30 dezembro 2014

O mais lido de 2014: Ajudar o Duarte Marques a perceber a diferença entre o sujeito e o predicado


Duarte Marques estreou o seu espaço de opinião no Expresso. Da sua leitura percebemos que os métodos de estudo de Miguel Relvas fizeram escola no PSD. Mas nem tudo está perdido. O Inflexão quer ajudar Duarte Marques a escrever em bom português. Vejamos:


Na primeira versão, o texto começava com: "Era, inevitável escrever sobre a novela atual do Partido Socialista.". Alguém criticou e o Duarte corrigiu. Boa, Duarte. Avante.


Francisco Louçã: A chance grega e a salvação da Europa


  • "Creio que isto nos ensina duas lições e nos confronta com uma terceira questão em aberto. A primeira é que só haverá um governo de esquerda quando a esquerda unida tiver mais votos do que o centro: enquanto os partidos que aceitam a troika, a austeridade ou as regras do Tratado Orçamental forem dominantes, não há solução para uma alternativa. A segunda lição, na minha opinião, é que é preciso manter sempre um rumo claro: a esquerda só será mais forte do que o centro se milhões de pessoas fizerem seu o esforço de enfrentar a finança pondo em causa o chicote da dívida, pois essa é a explicação para o ascenso do Syriza. A terceira questão não tem ainda resposta: se tiver o apoio da maioria, o governo de esquerda é capaz de cumprir o seu programa, vencendo então essa maldição de Mitterrand? Não sabemos. Não falhar onde tantos recuaram é uma tarefa ciclópica. Saber para onde ir quando tantos se alimentam de medo e incerteza é um risco acima das possibilidades. E, no entanto, tudo é realizável: não resta mais nada, não há caminhos intermédios, não há meias tintas, não há conciliações possíveis, os de cima não cedem nada e levaram quase tudo."

29 dezembro 2014

O “quanto pior, melhor” de Maria João Avillez


A 19 de Outubro de 2013 escrevia Miguel Sousa Tavares no Expresso o célebre artigo “Recapitulando”, onde advogava a anedótica tese de que o PCP e o Bloco de Esquerda deviam ter aprovado um programa de privatizações da TAP, ANA, CTT, Seguros da Caixa Geral de Depósitos, de parte da Galp e EDP, CP Carga, a EMEF, os Estaleiros Navais de Viana do Castelo, dos transportes suburbanos e, simultaneamente, aumentar o IRS, o IVA e cortar ainda mais em salários e pensões. Segundo o afamado escritor, se a esquerda tivesse aprovado essa loucura – vulgo PEC IV – o país sairia radiante para uma nova era de prosperidade e crescimento. Mas a história não foi essa. A esquerda não aprovou o PEC IV porque todas as medidas nele contido eram de direita e exatamente o oposto de todas as propostas do PCP e do Bloco para resposta à crise. Miguel Sousa Tavares irritou-se com o facto destes partidos não aceitarem a chantagem do PS e saiu ao ataque:

 “ [que a troika era inevitável se o PEC IV fosse chumbado] sabia o PCP e a CGTP, que, como manda a história, não resistiram à tentação do quanto pior, melhor. E sabiam-no Francisco Louçã e o Bloco de Esquerda, que, por razões que um psicanalista talvez explique melhor do que eu, se juntaram também à mais amoral das coligações direita/extrema-esquerda, com o fim imediato e mais do que previsível de obrigar o país ao resgate e colocar a direita e os liberais de aviário no poder”
A tese de Miguel Sousa Tavares era a de que para o PCP, o Bloco e a CGTP seria preferível o país ficar desolado e na bancarrota porque seriam eles os naturais catalisadores do protesto. A tese não tem muito de original e baseia-se na popularizada frase “para a esquerda, quanto pior melhor”. Mas se essa tese já tem aspeto de fóssil em decomposição, ela continua a ser fértil em recolher novos teóricos. A mais recente teórica desta ideia, embora com a sua sempre alimentada criatividade, é a jornalista Maria João Avillez.

Na sua última crónica de 2014 no Observador, a ilustre jornalista e escritora deu uma cambalhota ideológica impensável e revelou aquilo que alguns consideram tiques da perigosa radical de extrema-esquerda. Diz a autora:

“Basta só pensarmos no que ocorreria na Grécia e fora dela – na Europa mas não só na Europa – com uma vitória do Syriza. (Mas pensando ainda mais um bocadinho, talvez não fosse nem desinteressante nem inútil que tal ocorresse: o susto e as consequências do susto talvez agitassem as consciências de alguns portugueses e as “certezas” que elas produzem — e logo perfilhadas de resto pelos oportunistas úteis).”

