de direitos fundamentais, ameaça de guerra, guerras mesmo, corte na escola, na saúde, na JUSTIÇA, subvertendo-a até, e em tudo quanto custe dinheiro, como se esse dinheiro não fosse conseguido à custa de quem trabalha.

    Eis que surge o dia 7.1.2015 com um atentado numa das capitais mais importantes do mundo, abominável de todo e sem qualquer tipo de aprovação da minha parte, e logo, a solidariedade humana pela liberdade da comunicação fez abanar as campaínhas.

    O mundo vira-se para Paris e a espontaneidade dos cidadãos leva-os a manifestar-se, e bem, contra tal hediondo ato.

    O "belilus" começa aqui...Os não menos terroristas que outros começam a perfilar-se perante "François Hollande", numa solidariedade esquesita que acaba por juntar agressores e agredidos pretensamente do mesmo lado.

    Temos agora, a velha europa de agressores e agredidos cúmplices da agressão, a cantar vitória pela "unidade manifestada em paris", TENTANDO ASSIM, FAZER ESQUECER QUE SÃO MUITOS DOS QUE ALI ESTIVERAM, FAZEM PARTE DA "CORJA" DA FINANÇA MAFIOSA E ESPECULATIVA QUE IMPÕE AOS POVOS MAIS POBRES COMO PORTUGAL, MAIS POBREZA, MAIS SUBSERVIENCIA, MAIS CRISE E MENOS DIREITOS DE CIDADANIA.
    ESTA TENTATIVA DE ESCONDER ACTOS PASSADOS, PODE COLHER FRUTOS PARA A MANUTENÇÃO DE POLÍTICAS DE MISÉRIA OBVIAMENTE DE DIREITA PORQUE "AGORA, DEPOIS DA MANIFESTAÇÃO DE PARÍS, SOMOS TODOS AMIGOS E HÁ QUE LUTAR CONTRA O INIMIGO COMUM-O TERRORISMO"

    Vi por aqui escrito há algumas horas, alguem dizendo que em paris se juntaram ontem os terroristas. Subscrevo e digo mais: Portugal, enviou também para lá alguns, até ditos jornalistas, pagos com o dinheiro de todos nós.

    Montou-se um grande circo a volta destes acontecimentos e creio mesmo que, DP (depois de Paris), será totalmente diferente de AP

    Os Bielderberg não dormem

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  2. A Eoropa jamais será mesma!

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    1. Sem dúvida...Mas também já estava descaracterizada dos valores da cidadania.

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