17 janeiro 2014

A Irlanda é a prova de que a austeridade resulta? (parte 2)

No post anterior foi contextualizada a situação em que a Irlanda recorreu ao programa de “ajuda” externa. Agora será analisado este programa, para a seguir responder à questão de fundo, ou seja, se a austeridade está a resultar na Irlanda.

O plano de “resgate”

Um estudo feito pela Attac irlandesa em conjunto com a Attac austríaca demonstra de forma clara que, enquanto o empréstimo total dado pelos credores institucionais na sequência do programa de “ajuda” externa foi de 67.500 milhões de euros, o valor gasto com os bancos foi de 89.500 milhões de euros. Todos os credores, mesmo os que não estavam cobertos por garantias do estado (caso dos hedge funds) foram reembolsados, ao passo que o fundo nacional de pensões, que visa garantir o futuro das reformas das irlandesas e dos irlandeses, foi “saqueado”.

Saúde para dar e vender


Ficamos a saber esta semana que a Espírito Santo Saúde vai dar entrada na bolsa. O grupo liderado por Isabel Vaz – conhecida pelo seu momentâneo lapso de honestidade ao declarar que mais lucrativo que a saúde só mesmo o sector das armas – ocupa actualmente a segunda posição no mercado privado da saúde em Portugal (excepto seguros). Este movimento não é um pormenor financeiro, pela primeira vez um hospital público, o Hospital de Loures, entra na esfera do mercado de capitais em Portugal. Mesmo desconhecendo os potenciais interessados, este processo revela a consolidação do sector privado de saúde, que segue imune à crise deste último quinquénio, com uma faturação total a ultrapassar os mil e duzentos milhões de euros em 2012.

729 bolsas de doutoramento, 233 pós docs? Isso é tão 1999!

Foram esta semana finalmente publicados os resultados do concurso a bolsas individuais de doutoramento e pós-doutoramento. Este concurso foi pautado por atrasos da Fundação para a Ciência e Tecnologia (FCT), e pelo resultado já previamente anunciado de um corte brutal no número de bolsas atribuídas. O atraso na abertura do concurso de bolsas e da divulgação do resultado do mesmo deixou os candidatos a bolseiros, as universidades e centro de investigação numa situação caótica ao longo de todo o primeiro semestre.

Os resultados são dramáticos. O total de bolsas individuais de doutoramento atribuídas foram 298 e de pós-doutoramento 233. Isso significa uma proporção de aprovação das bolsas na ordem dos 10% para os doutoramentos e de pouco menos de 9% para os pós doutoramentos. Esta proporção não tem uma distribuição equitativa, nas Ciências Sociais e Humanas, por exemplo, a percentagem de aprovação rondou os 5%.

Até o Fórum Económico Mundial?

O Fórum Económico Mundial nunca foi muito bem frequentado. Por lá vai estando sentada uma parte considerável da elite económica que governa o mundo. A sociedade civil, as associações e os movimentos normalmente ficam à porta, bloqueados por um cordão policial. Mas vale a pensa ler o que eles escreverem, vale a pena saber o que eles pensam, vale a pena estudar o que eles concluem sobre o que está a acontecer ao mundo. Recentemente lançaram o seu relatório anual Global Risks 2014 e os resultados, ainda que não sejam uma novidade, são profundamente ilustrativos de como a dureza da crise, das desigualdades e da destruição das economias é de tal ordem que é o próprio Fórum Económico Mundial que o coloca como centro de reflexão.

Fig 1: Ten Global Risks of Highest Concern in 2014, pp.9

16 janeiro 2014

Documentário: GOLDMAN SACHS - O BANCO QUE DIRIGE O MUNDO


A Goldman Sachs tornou-se um supra-poder mundial. Um banco “demasiado grande para cair”, que criou e vendeu activos tóxicos para enganar propositadamente os seus clientes e construir um império premiando dirigentes políticos que atuam ao seu favor. Um banco que manda em estados e governos, entre os quais o do nosso país.

José Luís Arnaut, antigo braço direito de Durão Barroso e cujo escritório foi um dos intervenientes no processo de privatização da REN, ANA e CTTs, foi a última aquisição política portuguesa da Goldman Sachs. António Borges, nomeado por Pedro Passos Coelho para negociar com a Troika as privatizações, ocupara há vários anos uma posição importante no banco. O documentário que segue desvenda os mecanismos da Goldman Sachs para dirigir o mundo.


Sindicalismo blindado?

