Desde a baixa
Idade Média que as Universidades são um palco de luta pelo exercício e a
autoridade do poder. A gestão dos então Studium
Generale, que vieram dar origem às universidades, desde 1088 que era feita
numa relação muito ténue entre o poder eclesiástico e o poder político das
monarquias. Também na universidade moderna, que emergiu no século XIX sob
apanágio da complementaridade entre ensino e pesquisa científica, as
instituições de ensino foram sempre permeáveis ao exercício do poder político e
económico.
Recordemos por exemplo o caso de Ludwig Bernhard (1875-1935) e de
Robert Michels (1876-1936) contra os quais Max Weber se insurgiu. O primeiro
foi nomeado politicamente por decreto do governo para um cargo académico sem
qualquer consulta aos órgãos científicos e
académicos da universidade e o segundo foi impedido de se candidatar a
professor por ser militante do Partido Social Democrata Alemão e por não
batizar os seus filhos. Casos como estes levavam Max Weber em 1908 a dizer que
“a «liberdade de ciência» existe, na Alemanha, dentro dos limites da
aceitabilidade política e eclesiástica, fora desses limites, não existe de
algum modo”.
É com base na
relação entre a universidade e o exercício do poder que devemos ler o recente
documento que estabelece as “Linhas de Orientação Estratégica para o EnsinoSuperior” , colocado à discussão pública pelo Governo e que procura encontrar
as grandes linhas de orientação para a organização do Ensino Superior até 2020.
O documento é rico
desde logo em omissões. A título de exemplo não há linha sobre política de
propinas, sobre as bolsas de estudo ou sobre os empréstimos bancários que os
estudantes têm contraído para pagar os estudos. Não será certamente abusivo
dizer que perante a omissão, a estratégia é para manter: Portugal ser um dos
países da Europa com as propinas mais caras, as bolsas de estudo e a ação
social indireta serem cada vez mais insuficientes para as necessidades dos
estudantes e o endividamento bancário ainda durante o curso para pagar as propinas e as despesas,
ser uma realidade cada vez mais presente nas instituições de ensino.
Mas o documento
vai mais longe. Pretende apostar na dualização de vias, através da
implementação de “cursos técnicos superiores profissionais” para onde os mais
pobres vão ser encaminhados desde tenra idade. Paralelamente, as instituições
veem a sua fórmula de financiamento alterada. Isto é, para as instituições
terem financiamento têm de provar que a sua oferta de ensino se ajusta “as
necessidades previsíveis”, que contribuem para “responder aos desafios da
sociedade portuguesa” e que se baseia na “transferência de conhecimento” para o
mundo real.
Para lá dos lugares-comuns a estratégia é só uma: implementar um
tipo de financiamento que se baseie (a) na adaptação educativa e curricular das
instituições às necessidades da “empregabilidade”, isto é, dos interesses
imediatos do mercado; (b) a capacidade de atração de financiamento próprio que
estimule a “competitividade”; (c) no esvaziamento das áreas curriculares e
científicas que não aparentem ter um contributo significativo a dar , quer para o
desenvolvimento económico, quer para a resolução das questões que as empresas
procuram que a universidades resolvam; (d) e que faça depender o financiamento
às universidades e politécnicos da sua capacidade de gestão no quadro da
competitividade entre as várias instituições nacionais e estrangeiras.
O documento
identifica ainda mais duas estratégias relevantes: a empregabilidade e a
racionalização da rede de ensino. No primeiro caso, o governo não podia ser
mais claro: “ Em 2012 deu-se um primeiro passo no sentido de adaptar a oferta
educativa às necessidades do mercado de trabalho nacional, tomando em conta as
taxas de empregabilidade por curso e por instituições de ensino superior. No
despacho orientador da fixação de vagas foi também incluída uma recomendação no
sentido de privilegiar cursos nas áreas de Ciências, Engenharia, Tecnologia,
Matemática e Informática”.
O que se pretende é que perante o desastre económico
a que este governo nos tem condenado e que tem significado uma degradação das
condições de trabalho dos diplomados, seja imputado às universidades e aos seus
estudantes a responsabilidade pelo “défice de empregabilidade”. Esta estratégia
é velha e está bem documentada no caso do Reino Unido e dos EUA, mas no nosso
caso é acompanhada por uma segunda estratégia: a racionalização da rede de
ensino.
Honra seja feita a
este governo. Ele diz exatamente ao que vem: “[O programa do Governo e as
Grandes Opções do Plaino] fixaram entre os seus principais objetivos no âmbito
do ensino superior (…) a racionalização da rede pública disponível [sendo que]
compete ao Estado a função de a promover, dotando-o, entre outros instrumentos,
da possibilidade de proceder à fusão, integração, cisão ou extinção de
instituições, ou das suas unidades orgânicas, bem como à alteração do número de
novas admissões, ou do número máximo de estudantes, e à criação, suspensão ou
cessação da ministração de ciclos de estudo” (Despacho-Orientador para a
fixação de Vagas no ano 2013-2014)
A estratégia deste
governo é só uma: criar todas as condições para ter um ensino superior mais
elitizado, adaptado às exigências do mercado e fortemente dividido entre uma
via educativa para pobres e outra para ricos. É esse o sentido de todas
reformas, de todos os documentos estratégicos e de todos os despachos.
A nós cabe-nos
combater essa estratégia. E temos em nossa posse uma palavra que o governo não
usa nem uma vez neste documento: a palavra democracia. É mesmo disso que se
trata: juntar toda a gente que na sociedade portuguesa quer defender a
democracia dos serviços públicos, contra um governo que a quer aniquilar em
todas as vias.
Já vamos
atrasados. Metamos mãos à obra.
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