Gonçalo Pessa, jovem
economista e antigo escriba deste blog, agarrou-se à mais recente obra de
Thomas Piketty, O Capital no Século XXI, e desenvolveu uma análise crítica e
rigorosa sobre algumas das potencialidades e os limites da obra. Ao contrário
da maioria dos países ocidentais, em Portugal a obra tem alimentado pouco
debate. Apesar disso destacam-se entre outras, as análises polémicas de João Constâncio, Vítor Gaspar, João Carlos Espada, Francisco Louçã, Nuno Teles e do bom trabalho de Sérgio Anibal no Público. No texto que aqui
reproduzo, Gonçalo Pessa vai ao debate sobre as respostas a três questões
fundamentais: como é este livro nos ajuda a pensar as desigualdades que assolam
o mundo; como é que a história política e económica do capitalismo moderno está profundamente enraizada no problema da desigualdade de produção e distribuição
de recursos; e, por fim, como é que do ponto de vista estratégico se responde
politicamente a uma economia absorvida por uma elite que se alimenta das
desigualdades a nível global.
O que há de novo em
Thomas Piketty? Por Gonçalo Pessa
"Molesta-os perceber a
centralidade da obra na análise das desigualdades, abespinham-se contra um
perigoso bolchevique que se atreve a denunciar a estrutura social que os
sustenta e a desmitificar a tese da meritocracia que a justifica. Importa, por
isso, perceber o que há de novo em Thomas Piketty e o que de facto incomoda
tanta gente.
O
registo e estudo das desigualdades foi feito, até aqui, fundamentalmente com
base em inquéritos domiciliário que procuram aferir rendimentos e riquezas dos
agregados familiares. É com base nestes inquéritos que organizações
internacionais como o Banco Mundial criam as suas bases de dados, apesar dos
resultados serem claramente enviesados e condescendentes com a acumulação de
grandes fortunas. Não admira que o mesmo aparato social que justifica as
desigualdades extremas utilize dados segundo os quais ninguém é realmente rico
para mapear as hierarquias sociais de rendimento e riqueza. A metodologia
avançada por Thomas Piketty, Emanuel Saez, Athony Atkinson e uma vasta equipa
de investigadores, não é nova, mas a capacidade que têm tido nos último 15 anos
de agregar registos de impostos e criar o World Top Income Database, principal
base de dados do livro, e a maior sobre desequilíbrios sociais, permitiu traçar
a evolução da distribuição de riqueza e rendimento ao longo dos último dois
séculos, pela qual Piketty nos guia na obra.
Auxiliado
ainda pelos clássicos de Honoré Balzac e Jane Austen, é nos descrita uma
sociedade oitocentista profundamente desigual. A estrutura das hierarquias de
rendimento e riqueza era tal que não havia homem ou mulher rica que vivesse do
rendimento da força do seu trabalho. Como escreve Piketty, o que era
verdadeiramente importante era o tamanho da fortuna de uma pessoa, fosse ela alcançada
por herança ou casamento. O rendimento do trabalho e estudo não traziam nunca o
mesmo nível de conforto de uma riqueza herdade e do seu rendimento. Esta era
uma sociedade onde o património transmitido por herança representava 90% do
capital existente, e que se concentrava nas mãos dos 10% mais ricos. Os
restantes 90% nada possuíam.
Apenas
os grandes choques do século XX, a bancarrota da grande depressão, a destruição
das duas grandes guerras, e as subsequentes políticas publicas e sociais de recuperação
do desastre, o controlo das rendas, as nacionalizações, a inflação que mirrou
as dívidas públicas europeias e os rentistas que delas viviam tiveram a
capacidade de limpar o passado. Fizeram nascer aquilo a que Piketty chama de
classe média patrimonial, que reclamava agora um terço da riqueza nacional, e
comprimiram significativamente as desigualdades, criando-se a ilusão de uma
estrutural transformação do capitalismo.
