Foi ontem publicado um artigo no i para lá do inqualificável. O artigo contém uma série de erros de
análise e uma visão distorcida do mundo, principalmente na divisão
que básica que faz, entre homens e mulheres, condenando o feminismo
e achando que o machismo é a coisa mais normal do mundo – e
discriminado, coitado. Um gajo já não pode ser machista à vontade
que vem logo gente mandar vir. Vejamos:
“Não
é pacífica a relação entre homens e mulheres, pelo menos desde
Adão e Eva. A crer no relato bíblico, foi a mulher que obrigou o
homem a comer o fruto proibido e, desde então, elas nunca mais
deixaram de mandar. Aliás, é por isso que nos fazem crer que
vivemos numa sociedade machista…” Na verdade, tudo começou com
um macaco. A história do Éden e da maçã é, de facto, o reflexo
de uma sociedade machista: a mulher passa a ser vista como a tentação
do ser humano (vá, o homem). Neste episódio, Deus é ainda uma
besta, convém não isentá-lo da história: expulsa ambos do paraíso
(meu Marx, é assim tão grave que uma pessoa queira experimentar uma
maçã?!), deixa-os a divagar pelo mundo, sem comida, e ainda tem a
distinta lata de provocar dores de parto a TODAS as mulheres do
mundo, culpadas por serem o símbolo da tentação. Convém ainda
dizer que, uns milénios mais tarde, Deus se lixou bem, já que foi
inventada a anestesia epidural (embrulha, puto). Mais vale
acreditarmos mesmo na história do macaco, só para não parecer que
estamos a gozar com os poderes divinos.
“Se
não, vejamos. Um homem que considera as mulheres menos aptas para o
exercício de um cargo ou profissão é, obviamente, machista. Mas,
se uma senhora tecer a mesma opinião em relação aos cavalheiros,
ninguém a acusará de feminista que, por sinal, não é o contrário
de machista, nem a sua versão feminina, que não há. Com efeito,
ser machista é sempre um insulto, algo política e socialmente
incorrecto, porque pressupõe uma atitude prepotente e
desrespeitadora dos legítimos direitos do outro sexo. Mas ser
feminista é uma virtude, porque se entende que é nobre defender os
direitos das minorias ou dos mais necessitados, embora as mulheres
não sejam propriamente nenhuma minoria, nem muito menos seres
descapacitados.” Vários
erros: de facto, existe uma “versão feminina” de machista, que
é “femista”. De facto também, “ser machista é sempre um
insulto, algo política e socialmente incorrecto”. E ainda bem. Mal
seria se quem oprime metade da humanidade por características
físicas fosse louvado. Continuemos: “ser feminista é uma
virtude”, claro, já que “se entende que é nobre defender os
direitos”. Constate-se ainda que não é bem pela nobreza que o
feminismo existe, é mesmo por uma questão de necessidade. Mas
depois o autor do texto alcança a luz: “embora as mulheres não
sejam propriamente nenhuma minoria, nem muito menos seres
descapacitados”. Exactamente, daí que seja tão grave que, sendo
maioria, sejamos tratadas como minoria e discriminadas.
“Se
uma mulher, que injustamente discrimina os homens, não é machista,
uma vez que esta designação é exclusivamente masculina, o que é?!
A verdade é que nem sequer há um termo para designar com
propriedade este eventual machismo feminino!” Há. Está no
parágrafo anterior.
“E,
se um sujeito defender os direitos políticos e sociais das senhoras,
é feminista?!” Sim.
“Não
parece, porque, como já se disse, esta honrosa designação é
exclusiva das mulheres.” Em que dicionário é que isso está?
Estas/es lexicógrafas/os andam a dormir...
“Logo,
nenhuma mulher pode ser tão má quanto são maus os machistas, nem
nenhum homem pode ser tão bom como as feministas.” Pode. Mas há
aqui uma série de erros no género dos artigos. Como não sou
linguista, não vou deter-me nisto.
