23 outubro 2014

O direito ao Tesão dos 50 anos.



"Já tinha 50 anos e dois filhos" ou seja, uma “idade em que a sexualidade não tem a importância que assume em idades mais jovens, importância essa que vai diminuindo à medida que a idade avança”. Será esta argumentação do Supremo Tribunal Administrativo apenas mais um caso de como o preconceito e o machismo se refletem na justiça portuguesa ou haverá algo mais a dizer? Convoquemos os especialistas.

A desqualificação do prazer foi, na história do poder, um dos métodos mais eficazes de dominação. Michel Foucault, no entanto, rejeitava uma teoria meramente proibitiva da sexualidade; a interdição não explicaria o alcance do fenómeno – “O problema não consiste em saber se o desejo é realmente estranho ao poder, anterior à lei como se imagina muitas vezes, ou, ao contrário, se não seria a lei que o constituiria”, a questão reside no facto da afirmação do prazer se realizar de maneira desigual entre os grupos e as classes. Mais do que uma repressão, o dispositivo da sexualidade exige uma justificação de e perante o poder e assim é refletido na lei, com a afirmação do corpo e da sua vivência a desenvolver-se sob hegemonias próprias (o narcisismo burguês por exemplo).

21 outubro 2014

O grande encontro do Teatro O Bando



Um ano de preparação parece pouco para condensar numa peça a densidade dos quarenta anos do Teatro "O Bando". Mas foi certamente um ano de imenso trabalho. Na peça "Quarentena" somos transportados para três horas de uma intensidade invulgar: quarenta personagens, quarenta textos representados pelo bando, quarenta escritores de língua portuguesa, quarenta anos de história da companhia. Mas não é apenas a dimensão propriamente histórica que está em questão nesta peça. Ela é uma arquitetura de uma complexidade imensa. Tem dois finais diferentes consoante o dia em que se assiste ao espetáculo e seria preciso pelo menos 4 sessões para se conseguir assistir a toda a peça. 

Não é uma peça qualquer. À entrada o público é dividido por grupos que fazem um percurso autónomo pela vila, percorrendo espaços, obras literárias e fragmentos da história da companhia. Viaja-se por catacumbas, espaços abandonados, campo, autocarros e muitos outros lugares improváveis. No fim, depois de um jantar durante o espetáculo, todos os grupos vão ter ao grande encontro. E é mesmo um grande encontro. Acompanhados por 16 músicos, os 24 atores da peça confrontam-nos sobre a possibilidade de um futuro que rompa com o silêncio. Um futuro com palavras. Esse futuro pode ser amanhã ou pode ter sido ontem. Esse futuro pode existir, ou não. É essa a dinâmica do encontro. 

Na "Quarentena" tem-se uma oportunidade única de viajar por uma companhia com um papel ímpar na história do teatro e da cultura portuguesa. E nela é mesmo possível que quem, como eu, não acompanhou estes 40 anos do bando, fique simplesmente apaixonado por ele. Creio que é mesmo isso. Depois de ver esta peça, senti-me realmente apaixonado pelo bando. E recomendo muito que se apaixonem também. 

20 outubro 2014

O que o PS quer fazer com a dívida?


Há uma modorra que se instalou na política portuguesa e que se plasma neste que é o Orçamento de Estado do purgatório: o único que é apresentado depois da saída oficial da troika e antes da total implementação do Tratado Orçamental. O último que é inteiramente desenhado por Passos e Portas e sancionado por Cavaco. O derradeiro antes de se saber com quem e como governará o Partido Socialista. É o orçamento da espera.

Neste cenário, a nova liderança do PS ganharia em apresentar uma solução alternativa ao verdadeiro nó górdio do Estado: 7900 milhões de euros apenas em pagamento de juros da dívida (um aumento de 3,6% em relação ao anterior orçamento) ou o mesmo que 104% da dotação orçamental da Saúde em 2014. A escolha de Ferro Rodrigues para a liderança da bancada parlamentar terá alentado alguns sectores à esquerda, não fosse ele um dos 74 subscritores do Manifesto "Reestruturar a dívida insustentável e promover o crescimento, recusando a austeridade", transformado numa petição pública que alcançou mais de 35 mil assinaturas.