Sempre que oiço algum comentador, patrão ou político de direita criticar a falta de democracia nos sindicatos fico imediatamente ruborizado porque sei que, em muitos casos, essa crítica é totalmente válida. Sei bem que é usada como arma de arremesso para desvalorizar e ridicularizar o movimento sindical, mas o que é facto é que a muitos sindicatos tem faltado democracia interna e isso prejudica a sua capacidade de ação e a sua implantação.

Proponho-vos um exercício de análise dos estatutos de um sindicato para verificarmos se de facto é necessário um movimento exigente que traga práticas mais democráticas para dentro dos sindicatos. Com uma simples pesquisa no Boletim do Trabalho e Emprego do Ministério do Trabalho encontramos dezenas de Estatutos de sindicatos onde estão patentes os modos de organização interna.

Nos estatutos do SITE-Norte, por exemplo, encontramos vários pontos positivos, como a possibilidade de filiação por trabalhadores precários e uma definição clara de democracia sindical e de sindicalismo de massas assentes na audição dos trabalhadores e na sua participação ativa nas reivindicações e objetivos programáticos. O sindicato reconhece ainda o direito de tendência, reconhecendo na sua natureza unitária, a presença de várias correntes de opinião.

No entanto, depois há alguns pontos menos positivos.

Os bons negócios de sempre, ou a mudança estrutural na economia portuguesa





Passou despercebida a publicação das listagens das maiores empresas portuguesas e o que elas revelam sobre a estrutura da economia. Não devia. Porque mostra o que há de fantasia no discurso das “mudanças estruturais”.
Tomemos o exemplo de uma das revistas que produz essa série com maior continuidade, a Exame. Em finais de 2013, publicou os dados sobre as 500 maiores empresas atuando em Portugal, referentes ao ano anterior (o que pode ser consultado aqui, se se registar).
Os dados são esclarecedores:
1) 78 das 500 maiores empresas estão em quatro grandes sectores: são 27 na distribuição de combustíveis, 28 na água, eletricidade e gás, 18 na distribuição alimentar e 5 nas telecomunicações.
2) O maior volume de negócios é o da distribuição de combustíveis (19,7 mil milhões), seguido dos sectores energéticos (17,8), da distribuição alimentar (11,9) e das telecomunicações (5,9).

15 janeiro 2014

A Irlanda é a prova de que a austeridade resulta? (parte 1)

Nas últimas semanas, a Irlanda tem-nos sido apresentada como a prova empírica de que a receita austeritária da troika resulta. Ainda há dois dias, Olli Rehn - vice-presidente da Comissão Europeia e o comissário europeu responsável pelos assuntos económicos e monetários – dizia no Parlamento Europeu que esta funciona “razoavelmente bem”: os “programas de ajustamento” permitem resolver a crise - gerada pela “acumulação de desequilíbrios macroeconómicos”. Exposta a cartilha dominante, por parte de quem tem largas responsabilidades no que se tem passado nestes últimos anos, vamos ao que interessa: o “programa de ajustamento” irlandês foi bem-sucedido?
Antes de mais, convém lembrar que o que está em causa: a troika saiu oficialmente da Irlanda. Na prática, porém, continua a ser “vigiada” pelos “credores oficiais, nomeadamente por parte do FMI”. Indo ao ponto fulcral: a austeridade perdura, e perdurará por bastante tempo. Diz-nos o Expresso que “A consolidação orçamental em 2014 e 2015 vai envolver um ajustamento de 3% do PIB irlandês, ou seja mais 5,1 mil milhões de euros depois de uma consolidação de 13,2 mil milhões (8% do PIB) entre 2011 e 2013. Já para o próximo ano [2014], o ajustamento na Irlanda terá de envolver 2,7 mil milhões (…). O objetivo é registar em 2015 um défice público inferior a 3% do PIB.” O objetivo é garantir a sustentabilidade da dívida pública, ou seja, que o país será capaz de pagar a totalidade da dívida, evitando que os credores possam ser atingidos. Estranho caso de sucesso, este, em que está tudo bem, mas em que a austeridade continua, e continuará, a ser o prato do dia. Há, pois, que definir prioridades, e a Irlanda tem-no feito, nunca pondo em causa os credores: em 2014, a Irlanda terá que pagar 8,4 mil milhões apenas em juros (em 2013 foram 8,1 mil milhões), um valor muito semelhante ao orçamento total da educação (8,7 mil milhões).