No
entanto, o contra-ataque do capital privado não se fez esperar. A revolução Thatcher-Reagan
dos anos 80 deu à luz a conhecida vaga de liberalização dos mercados de bens e
serviços e de desregulamentação dos mercados financeiros e de fluxos de
capitais, de privatização da economia, transferindo capitais públicos para mãos
privadas. A somar a esta trajetória neoliberal, a tendência de descida do
crescimento económico, fazendo com que a economia cresça mais lentamente do que
o capital se reproduz, criou as condições para a reascensão do capital privado,
que nos anos 70 nos países ricos se situava nos dois a três anos de rendimento
nacional anual, e hoje se situa nos entre os 4 e os 7 anos de rendimento anual,
evolução demonstrativa da recuperação de importância do capital privado. Este
fenómeno, em que o capital privado atingiu os valores verificados há um século
atrás, é por Piketty entendida como o estabelecimento de um novo capitalismo
patrimonial.
Este
reascensão do capital privado foi acompanhada por um aumento brutal das
desigualdades. Em todos os países ricos as desigualdades aumentaram, e o
percentil da população mais rico viu o seu poder de compra explodir, enquanto
que o poder de compra médio estagnou. Entre 1980 e os dias de hoje, os 1% mais
ricos dos países da Europa continental apropriaram-se adicionalmente de entre
2% a 4% do rendimento anual. Por exemplo, em Itália nos anos 80 os 1% mais
ricos reclamavam 6% do rendimento nacional anual, em 2010 esta fatia ascendia
aos 10%. Nos países Anglo-Saxónicos ricos esta explosão do salários altos foi
entre quatro a cinco vezes superior. Nos Estados Unidos os 1% mais ricos em
1980 detinham 8% do rendimento nacional anual, um valor já na altura
exorbitante, hoje essa fatia corresponde a 18%, o que significa que de entre os
300 milhões de americanos, 3 milhões têm um rendimento anual 18 vezes superior
ao rendimento médio, o que dá 870 mil dólares de rendimento. A conclusão é
clara, a evolução das desigualdades é política e é consequência da relação de
forças, da luta de classes, e, como diria o terceiro homem mais rico do mundo
segundo a Forbes, Warren Buffet, a classe dos ricos está a ganhar.
Piketty
atribui um papel central à relação da taxa de retorno do capital com a taxa de
crescimento económico como mecanismo de efectivação das políticas da
desigualdade. Só países num processo que o autor designa de aproximação e
alcanse do países mais desenvolvidos, processo pelo qual passoaram os países
europeus no pós-Segunda Grande Guerra, e pelo qual passam agora os países
emergentes, conseguem ter taxas de crescimento económico (g) superiores à taxa
de retorno do capital (r). A este quase permanente desequilíbrio, g<r,
Piketty define-o de Contradição Central do Capitalismo. Esta é uma poderosa
força de divergência de rendimentos, porque aqueles cuja principal fonte de
rendimento é afeto ao crescimento da economia, particularmente a força de
trabalho, veêm o seu rendimento crescer a uma velocidade inferior aos
rentistas, garantindo que a riqueza acumulada no passado cresce mais
rapidamente que o produto de uma economia e os seus salários.
Piketty
diz-nos entender como essencial uma atualização apropriada do programa
social-democrata e fiscal-liberal do século passado, assente em duas
instituições fundamentais, o estado social e a taxação progressiva do
rendimento. Protegida pela ressalva da inaplicabilidade prática e rápida, a sua
proposta central é a da criação de um imposto mundial e progressivo sobre o
capital, uma útil utopia que deve servir como ponto de refencia a partir da
qual propostas alternativas podem ser avaliadas.
Piketty
esceveu um livro fortemente documentado que permite reposicionar o debate
político e económico sobre as desigualdades e fez-nos perceber como a nossa
realidade não é muito distinta da das obras de Balzac e Austen. É um livro
incontornável.
Nota
do autor:
Escrevi
este texto como introdução ao debate sobre o livro no Fórum Socialismo. Por ser
um texto introdutório, a apresentação que fiz estava mais completa e tinha uma
dimensão crítica sobre a obra que este texto não tem.
Vale
a pena, por isso, completá-lo com algumas ideias que julgo ser importantes na
análise da obra.
