18 fevereiro 2014

Vender ilusões

Que a situação no Ensino Superior é grave já ninguém consegue negar. Portugal tem das propinas mais caras de Europa. No 1º ciclo já ultrapassam em muito os mil euros e no 2º ciclo, por não terem um teto máximo, podem chegar a 37 mil euros (pós graduação no ISCTE). Temos milhares de estudantes sem acesso à ação social direta (bolsas de estudo) e indireta (cantinas, residências etc.). E temos uma geração de estudantes que recorre a empréstimos bancários para conseguir continuar a estudar. Saem das universidades com um diploma numa mão e uma dívida à banca na outra. Perante os números do abandono escolar e das cada vez menores expectativas dos jovens sobre o ensino superior, representantes dos Reitores, Associações de Estudantes e do Governo vão criar o programa “Retomar”. A ideia é conseguir que os estudantes que abandonaram o Ensino Superior consigam ter recursos para voltar. A ideia é boa e louvável, só tem um problema: não vai resolver nada!




Fig1: ASE entre 1991 e 2001
Fonte: DGES

Neste gráfico identificamos a origem histórica do problema. Quando se introduziram as propinas havia dois argumentos que as legitimaram. O primeiro era o de que as propinas iriam servir para aumentar a qualidade pedagógica do Ensino Superior. O segundo era o de que a Ação Social Escolar iria resolver eventuais desigualdades que as propinas poderiam criar. E admito que assim tenha ocorrido nos anos imediatamente a seguir. Mas foi uma ilusão: a partir dos anos 2000 a ação social deixou de servir um sistema de ensino em que cada vez mais estudantes queriam estar, as propinas aumentaram e passaram a servir como fonte de financiamento corrente das universidades e hoje o projeto ideológico de ter um Ensino Superior para as elites é claro como água. Como demonstram os estudos de Luísa Cerdeira de 2008, o Estado já só financiava nessa altura 66% do Ensino Superior em Portugal, ao contrário da média de 79% na UE. Mais: num estudo de 2011, a mesma autora demonstrou que o Ensino Superior já absorvia mais de um quinto dos rendimentos das famílias portuguesas com filhos em universidades (63 % do salário).
O projeto foi claro: transferir para as famílias e para os estudantes os custos do ensino. O resultado é também claro: o Estado abriu programas de empréstimos para os estudantes conseguirem continuar a estudar e a tendência não deixa dúvidas com 1524 estudantes a recorrer a estes empréstimos em 2008, 6452 em 2009, 11108 em 2010, 12000 em 2012. E os montantes são também elevados.

Fig2: Empréstimos e valor contratado em 2010
Fonte: SPGM


Fig3. Valor médio contatado e duração do empréstimo em 2010
Fonte: SPGM 

Hoje temos jovens diplomados que saem das universidades já endividados à procura de um trabalho, numa economia em que a alternativa qualificada ao emprego precário e ao desemprego é cada vez mais uma miragem.


É por isso que não se pode vender ilusões. O programa “Retomar” pode fazer voltar ao sistema muitos estudantes que tinham sido excluídos. Mas é vender uma ilusão: enquanto não se mexer nas propinas, na ação social direta e indireta e no financiamento do Estado às instituições de ensino superior não há retoma possível. Nem do Ensino Superior, nem do país.

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