25 julho 2014

Gaza e a neutralidade impossível

Apresento-me com brevidade. Escrevo sobre questões que me importam. Não costumo escrevinhar parvoíces panfletárias, não tenho paciência para partidologias e tendo a ser livresco, coisa que considero ser uma virtude. Sou historiador de ofício e estado de espírito. Fora isto, não tenho muito mais a declarar.

Começo por Gaza. Tal como diz José Manuel Fernandes, e bem, a "difícil questão de Israel e de Gaza"* é, demasiadas vezes, abordada de forma parcial e redutora. O problema é que, ao longo do espectro de posturas a respeito de um conflito bastante menos importante que outros, como os conflitos regionais no continente africano ou a situação do subcontinente indiano, tendemos a confundir posições parciais e redutoras com posições emanadas de pontos de partida ideológicos. No entanto, não há qualquer isomorfismo entre elas. Uma posição ideológica - isto é, baseada em convicções firmes e justificadas - não pode, é óbvio, ser imparcial. Mas pode evitar uma visão redutora. De facto, aquilo que me parece ser mais evidente, a respeito da "questão de Israel e Gaza" (uma formulação que não faz grande sentido, aliás), é isto: as posições ditas imparciais e não-redutoras, que procuram uma neutralidade grosseira, enfermam de um problema: impedem a procura e determinação de soluções. O texto de José Manuel Fernandes mostra-o bem: pode tentar atingir um ponto razoável de equilíbrio, assumindo que Israel tem direito a existir (e tem-no, na minha opinião) e que o Hamas não é igual à Fatah (não é, realmente), depende do apoio da Síria, da Turquia, de algumas facções egípicias e de algumas formações políticas do Golfo, além de arriscar vidas civis. Mas não consegue incorporar, no argumentário, a legitimidade da opressão económica à população de Gaza. E não consegue descortinar a responsabilidade de Israel na permanência do Hamas. Ou na perda de importância da Fatah na correlação de forças do governo do destino colectivo palestiniano.

24 julho 2014

Os donos disto tudo


O DDT – Dono Disto Tudo, nome de guerra de Ricardo Salgado — viu fugir-lhe o tapete debaixo dos pés ao não conciliar as vontades dentro da sua família e dos principais accionistas do Grupo Espírito Santo. Quebrou-se o silêncio dourado dos negócios de sempre. O sacrifício d’ “O” banqueiro faz-se para que nada se tenha de alterar e para que, uma vez mais, pareça que os problemas da banca e da finança são iniciativas individuais e não práticas sistemáticas.

O BES entre a política e os negócios

Costuma-se dizer que há imagens que valem por mil palavras. Neste caso, há caras que valem por mim palavras. Nesta imagem, mostram-se os rostos dos antigos Ministros e Secretários de Estado que passaram pelo BES desde o 25 de Abril. Os dados aqui trazidos pelo Expresso constam do livro "Os Burgueses" da autoria de Francisco Louçã, João Teixeira Lopes e Jorge Costa, com a colaboração na investigação de Adriano Campos e Nuno Moniz. É um levantamento de dados importantíssimo e que não pode deixar ninguém indiferente. 


22 julho 2014

Onde está o rigor, quando se considera que as temáticas das desigualdades e das imigrações já foram esgotadas?

No momento em que cientistas, académicos, Reitores e responsáveis de várias áreas intensificam as críticas à avaliação dos Centros de Investigação, retomo uma carta aberta assinada por algumas as principais referências na afirmação da sociologia em Portugal a seguir ao 25 de Abril. Uma carta que me honra porque vai ao combate. Assinaria sem hesitar. 

"Senhor Presidente da Fundação para a Ciência e a Tecnologia:

Numa conjuntura marcada por reiteradas preocupações, dos mais diversos setores disciplinares, institucionais e ideológicos, sobre cortes drásticos no financiamento público de I&D, associados a tropelias sucessivas através de concursos para investigadores e para atribuição de bolsas em que, sistematicamente, as ciências sociais têm sido particularmente maltratadas, esperar-se-ia, por parte da FCT, uma correção dos erros e uma preocupação acrescida com a qualidade dos processos. Afinal, a incorporação dos erros no aperfeiçoamento dos caminhos possíveis, através do debate crítico, coletivo e organizado, é uma das características que liberta a ciência das armadilhas da arbitrariedade.

Assim, uma política científica sustentada exige respeito pelas regras mais elementares dos sistemas de avaliação: rigor e isenção. Ora, os signatários desta carta aberta, provenientes de diversas instituições de ensino superior, consideram que tais requisitos estiveram flagrantemente ausentes no recente processo de avaliação das unidades de investigação do sistema científico nacional, nomeadamente ao excluírem da segunda fase uma das unidades de I&D de referência nas ciências sociais em Portugal: o CIES (Centro de Investigação e Estudos de Sociologia) do ISCTE-IUL (ver resultados da avaliação aqui: http://www.cies.iscte.pt/np4/newsId=841&fileName=Posi__o_do_Cies_sobre_o_processo_de_aval.pdf

Treze indícios da coerência de Frankie Chavez


Haverá poucos instrumentos musicais tão famosos como as guitarras. Talvez por isso seja tão difícil alguém destacar-se não como um bom guitarrista, mas como um guitarrista realmente original e que introduz algo novo além de uma boa noção técnica. Creio que Frankie Chavez é bom exemplo disso: combina a noção técnica dos melhores guitarristas mas apresenta-nos uma sonoridade suficientemente original para poder ser considerado um dos melhores guitarristas portugueses da atualidade. 

Este seu terceiro disco, depois do homónimo "Frankie Chavez" e do original "Family Tree", combina os bons vícios do formato "one man band" que seguiu até este álbum e alimenta uma maturidade no seu percurso que lhe permite entrar em incursões mais pesadas e rápidas, sem perder a essência de uma música fluída que trespassa a influência country, blues, blues-rock, rock, música tradicional portuguesa e outras coisas difíceis de encaixar. Vale a pena investir nas treze músicas em que ele se concentrou nos últimos anos. Sabem muito bem e indiciam uma carreira sólida e sobretudo muito coerente. 




20 julho 2014

O PCP e a discriminação dos ciganos: a história repete-se duas vezes

Sem casa, sem direitos básicos e sem dignidade. Assim foi a vida, durante vários anos, de dezenas de ciganos que habitavam um descampado nas traseiras do Castelo da Vidigueira. O caso é a metáfora de tantos casos: da miséria escondida nas costas da opulência, do que não se vê e por isso não existe. Há algum tempo, perante a pressão de organizações nacionais e internacionais, a autarquia decidiu fazer o óbvio: colocou estas pessoas num espaço, com a promessa de realojamento. Podia ter sido uma história triste com um final decente. Podia, mas não foi.

Soube-se recentemente que a mesma autarquia que lhes atribuiu este espaço (um barracão precário, sem cozinha ou casa de banho) decidiu unilateralmente destruí-lo. Os pormenores da história são um filme que já nos habituámos a ver: as máquinas que entram pelas habitações, os polícias armados que impedem os habitantes de recolher os seus últimos bens, as lágrimas de quem perdeu o pouco que tinha. Num país em que o racismo vive mascarado, a violência física e simbólica contra as comunidades ciganas nunca foi escondida pelo Estado. Mas há aqui uma diferença: é que, no caso da Vidigueira, a autarquia que ordena o despejo tem maioria absoluta do PCP. E, conhecendo o património de luta do PCP pelos direitos fundamentais, este dado torna o caso ainda mais insuportável.