A 19 de Outubro de 2013 escrevia Miguel
Sousa Tavares no Expresso o célebre
artigo “Recapitulando”,
onde advogava a anedótica tese de que o PCP e o Bloco de Esquerda deviam ter
aprovado um programa de privatizações da TAP, ANA, CTT, Seguros da Caixa Geral
de Depósitos, de parte da Galp e EDP, CP Carga, a EMEF, os Estaleiros Navais de
Viana do Castelo, dos transportes suburbanos e, simultaneamente, aumentar o
IRS, o IVA e cortar ainda mais em salários e pensões. Segundo o afamado
escritor, se a esquerda tivesse aprovado essa loucura – vulgo PEC IV – o país
sairia radiante para uma nova era de prosperidade e crescimento. Mas a história
não foi essa. A esquerda não aprovou o PEC IV porque todas as medidas nele
contido eram de direita e exatamente o oposto de todas as propostas do PCP e do
Bloco para resposta à crise. Miguel Sousa Tavares irritou-se com o facto destes
partidos não aceitarem a chantagem do PS e saiu ao ataque:
“
[que a troika era inevitável se o PEC IV fosse chumbado] sabia o PCP e a CGTP, que, como manda a história, não resistiram à
tentação do quanto pior, melhor. E sabiam-no Francisco Louçã e o Bloco de
Esquerda, que, por razões que um psicanalista talvez explique melhor do que eu,
se juntaram também à mais amoral das coligações direita/extrema-esquerda, com o
fim imediato e mais do que previsível de obrigar o país ao resgate e colocar a direita
e os liberais de aviário no poder”
A tese de Miguel Sousa Tavares era a de
que para o PCP, o Bloco e a CGTP seria preferível o país ficar desolado e na
bancarrota porque seriam eles os naturais catalisadores do protesto. A tese não
tem muito de original e baseia-se na popularizada frase “para a esquerda, quanto
pior melhor”. Mas se essa tese já tem aspeto de fóssil em decomposição, ela
continua a ser fértil em recolher novos teóricos. A mais recente teórica desta ideia,
embora com a sua sempre alimentada criatividade, é a jornalista Maria João
Avillez.
Na sua última crónica
de 2014 no Observador, a ilustre jornalista e escritora deu uma cambalhota
ideológica impensável e revelou aquilo que alguns consideram tiques da perigosa radical de extrema-esquerda. Diz a autora:
“Basta
só pensarmos no que ocorreria na Grécia e fora dela – na Europa mas não só na
Europa – com uma vitória do Syriza. (Mas pensando ainda mais um bocadinho,
talvez não fosse nem desinteressante nem inútil que tal ocorresse: o susto e as
consequências do susto talvez agitassem as consciências de alguns portugueses e
as “certezas” que elas produzem — e logo perfilhadas de resto pelos
oportunistas úteis).”
Para Maria João Avillez, “pensando mais
um bocadinho”, talvez fosse útil o Syriza vencer as eleições porque se
espalharia a miséria na Grécia e isso demonstraria, nas palavras da autora, que
“a breve época de Syriza afogaria expeditamente todas as certezas ouvidas em
Portugal nos últimos três anos e, de caminho, claro está, a própria Grécia.”. A
vantagem de ver a Grécia ainda mais afundada pela putativa irresponsabilidade
de um governo do Syriza teria a vantagem de mostrar em Portugal, na Grécia e
mais além, que não há nenhuma solução alternativa à austeridade que tem sido
imposta em Portugal.
A tese de Maria João Avillez assenta
bem na velha tese do “quanto pior, melhor”: quanto mais for martirizado o povo
grego por um governo do Syriza, melhor para a direita, que voltará para impor a
ordem e o progresso. Mas os pressupostos da tese de Avillez sobre a “bondade da
austeridade” são matematicamente errados, politicamente ignóbeis e
intelectualmente desonestos. A Grécia e Portugal foram submetidos a políticas
de esvaziamento da democracia, da soberania e de destruição dos seus serviços públicos e da sua economia. Por isso viram um aumento exponencial
da pobreza, da pobreza infantil, da miséria, do desemprego, da dívida, das desigualdades e de todos os indicadores que espelham a qualidade de vida dos
povos. O Syriza propõe exatamente fazer o oposto.
Em 2015 a escolha vai, por isso, ser determinante:
ou continua a política do “quanto pior melhor” defendida pelos atuais governos
da Grécia e Portugal e corroborada pelos seus intelectuais de cartilha; ou há
na Europa a capacidade de erguer governos que, não desistindo de mudar a
relação de forças à escala europeia, não abdiquem nem por um milímetro de defender
os povos europeus contra um diretório europeu que lhes quer retirar todas as
dimensões da sua soberania democrática.
Já não vale a pena repetirem que isto
está a correr bem. Quem olhar à nossa volta e disser que está tudo a correr
pelo melhor e que não se pode mudar nada, das duas uma: ou é mentiroso ou é
desonesto.
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