“Em
tese, também poderia haver um machismo bom e um feminismo mau.”
Nem em tese nem na prática. O machismo parte sempre da ideia de
subjugação, o feminismo da igualdade. É uma luta dura.
“De
facto, seria louvável aquele acto de afirmação do sexo masculino
que não infamasse o seu contrário, como deveria ser censurável
aquele feminismo que fosse depreciativo do sexo masculino. Deveria
ser assim, mas não é. Porquê? Não quero ser machista, mas…”
Às vezes, as circunstâncias da vida não nos dão tudo o que
queremos. Eu, por exemplo, não queria estar doente e eis que tenho
antibióticos para tomar. Também não queria ler parvoíces na
Internet e eis que me deparo com o texto do Gonçalo Portocarrero de
Almada.
“Muitos
privilégios da condição feminina não são extensivos aos homens:
a consorte do rei é rainha, como as plebeias Letícia de Espanha,
Sílvia da Suécia e Sónia da Noruega. Mas o marido da rainha só é
príncipe, como Filipe de Edimburgo, Bernardo da Holanda ou Frederico
da Dinamarca, mesmo quando já eram príncipes pelo seu nascimento,
como é o caso dos dois primeiros. A mulher de um presidente da
República é a primeira dama, mas o marido de uma chefe de Estado
não é coisa nenhuma. Será justa esta discriminação?! Será
machismo exigir que o marido da rainha seja rei e o cônjuge da
presidente seja ‘o primeiro cavalheiro’?!” Tem razão: mais
vale abolirmos mesmo a monarquia e o casamento e acabar com isto
tudo. Excepto o casamento gay. Com esse não existe este tipo de
problemas.
“Tempos
atrás, combateu-se a desproporção entre homens e mulheres em
certas profissões, criando-se quotas para o acesso feminino a esses
postos de trabalho. Hoje verifica-se análoga disparidade, mas em
sentido contrário: já há mais médicas e juízas, por exemplo.
Contudo, ninguém defende, que eu saiba, lugares cativos para
machos...” Não
é que “os machos” tenham de lutar contra preconceitos de género,
não é? Mas convém ainda ver o número de “machos” e de
“fêmeas” (meu Marx, Gonçalo, temos de ter assim boçais e
animais?) nos lugares de poder e espreitar ainda as tabelas salariais
de cada um. (E violência doméstica? Não haverá números por aí
sobre isso?)
“Talvez
seja hora de abandonar os preconceitos feministas, mas sem
ressuscitar serôdios machismos ultramontanos.” Quais preconceitos
feministas?
“Impor
restrições, por razão do sexo, no acesso aos cargos políticos, ou
outros, é perverter a ordem da justiça, porque o único critério
válido para o exercício de funções, públicas ou privadas, deve
ser o mérito dos candidatos, qualquer que seja o seu sexo.” Ou
então é tentar alcançar a justiça, dando a volta a certos
mecanismos sociais que desvalorizam todas as mulheres do mundo (!).
“Não
faz sentido que ninguém seja preferido, ou preterido, por esse
motivo. Na realidade, seria humilhante que alguém ocupasse um
determinado cargo, só por ser mulher, ou homem, porque, mais do que
o sexo, vale aquilo que cada um é.” Ou seja, uma mulher que ocupe
um cargo só o faz porque surgiu esta lei iluminada que lhe dá que
fazer durante uns tempos, porque, na realidade, sendo mulher, não
tem capacidade para tal. Ah, está bem.
“Não
é que eu seja machista mas, pelo sim pelo não, dou graças a Deus
por me ter chamado para a única profissão que elas nunca poderão
exercer! Mas tão excelsa é a condição feminina que, quando chegou
a plenitude do tempo, foi uma mulher que deu à luz o próprio Deus!
(Gal 4, 4).” Peço
desculpa, mas este último parágrafo já não consigo comentar. É
demasiado tontinho.