Piketty
define o capital como o valor de mercado do stock de ativos que podem ser
transacionados num mercados. Nesta definição não há distinção entre capital
físico que está a ser usado ou não. Um terreno ou uma fábrica abandonada, que
não fazem parte de nenhum processo produtivo, que não têm nenhuma função
social, são contabilizados por Piketty como capital. Esta é uma definição de
capital da economia clássica, é uma definição estática, que vê no capital um
mero fator de produção.
Piketty
está enganado, e esta talvez seja a sua maior falha. Ele não percebe que o
capital não é só capital físico, é uma relação social que submete quem só a
força de trabalho tem à classe capitalista. O capital é um movimento, um valor
que se valoriza infinitamente na passagem de moeda a mercadoria e de mercadoria
a moeda. Não o conjunto de ativos duma economia avaliados segundo a lei do
casino dos mercados, não um conjunto de valor que só existe no mercado, que não
tem nenhuma função produtiva, que não tem nenhuma função social.
O
autor diz-se ainda vacinado contra a convencional mas preguiçosa retórica
anticapitalista, e que o seu objetivo não é o de denunciar as suas
desigualdades e o capitalismo per ser, mas sim contribuir para o debate sobre a
melhor forma de organizar a sociedade. Acha essencial a atualização apropriada
do programa social-democrata e fiscal-liberal do século passado, assente em
duas instituições fundamentais, o estado social e a taxação progressiva do
rendimento.
O
que Pikketty não entende é que de pouco vale um imposto global sobre o capital
para redistribuir a riqueza, a sua proposta central, se não se põe em causa o
sistema que produz essa riqueza. É, aliás, de grande ingenuidade achar possível
a implementação de um imposto desta natureza no atual quadro das coisas. Não é
possível, e é por isso que é preciso fazer crescer a luta social, é por isso
que é preciso derrubar o sistema atual.
Mas
sobre luta social Piketty nada diz. Nenhuma referência, nenhuma ideia sobre a
implementação das suas propostas, nenhuma ideia sobre como viramos a relação de
forças, traz-nos apenas um discurso básico sobre como as suas propostas servem
apenas para acicatar o debate público, para a reflexão. Nenhuma palavra sobre
movimentos sociais, nem sequer sobre o Occupy Wall Street, que nos pôs a todos
a falar dos 1% mais ricos, classe que Piketty estudou de forma notável. O seu
objetivo máximo é uma violenta abstenção, só quer mesmo mesmo é espicaçar o
debate e nada mais.
É
com este reformismo de Piketty que a esquerda revolucionária não pode estar de
acordo. Não é preciso reformar o capitalismo, não é preciso reformar o programa
da social democracia, não é preciso nem é bom regular este sistema mantendo o
seu modelo de produção capitalista.
O
que é preciso é romper com o capital, romper com o capitalismo, que esse sim é
a base das desigualdades."
Romper com o capitalismo, aí está outra utopia tal como a de impor um imposto global sobre o capital. O capitalismo está mais pujante do que nunca. Distribuir melhor a riqueza por via de imposto sobre a mesma, acho mais prático. Sobre a análise que fez ao livro é interessante. No entanto não sei porque são necessárias centenas de páginas para nos dizer estas poucas verdades resumidas aqui. Claro que há todo um estudo prévio que deve estar ali exposto, mas será necessário que o leitor o leia? O seu volume será o seu maior adversário. Obrigado aos que o leram o resumem como o João o fez.
ResponderEliminarA TRÍADE SALOIA Casino Estoril Sol III
ResponderEliminarNo caso da farsa do despedimento coletivo do Casino Estoril,passam já quatro anos sem fim à vista por atraso da justiça a maior parte das pessoas estão na miséria e vão inevitavelmente por falta de ordem económica entrar em pobreza profunda este é o maior espectáculo de drama deste Casino Estoril.
Os denominados poderosos que não é mais que o esterco de uma sociedade, são abençoados por uma vida, boa que o único divertimento é dar concertos para os traficantes de influências afim de desgraçar vidas humanas, pois nunca lhes dão valor.
http://revelaraverdadesemcensura.blogspot.pt/
Piketty escreve que ou a democracia se reforma ou perde o controlo do capitalismo (via minoria rica). Mas o seu livro não é um tratado político - é um livro sobre economia. As implicações políticas, no entanto, são claras e dramáticas.
ResponderEliminar