Mexe-se onde não se deve e não se mexe onde se devia mexer

A educação e em particular a escola pública enquanto configuração institucional hegemónica nas sociedades ocidentais contemporâneas são alvo de uma enorme e permanente atenção mediática e de um ininterrupto debate público em todas as esferas da sociedade. Mas demasiadas vezes, a agenda ideológica de cada momento político esconde do debate público uma leitura mais longa, ampla e contextualizada das questões da educação. Talvez por isso, as mudanças políticas que agora se propõe no Orçamento de Estado e sobretudo no Guião da Reforma do Estado (e outras que se foram desenhando nos últimos anos) sejam omissas sobre as grandes questões de fundo sobre a evolução do sistema educativo português.

Deixar o debate pela rama produz dois efeitos politicamente úteis para quem executa a agenda política: por um lado, oculta a evolução que a sociedade portuguesa conseguiu conquistar nos domínios da qualificação nos últimos anos; e, por outro lado, reproduz, acentua e naturaliza os piores indicadores que persistem na relação entre escola e as desigualdades. Vejamos curtos exemplos dos dois efeitos.

14 janeiro 2014

Jovem Emigração Qualificada para França: Um regresso improvável

Terminei em finais de 2013 um estudo exploratório sobre a jovem emigração portuguesa para França tendo obtido uma amostra de 113 inquiridos entre os 20 e os 35 anos, com pelo menos a licenciatura e que abandonaram Portugal a partir de 2008. Ao contrário de vagas anteriores, estes jovens não acalentam “a fantasia do regresso”, seguindo a expressão do realizador Rubem Alves.

Na verdade, os projetos e as decisões comportam sempre uma dose de reflexividade face às condições objetivas de existência e uma dose de cálculo quanto aos futuros possíveis. Ora, para estes jovens o regresso não é uma hipótese a curto prazo. Compreendem-se bem as razões: por um lado, a decisão de emigrar é recente e encontram-se em pleno processo de inserção no país de destino, com forte investimento na preparação de uma vida nova; por outro lado, tal processo parece corresponder aos seus objetivos, na medida em que a França se afigura um país que reconhece as suas qualificações e que, mais ainda, acresce qualificação à qualificação (carreiras estáveis, protegidas, bem remuneradas, com francas possibilidades de progressão). Finalmente, a dura situação portuguesa, sem vislumbre de melhoria próxima, obriga ao refrear das expetativas.

Vinte anos para sair da recessão: o que dizem os economistas ortodoxos



Kenneth Rogoff, que foi economista chefe do FMI, e a sua coautora Carmen Reinhart tornaram-se dos economistas mais polémicos dos nossos dias. Por boas razões (um livro que inventaria as crises financeiras dos últimos duzentos anos) e más razões (pelo seu erro de palmatória no cálculo do efeito da dívida no arrastamento dessas crises, a que responderam corrigindo parcialmente os seus métodos).

Agora, voltaram à carga e apresentaram, na conferência de janeiro da Associação Americana de Economistas, um artigo que compara a segunda depressão com a primeira (a que começou em 1929). Esse artigo foi resumido aqui e aqui.

O gráfico que apresentamos acima, e que é a versão do Economist dos seus resultados, diz tudo. Em cima, temos a “severidade” da primeira grande depressão, medida pela queda do produto per capita e pelo número de anos necessários até à recuperação do nível de produto anterior à crise. E, a partir daí, temos os vários casos de “severidade” da segunda grande depressão, incluindo estimativas sobre quanto tempo será necessário para voltar ao início. No caso de Portugal, os autores estimam 19 anos: em 2027 voltaríamos a 2008. A Irlanda, Espanha, Itália e Grécia demorarão mais tempo, mas isso é fraco consolo.

13 janeiro 2014

O que a evolução da taxa de lucro nos ensina sobre a política de hoje e de amanhã

Este texto trata dos dois enigmas seguintes: será que a taxa de lucro tem subido consistentemente ao longo das últimas décadas, como afirmam quase todos os economistas? E, se é assim, porque é que a burguesia intensifica a sua luta de classes contra os salários e as pensões, como se não houvesse amanhã?

A resposta é que, ao contrário das aparências estatísticas, a taxa de lucro tem decrescido ao longo dos últimos quase quarenta anos e, para corrigir essa queda tendencial, o processo de acumulação de capital exige uma transformação estrutural da relações de forças entre as classes. Creio que este é o elemento mais importante para compreender a dinâmica da luta social e política do nosso tempo. Como diz com arrogância Warren Buffet, o segundo homem mais rico do planeta, “existe mesmo luta de classes e a minha classe está a ganhar”.