12 março 2014

A artilharia do Diário Económico contra o manifesto pela reestruturação da dívida


A artilharia do Diário Económico lançou-se contra o manifesto pela reestruturação da dívida. Respeitando os seus pergaminhos, escreveu as prosas mais agressivas que se podem ler hoje de manhã. É certo que não foi só este jornal, outros editorais apelaram à contenção, à prudência e à obediência (“o que é que os credores vão pensar de nós, cruzes canhoto!?”). O PS acrescentou logo: não falamos de "reestruturação". E Maria Luís Albuquerque garante: a dívida é sustentável. Mas o DE vai sempre mais longe.

O director-executivo Bruno Proença chama ao texto ontem divulgado “um manifesto irresponsável”, porque “vem no pior momento, uma vez que Portugal está a negociar a saída da troika”. Em prol do argumento, apresenta as suas críticas ao passado de dois dos signatários, João Cravinho e Bagão Félix. Foi a mesma estratégia que seguiu Gomes Ferreira na SIC: se Cravinho tem culpas no cartório, não pode manifestar. Se são do Benfica, calados. Se são do Sporting, calados também.
Mas, no caso do DE, não bastou o director-executivo excomungar o manifesto. O director propriamente dito, António Costa, também veio bombardear o manifesto no seu texto da última página. “A pouco mais de dois meses do fim do programa de ajustamento e de um acto eleitoral, já cá faltava um manifesto”, vocifera. Atento, descobre que o manifesto tem um leque amplo mas “uma ideologia única, de Esquerda”, pecado capital. E vai mais longe: “O manifesto de reestruturação da dívida sublinha, claro, que Portugal deve cumprir, sem hesitações, as boas regras orçamentais, ‘de acordo com as normas constitucionais’, o que, para bom entendedor, quer dizer que o Governo deve fazer tudo, desde que não reforme o Estado, o sistema de pensões e o modelo da Função Pública”.

Ainda bem que o dr. Costa é bom entendedor. Porque ele, matreiro, descobre a intenção secreta, a conspiração dos manifestantes: eles querem cumprir as regras constitucionais e, por isso, não têm boa vontade para reformar o sistema de pensões e o Estado, o que naturalmente exige, se cumpridas as normas da troika, ignorar a Constituição. Há governantes mais troikistas do que a troika e há o dr. Costa, mais governista e troikista do que o governo e a troika. Sempre em frente, a Constituição que se lixe.

Esta reacção, pensarão porventura os signatários do manifesto, é uma pequena homenagem do vício à virtude: demonstra que os que nos dizem que é preciso prosseguir, que tudo está a correr bem, ignoram o sacrifício, a irresponsabilidade, a desertificação do país. Têm uma solução: mais vinte anos. Ajustem os relógios, já não é 17 de Maio de 2014, fica para Maio de 2034 e tudo vai correr bem, se tivermos um superávite primário de 3% durante duas décadas e utilizarmos os recursos não para investimento, nem para criar emprego, nem para pagar pensões, mas para pagar juros.

O manifesto diz-lhe simplesmente que é preciso mudar de agulha. Que não se pode perder mais tempo. Que é desonroso cortar as pensões e deixar aumentar a dívida. Que se deve fazer o essencial: salvar a economia e virar o país para uma política de emprego. A realidade, afinal, é simples: a dívida é o primeiro problema das nossas vidas e gera a espiral da austeridade. Para resolver os problemas é melhor ir ao essencial. Já é muito tarde, mas não podemos esperar mais.

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