10 abril 2015

És mulher pobre, desempregada, talvez imigrante? Faz-te Fada Madrinha

foto de Benedito Braga, CC
Parece uma telenovela de mau gosto mas não é. É pior, porque é coisa séria. Assim o diz o folheto da ação de formação da Academia do Sucesso/Dress for Success, promovida pelo Governo de Portugal e pelo ACIDI, financiada pela Segurança Social e co-financiada pelo POPH, i.e., com comparticipação de fundos da União Europeia.
A realidade brutal desta coisa cai-nos em cima como um fardo largado do céu por almas caridosas que selecionaram com cuidado o alvo a atingir.
Irei traduzindo, a par e passo, o vocabulário caritativo/gestionês/austeritário para [língua de gente].

Se és mulher, pobre, desempregada, talvez imigrante, o que te faz falta é melhorar a imagem. Nem podiam faltar as fotos do antes e do depois para atestar as maravilhas que faz uma mise, o emprego aparece ao desligar do secador.

Se és mulher, pobre, desempregada, talvez imigrante, o que te faz falta é formação naquilo em que és incompetente, tudo para garantir a tua futura empregabilidade [superação do estado de desprovisão total em que se encontra toda a pessoa desempregada, porque não se esforça, porque é burra, ou porque a sorte não a favorece - em resumo: desempregada? a culpa é tua!].
A formação, dada pela Academia do Sucesso [tão mau que não carece de tradução] dura 3 semanas e tem duas componentes:

Prática
Atelier de costura
Cozinha saudável e económica
Engomar e armazenar roupa de forma eficiente

Teórica
Ética e deontologia profissional das Fadas Madrinhas
Psicologia da família [numa ação de formação profissional? OK, entendidas, para trabalhadoras desqualificadas financeira e socialmente a família é o verdadeiro trabalho]
Finanças do lar [nas outras nem te metas]
Imagem e marketing pessoal [aprende a vender-te, baby!]
Protocolo [boas maneiras]
Integração social [o que é ser desintegrada? não ter cartão de crédito gold nem frequentar os salões da patroa de A Criada Mal Criada?]
Entrevista de trabalho
Coaching

Se não fosse brincar com a exploração de muita mulher até podia ter piada.
A alguém faz lembrar as ações da Mocidade Portuguesa Feminina? Culpa vossa que andam a gastar dinheiro ao Estado quando já nem deviam existir.
Juízos feministas a este propósito? Era o que mais faltava que entre a Supico Pinto e a Jonet nós por cá todas bem. Limpinhas, poupadinhas, remendadinhas, boas-maneiras-obedientes. A abrirem a boca, na entrevista ou noutro lado, que seja para dizer: sim! aguentamos, aguentamos. A Fada do Lar do antigo regime - sob influência da televisão e das referências da Oprah - travestiu-se de Fada Madrinha, a cada austeridade sua fada.
A empregabilidade, percebe-se então é muito variada: descontando o inglês que empresta outro tom de chic (ou deveria dizer posh?) aos 7 itens listados, elas serão empregadas de limpeza (e de limpeza e de limpeza), ajudantes na prestação de cuidados pessoais à terceira idade e a crianças, rececionistas.

Se és mulher, pobre, desempregada, talvez imigrante, o que te faz falta é pagar pela tua empregabilidade. Financiamentos à parte, as virtudes da benfazeja obra exigem: "o projeto retém 20% do 1º vencimento". Isto de ser Fada Madrinha tem de ter "sustentabilidade" (sic). Há bondades que não têm preço. Estas têm. Na última página. No último item. Um requinte de subtileza.
À RTP a responsável pelo programa em Portugal terá dito que "acredita que a associação pode fazer a diferença na vida destas pessoas e a provar isso está o facto de aproximadamente 21% das mulheres que entraram na `Dress` conseguiram entrar no mercado de trabalho". Em termos estatísticos parece-me fraquito, não sei se é de ser muito exigente, não sei se este é um bom momento para questionar estatísticas, não sei. Sobre as vontades e as realizações dos benfazejos, sobre estes financiamentos pelo Estado que sabemos nós?

Se és mulher, pobre, desempregada, talvez imigrante, a próxima vez que saíres à rua, cautela: poderás ter algum Sucesso (mal-)Fadado a querer velar por ti.
Entre esta vida de sonho e um pesadelo de vida, estar bem acordada continua a parecer boa opção.

