27 janeiro 2015

Poulantzas e uma leitura da estratégia SYRIZA

Já se escreveu muito sobre o tema. A escolha do partido ANEL - que não é, convençamo-nos disso, a Aurora Dourada - pode significar muitas coisas e, para a esquerda liberal (especialmente essa), nenhuma delas é boa. Eu diria outra coisa: a escolha de Varoufakis para ministro das Finanças é mais indicativa da preocupação que esse sector deve sentir. Quem acompanha o seu trabalho e conhece a crítica dura feita a Piketty - um dos delfins da dita esquerda liberal e o papão da direita iletrada - percebe o que quero dizer.

No Leninology, Richard Seymour oferece uma visão interessante:

It is a convergence of a strategic perspective associated with right-Eurocommunism, tactical calculations deriving from the dynamics of parliamentary majorities and negotiations, and contingent elements of the terrain such as the flux of popular struggle, and the attitude of other leftists.  It is an informed calculation which can precisely be criticised as such. 
Esta leitura associa o nome de Nicos Poulantzas à estratégia prosseguida pela SYRIZA:


The reason they don't simply look to win elections and rely on governmental power to solve all problems is because their own political traditions tell them that the state is a terrain of struggle on which the dominant classes enjoy the overwhelming advantage.  Winning executive power is almost useless if it is quickly isolated, encircled, and the locus of dominant state power shifted to another apparatus like the judiciary.  So, traversing the state means forming alliances with subaltern forces in the state - not just parliamentary parties, but public sector workers, sympathetic civil servants, lawyers unions, reasonable police chiefs who might help constrain, reform or break up authoritarian power networks, and so on.  It means using such power as can be gained to modify social relations in the interests of the popular classes, strengthen the social movements and unions, while reciprocally leaning on those movements to bolster their own position inside the state.   

Muita coisa pode correr muito mal. Esse é um ponto válido, desde que se acrescente o seguinte: já quase tudo correu mal na Grécia. Entender o Estado como terreno de luta, tal como Poulantzas, e não apenas como aparato coercivo, implica a tomada de decisões arriscadas e complexas. Se falamos de um campo estratégico onde o poder não é possuído, mas está inscrito nos seus aparatos, não basta, como muita gente por essa esquerda liberal fora sustenta, desbloquear o caminho - através de um voluntarismo difícil de conciliar com estratégia -, tomar o poder e regenerar o campo político.

O ponto é este: esta decisão foi produto de um cálculo estratégico complexo e deve ser criticada dessa forma. Criticá-la porque o ANEL é "pouco frequentável", expressão que me parece tão cómica como desadequada, mostra que o debate em torno do Estado e de uma estratégia socialista para a tomada do poder também foi domada pela ala progressista do social-liberalismo português. Não é preciso concordar com Poulantzas para tentar observar o processo com alguma prudência e procurar entender as razões que presidem às decisões de actores políticos que podemos perceber menos bem do que achamos, do alto da nossa sapiência liberal.

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