09 abril 2015

Os descamisados estagiários de João Miguel Tavares



João Miguel Tavares, humorista por engano, dedica no Público de hoje o seu terceiro texto contra o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. O que nos dois primeiros textos era uma mal amanhada crítica contra os números publicados pelo Observatório sobre Crises e Alternativas, já contrariada aqui e aqui, revelou-se agora na essência do preconceito que alimenta este embaixador do planeta direita: o ódio ao ensino público e à formação avançada.

Atira Tavares, "Os números não mentem (enfim: às vezes mentem, se torturados por cientistas cidadãos). Em 1997, ano em que a FCT foi criada, doutoraram-se 579 portugueses. Em 2013 (dados Pordata), doutoraram-se 2668. Os doutorados quintuplicaram numa década e meia. Quando se olha para o gráfico dos doutoramentos anuais desde 1970, a evolução a partir do final dos anos 90 é uma subida de montanha de primeira categoria. Ou seja, enquanto em termos económicos o país afocinhava, naquela que já é conhecida como a “década perdida”, as qualificações dos portugueses não paravam de subir. Seria fantástico, em termos de competitividade, se – e este é um grande “se” – o sector privado conseguisse absorver um quinhão significativo dos doutorados. Infelizmente, não consegue."

É um alívio. Ao fim de três textos, Tavares consegue finalmente encontrar o caminho para citar os dados da Pordata, entidade da Fundação Francisco Manuel dos Santos, esse portento da produção científica neutra, metodologicamente acurada e politicamente desinteressada, da qual Tavares é palestrante assíduo. Mas não nos distraiamos. Diz Tavares que Portugal tem doutorandos a mais, que se cometeu o sacrilégio de não afocinhar a educação quando tudo o resto se perdia no ranço da crise.  

Interessa pouco a Tavares que Portugal apresente hoje um número inferior de doutoramentos quando comparado com a média europeia, que, como os Precários Inflexíveis demonstraram, 80% dos investigadores olhe para fora do país como única possibilidade de continuar o trabalho, ou mesmo que este Governo tenha realizado o maior corte de sempre nas bolsas de investigação. O nosso fado é mesmo o sector privado não conseguir absorver este quinhão, daí a sentença final "Boaventura Sousa Santos, José Manuel Pureza e Carvalho da Silva têm um batalhão de doutorados descamisados, frustrados e politizados às suas ordens, que lhes foram oferecidos por Mariano Gago, uma economia débil e um país intervencionado."

E Tavares sabe mesmo do que fala, com um rigor, pode-se dizer, quase científico. Em 2008, João Miguel Tavares era um promissor director-adjunto da Revista Time Out, publicação que recentemente se aventurou no ramo da restauração (é a crise). Fundada há menos de um, a Time Out precisava de jornalistas, pelo que recorreu ao tradicional método do anúncio:

«Procura-se Jornalista Estagiário

Se és jovem, sabes a diferença entre “à” e “há”, és lavadinho e conheces Lisboa como a palma da tua mão, junta-te a nós! A Time Out Lisboa procura estagiários que não se importem de trabalhar de borla durante 3 meses, mas num ambiente muito agradável (e onde nem sequer se pede que nos vão buscar café).»

  
Como vemos, o comentador Tavares não desmerece o patrão Tavares. O autoritarismo sobre os desempregados disfarçado com a graça de um discurso leviano. É por isso mesmo vale a pena discutir o Tavares, pois a sua tradução profana da visão oficial da direita portuguesa ensina-nos o que pode uma geração de dirigentes formados nas fileiras das juventudes partidárias, avessos ao esforço do estudo, fazer ao sistema público de educação e investigação.

Portugal é hoje um país em que o financiamento público dos colégios privados supera o valor atribuído em bolsas de investigação, um país onde os centros de investigação são discriminados pela sua área científica e onde impera a lógica de submissão à economia periférica para a qual nos empurrou a UE (Estratégia Europa 2020).   

Um país onde o Tavares diz o que quem manda pensa. 

Sem comentários:

Enviar um comentário