19 fevereiro 2014

Ainda a cultura de direita em Portugal

Voltando ao post no blogue Malomil (aqui) sobre a emergência da cultura de direita em Portugal (ver aqui a primeira investida), importa salientar a ideia, a meu ver correta, de uma diversidade interna deste bloco político-ideológico. Na verdade, as concepções auto e hetero proclamatórias a respeito da direita omitem, por uma economia de discurso, geralmente associada ao médium (não há tempo, em termos de mass media, para escalpelizar o conceito ou procurar as suas dimensões constitutivas), a pluralidade de discursos e práticas. Até porque o seu potencial pragmático de união política é historicamente conhecido. Ainda assim, importa reconher três grandes fraçôes.
Em primeiro lugar, uma velha direita, com raízes no integralismo lusitano, em setores ultramontanos da igreja católica e no fascismo, de timbre fortemente nacionalista, avessa à globalização e à integração europeia, saudosa do império e do Estado Novo (o caso exemplar será, porventura, o de Jaime Nogueira Pinto).
Em segundo lugar, a nova direita do surto cavaquista de desenvolvimento liberal dos anos 80 e 90, arreigadamente rentista (fundos comunitários, privatizações, financeirizaçåo da economia) e ligada a fluxos de mobilidade social mais ou menos rápida - relatos da caricatura do self made man e do arrivismo com que a velha direita a mimoseia estão expressivamente retratados no post.
Finalmente, a novíssima direita dos blogues e das novas tecnologias, dos jogos especulativos e dos lobbies que, no ciberespaço, prepararam com incansável ativismo a chegada de Passos Coelho ao poder.
Teríamos, então, uma cartografia complexa, à la Bourdieu, onde as tomadas de posição - velha, nova e novíssima direita - encontrar-se-iam em situação de homologia (correspondência estrutural não mecãnica entre espaço social e campo político, ou, em termos marxistas, entre classes e lutas sociais - estas não são apenas, embora o sejam sobretudo, entre classes, mas também intraclasses). Seria possível, ainda, num espaço pluridimensional, identificar a maior ou menor proximidade entre estas frações e o capital económico, cultural, social e político. A novíssima direita, por exemplo, tendencialmente não proprietária, aproximar-se-ia da disputa do capital cultural e simbólico, criando um dscurso hegemónico, capaz de se converter, mais tarde, em poder político e económico.
Importa, neste momento, reconhecer que a novíssima direita tem sabido rentabilizar no espaço público as condições que o ímpeto da nova direita lhe abriu. Domina as categorias de classificação, cria palavras, recicla e impõe sentidos e modas. Empreendedorismo, criatividade, startup, etc., fazem parte de uma constelação semântica onde se joga também uma panóplia de estilos de vida a la carte e onde reinam a estetização mundana da vida, da economia e do corpo; a individualização como tarefa, projeto, obrigação: a adaptabilidade como plasticina identitária; a neo-boémia que tudo relativiza para impor o absoluto do mercado e do darwinismo social.
Aqui, uma crítica: o autor parece colocar em homologia a nova direita e a nova esquerda (com uma referência ao Bloco de Esquerda), aproximando-as pelo diapasão de uma uniformização cultural aparentemente assente no menu de opçóes identitárias e estilísticas. Não nego que o efeito de hegemonia cultural e simbólica produza práticas e discursos de consentimento que se desconhecem como tal e que reproduzem ad nauseam a terminologia pseudo-libertária. Mas a nova e a novíssima esquerda que procuram, em terreno adverso, articular as temporalidades dos plurais e múltiplos processos emancipatórios, a conciliação entre a crítica artística e a crítica social (nos termos utilizados por Boltanski e Chiapello), sob o pano de fundo dos ritmos e contratempos da luta de classes, estão mergulhadas nessa dinãmica de aprendizagem que permite vislumbrar, jamais de maneira clarividente, nunca como crença ou epifania messiânica, os trilhos de um futuro que não cessa de começar. Essa esquerda tem de fazer, a todo o momento, a crítica dos paradigmas de  dominantes de formatação do mundo (linguagens) e jamais confundir o objeto de crítica com o objeto de desejo, sob pena de desejar o que critica.

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