A peça Musgo e Urze esteve em cena de 3 a 14 de Março na Casa dos Amigos
do Minho, em Lisboa, e foi organizada por um conjunto de jovens atores e jovens
atrizes da Escola Superior de Teatro e Cinema, com direção de Mariana Ferreira
e interpretação de Cleonise Tavares, João Pedro Leal, Leonor Wellenkamp
Carretas, Mariana Gomes, Mário Coelho, Nádia Yracema, Rita Silva, Sandra
Pereira e Victor M. Gonçalves.
O espetáculo coloca-nos perante três
ousadias. A primeira foi o facto do grupo não se ter conformado com o conforto
da escolha de um autor amplamente popularizado na cena artística portuguesa.
Pelo contrário, escolheram um autor pouco falado em Portugal, Michel Vinaver,
com um texto começado em 1969, publicado em 1972 e representado pela primeira
vez em 1973: Par-dessus bord. Em
Portugal este texto apenas tinha sido representado pelo Cendrev, em Évora. Mas
a ousadia da escolha não está apenas na dimensão algo desconhecida do autor e
do texto em Portugal. Está também na opção por um texto com a complexidade de
60 personagens, 25 locais de representação e que implicaria 7 horas de espetáculo.
A responsabilidade e a exigência do trabalho de seleção, corte e reestruturação
da coerência do texto que foi apresentado por estes jovens criadores, são dignas
de um primeiro elogio.
A segunda ousadia está relacionada com
o contexto da peça. O conjunto de jovens que se juntaram para aquele processo
coletivo, fizeram-no com imensa coragem e generosidade. Todos eles estudam na
ESTC, muitos deles trabalham em simultâneo para conseguirem pagar os estudos e
viver, e mesmo assim arriscaram tirar o pouco tempo que sobrava da sua vida
para se entregarem a um projeto coletivo sem financiamento. E este é um elogio
dirigido: é que, felizmente, a ignóbil ausência de financiamento ao teatro não
fez destes atores e destas atrizes um grupo de serventes disponíveis para
trabalhar de borla e sem nenhuma relação com o processo de criação para
qualquer grupo ou companhia financiada. O que vimos na Casa dos Amigos do Minho
foi gente que em vez de escravatura, trabalhou autónoma e coletivamente e não
desistiu de arriscar. E como é bom ainda poder escrever isto.
A terceira ousadia foi a escolha do
local. É óbvio que a escolha da Casa dos Amigos do Minho não teve apenas que
ver com a vontade de ligar a peça à comunidade local. Tem sobretudo a ver com a
ausência de financiamento e com os preços das salas. Mas a ousadia é esta:
quantas pessoas não desistiriam se tivessem que fazer uma peça numa associação
local, com um espaço limitado e sujeitos a todo o tipo de imprevistos decorrentes
dos usos e das atividades que as pessoas da associação já davam antes àquele
espaço? Jogar com as limitações do espaço, com a precariedade do material
técnico e com os imprevistos da dinâmica da associação foi arrojado e digno de
registo.