Só para que perceba que não inventei nem alucinei, queira conferir: Apresentação Fadas Madrinhas by Dress for Success Lisbon

O vigésimo sexto governante no BES



Há coisas que nunca mudam. Já sabemos que  25 ministros e secretários de Estado passaram pelo BES. Uma vida inteira de promiscuidade entre a banca e a política. Conhecemos o resto da história. Anunciado o descalabro, decretos multiplicaram-se pelas madrugadas, mensageiros foram despachados às pressas para a CMVM, o Banco de Portugal anunciou mudanças, montou-se uma comissão de inquérito, agrilhoaram Ricardo Salgado,  Paulo Portas bradou em defesa dos contribuintes, uma nova legislação para o sistema bancário anunciada como o novo sal da terra da economia portuguesa.

Mas quando a Tranquilidade, vendida às pressas aos norte-americanos da Apollo, depois de ver a sua administração demitida, anuncia os seus novos órgãos fiscais, la encontramos o vigésimo sexto ex-governante: Luís Palha da Silva, secretário de Estado do comércio de Cavaco Silva, que desde a saída do governo passou pelos conselhos de administração da Jerónimo Martins, REN, Cimpor e Galp. Palha da Silva, que pelo meio ainda dirigiu a última campanha presidencial de Cavaco Silva, encontra o seu lugar no rearranjo internacionalista por que passam agora as redes da burguesia portuguesa e a nova Tranquilidade garante o seu ex-governante.

Há coisas que nunca mudam.


09 abril 2015

Os descamisados estagiários de João Miguel Tavares



João Miguel Tavares, humorista por engano, dedica no Público de hoje o seu terceiro texto contra o Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra. O que nos dois primeiros textos era uma mal amanhada crítica contra os números publicados pelo Observatório sobre Crises e Alternativas, já contrariada aqui e aqui, revelou-se agora na essência do preconceito que alimenta este embaixador do planeta direita: o ódio ao ensino público e à formação avançada.

Atira Tavares, "Os números não mentem (enfim: às vezes mentem, se torturados por cientistas cidadãos). Em 1997, ano em que a FCT foi criada, doutoraram-se 579 portugueses. Em 2013 (dados Pordata), doutoraram-se 2668. Os doutorados quintuplicaram numa década e meia. Quando se olha para o gráfico dos doutoramentos anuais desde 1970, a evolução a partir do final dos anos 90 é uma subida de montanha de primeira categoria. Ou seja, enquanto em termos económicos o país afocinhava, naquela que já é conhecida como a “década perdida”, as qualificações dos portugueses não paravam de subir. Seria fantástico, em termos de competitividade, se – e este é um grande “se” – o sector privado conseguisse absorver um quinhão significativo dos doutorados. Infelizmente, não consegue."

É um alívio. Ao fim de três textos, Tavares consegue finalmente encontrar o caminho para citar os dados da Pordata, entidade da Fundação Francisco Manuel dos Santos, esse portento da produção científica neutra, metodologicamente acurada e politicamente desinteressada, da qual Tavares é palestrante assíduo. Mas não nos distraiamos. Diz Tavares que Portugal tem doutorandos a mais, que se cometeu o sacrilégio de não afocinhar a educação quando tudo o resto se perdia no ranço da crise.  

08 abril 2015

[PUB] Apresentação e debate em torno do livro "Desigualdades em questão: análises e problemáticas"




"Desde a sua criação, em finais de 2008, o Observatório das Desigualdades e a sua equipa de investigadores têm vindo a demonstrar, por intermédio de múltiplos estudos e análises, que as desigualdades são na sua essência um fenómeno multidimensional de natureza sistémica. Este deverá ser abordado através de uma perspetiva relacional que, para além de enquadrar diferentes conceitos e variáveis (como o rendimento, a escolaridade, o género, a classe social, a etina, entre outras), desenvolva, em simultâneo, diversas metodologias e instrumentos de análise comparativa. Os vários capítulos que compõem este livro seguem estas preocupações, relacionando a questão das desigualdades com problemáticas tão variadas como as práticas culturais, a deficiência, a ação coletiva, a justiça social, as funções  do Estado, a precariedade e o desemprego."