A
Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL), organizadora
da 85ª Feira do Livro de Lisboa, a ocorrer entre 28 de Maio e 14 de
Junho, veio, à semelhança dos anos anteriores, pedir “voluntários”
para o evento. Desta forma, dá-se a “oportunidade a 30 apaixonados
do livro e da leitura de participarem na realização da maior festa
do livro e da leitura”, que é uma tradução recente de “trabalho
grátis”.
Editores
e livreiros pagam, e não é pouco, para poderem expôr e vender na
feira. Os participantes com apenas uma unidade normalizada (vulgo
stand) pagam 1800 euros, mais 100 se quiserem ter mais 2
metros extra. Um segundo, terceiro e restantes stands estão
ao preço de 2000 euros. Os stands personalizados custam 300
euros por metro linear e devem ter um mínimo de 6 metros. É um
escândalo e, claro, é o que permite que a feira aconteça.
Claro
que, para além disto, são necessárias pessoas que trabalhem fora
dos stands das editoras. Estas, como as outras, garantem que a
feira possa existir e, assim, fazer lucrar. Mesmo assim, sinal dos
tempos, a organização da Feira do Livro acha que o pagamento não
deve ter lugar na história.
Há
uma novilíngua nestes tempos de capitalismo desenfreado. Nesta,
disfarça-se de bom o que é mau, de preparação para o futuro
aquilo que é ausência dele. As palavras têm poder, e o poder
económico tem sabido manipulá-las.
Só
num cenário destes é que o trabalho gratuito pode ser considerado
uma oportunidade. Para mais, claro que tende a repetir-se: os jovens
atropelam-se em estágios não remunerados e oferecem as suas forças
de trabalho de bandeja porque, lá ao fundo, bem pequena, pode estar
uma luz que lhes garanta que há mais qualquer coisa. O problema é
que, regra geral, não há nada, uma vez que o aumento do lucro, ou a
sua manutenção, estimula o outro lado.
O
que a APEL faz agora não é novo: já o fez antes, apesar dos
protestos, e, a continuar assim, não parará tão cedo. Para além
de o insulto que é propor a alguém que trabalhe de graça, que
ofereça a sua força de trabalho, sair absolutamente incólume, o
lucro que daí advém não é amortecido com despesas em salários.
Claro, fórmula de ouro para quem quer encher os bolsos seja de que
forma for, não sentindo a preocupação em fazê-lo com os mínimos,
porque, afinal, os tempos não obrigam a cumpri-los.
Só
num tempo sem esperança se pode sugar tudo com a promessa ténue da
possibilidade. Há quem lucre e encontre neste formato uma forma de
continuar a fazê-lo sem grandes preocupações e a um ritmo
exponencial. Fazendo-o, arrisca-se a que os jovens em Portugal jamais
venham a saber o que é um trabalho remunerado.
Neste
sentido, quem se submete a estas condições está ainda a compactuar
com esta tentativa, quase ecuménica, de se usurpar trabalho ao
garantir que este exista sem ser remunerado. Em 2013, ano em que a
organização recebeu mais de cem candidaturas para trabalho
gratuito, João Alvim, Presidente da APEL, veio considerar que este
“voluntariado” era uma “mais-valia”. Pois, de facto, é de
mais-valia que se trata, e que pena que seja assim.
Sem comentários:
Enviar um comentário