João
Carlos Espada decidiu levar as 685 páginas de Thomas Piketty – Capital
in the Twenty-First Centery -, para o seu catálogo de “leituras em
férias”. Como seria de esperar, não resistiu a escrever hoje no Público algosobre o livro. Quer dizer, sobre o livro em si pouco disse, escreveu apenas que
[no livro] “basicamente, é-nos dito que as desigualdades estão a aumentar no
Ocidente e que estas devem ser corrigidas”. Esta conclusão leva Carlos Espada a
prosar sobre o que considera o dogma fundamental de Piketty e, acrescentaria
eu, da generalidade da literatura crítica das desigualdades: “o dogma de que a
desigualdade é má”. Ora para Carlos Espada a desigualdade não é má.
Pelo
contrário, ela emana de um outro valor filosófico, social e político mais
amplo: a liberdade. Diz o cronista que da “liberdade perante a lei – um
princípio crucial do Estado de direito – resulta a desigualdade de resultados”.
Assim, para ele a desigualdade é algo bom porque é o resultado da liberdade
perante a lei e o Estado. Esta argumentação leva-o a questionar no título do
artigo: [deve-se] “combater a desigualdade ou combater a pobreza?”.
Para
ele a resposta é clara: sendo a desigualdade desejável, devemos apenas combater
a pobreza através de mecanismos caritativos. Mas a pergunta que se impõe é
outra: será possível combater a pobreza, sem combater as desigualdades? Carlos
Espada sabe que não. Apesar da eloquente citação de David Hume, ele sabe tão
bem como nós que a pobreza nasce e estrutura-se na desigualdade. Dito de forma
simples, só existem pobres e dominados, porque existem ricos dominantes. A
pobreza de uma parte considerável da população é condição do enriquecimento
acelerado de uma parte mais pequena da sociedade que domina os poderes
financeiros e económicos e por isso coloniza o poder político.
Para
Carlos Espada a desigualdade é útil porque ela depende da liberdade. Mas poderíamos
legitimamente perguntar: que liberdade tem quem não tem recursos para viver?
Que liberdade tem quem não tem outra opção que não seja ou trabalhar com
salários de miséria ou estar desempregado? Que liberdade tem uma sociedade em
que o destino dos seus cidadãos, mesmo que teoricamente em igualdade perante a
lei, está fortemente condicionado pela sua origem económica e social? Terá a
mesma liberdade perante a lei e perante a vida um filho de uma família pobre
nos subúrbios de uma grande cidade ou um filho de uma família poderosa em
Portugal?
Carlos
Espada sabe que não. E sabe também que no final do século XVIII a efetivação do
princípio filosófico da liberdade foi complementada com o princípio político da
igualdade. Porque por muita conversa de circunstância, não é preciso ser um
professor universitário para se perceber que a igualdade e a liberdade são
conceitos indissociáveis. Um depende do outro. O contrário disso já se sabe o
que é. Basta olhar à nossa volta e ver a barbárie do nosso tempo.
o oportunismo social-democrata de Thomas Piketty -- que admite nunca ter lido a obra maestra de Marx -- é, de facto, dispensável, mas alguém que recomende a João Carlos Espada uma (re?)leitura de Isaiah Berlin para assimilar que o conceito de liberdade(s) não se limita apenas à sua componente negativa; tem também uma componente positiva que os liberais intelectualmente honestos não podem desconsiderar.
ResponderEliminarEstou de acordo João Mineiro, mas queria ainda acrescentar a Fraternidade que é a temperança das duas outras.
ResponderEliminarUm abraço!