28 dezembro 2014

CRU: o filme que vai aterrorizar em 2015





Portugal, anos 201x...
A troika aterra em Lisboa para mais uma avaliação e medidas draconianas. Mas com esta chegada começam uma série de eventos bizarros que farão os mortos dar voltas na tumba.


Um filme do João Camargo (www.cru-filme.pt/)

26 dezembro 2014

Göran Therborn em busca dos anticapitalistas*


Reconhecido pela sua influente obra no campo do pensamento marxista, Göran Therborn produziu nos últimos anos uma vasta cartografia das resistências contra-hegemónicas e dos movimentos anticapitalistas no século XXI. Tratar os contributos recentes deste sociólogo e emérito professor em Cambridge, submetendo-os ao confronto crítico das correntes de pensamento, é um esforço possível para o entendimento atual das rebeldias sociais. A sua abordagem parte de questões basilares da crítica marxista: a de saber como se estrutura e reproduz a exploração, raiz das desigualdades; a de descortinar a organização do Estado, reflexo das relações conflitivas entre as classes; a de explicar a reprodução da legitimidade, razão da passividade dos que sofrem a mecânica infernal do capitalismo(1). Essa análise desenvolve-se ainda em três tempos distintos: o tempo das revoluções e os seus legados; o tempo das derrotas e as suas persistências; o tempo das resistências e as suas possibilidades.

1. O legado do século das revoluções

Em 1944, na iminência da vitória aliada, George Orwell lembrava, num acabrunhado apontamento jornalístico, a dificuldade de se contar a história – «Muitas vezes, durante a Guerra Civil Espanhola, dei por mim a pensar como nunca seria possível escrever a verdadeira história daquele conflito»(2). As agruras de uma guerra que encerrava o longo período das revoluções europeias – da chegada à Estação Finlândia (1917) à queda de Barcelona (1939) – abria caminho ao realinhamento dos impérios e à capitulação dos grandes partidos comunistas do bloco ocidental (Grécia, França, Itália). Combatente das trincheiras republicanas, Orwell questionava-se sobre a capacidade de fazer perdurar os factos deste choque na passagem do tempo, para lá das relações de poder estabelecidas, chegando a uma conclusão melancólica que ficou para a posteridade: «Em todos os casos chegamos a um número de respostas incompatíveis, de entre as quais uma é adotada como resultado da luta física. A história é escrita pelos vencedores».

(Göran Therborn)

25 dezembro 2014

24 dezembro 2014

O dia em que o INE ofereceu um bolo-rei a Cavaco Silva


Já conhecemos a trilha iluminada pela estrela de Belém. No ano inaugural da primeira maioria absoluta em Portugal, Miguel Horta e Costa era já um respeitável Secretário de Estado do Comércio Externo, estabelecendo as pontes com a banca europeia, tão necessárias ao primeiro-Ministro Cavaco Silva na empreitada de privatizar o sector financeiro português. O lugar que ocuparia logo depois (1990) na presidência do BES Investimento valeria uma união familiar, com o seu primo, Luís Horta e Costa, a juntar-se à Espírito Santo Agriculture. Daí para a Escom (BES) foi um salto.

 Em 1996, a empresa criava o departamento das contrapartidas em negócios aéreos e portuários. Oito longos anos separavam ainda os Horta e Costa dos milhões submergidos no caso dos submarinos de Paulo Portas. Nesse mesmo ano, Cavaco retirava-se de cena, silencioso e mastigando um bolo-rei que ficaria como a lembrança amarga de umas presidenciais perdidas.

O retorno demorou uma década. Cinco membros da família Espírito Santo e três administradores do grupo garantiram 152 mil euros à campanha presidencial vitoriosa de Cavaco Silva. A dose seria repetida cinco anos mais tarde. Chegados ao presente, já em plena crise no BES, Cavaco retribuiu com duas aparições na pele de chefe supremo da nação.

22 dezembro 2014

A primeira derrota de um partido que ainda não o é



Pelos menos três reuniões juntaram a direção do LIVRE e do PS antes da ida de António Costa ao congresso do partido de Rui Tavares. Não haverá mais nenhuma. A esquerda que se propõe orbitar em torno do PS, integrando para tal um futuro governo de Costa, ficou apertada entre a possibilidade de criar (mais um) partido, ou submeter-se a quem se tinha já adiantado: a "Convenção da candidatura cidadã" irá decidir em janeiro que o LIVRE altere o seu nome no Tribunal Constitucional de forma a albergar o novo projeto.

A breve vida do LIVRE antecipa o longo calvário no movimento de translação do novo partido. Com o Bloco e o PCP firmes na recusa em aceitar a aplicação do Tratado Orçamental, a proposta de um novo partido apenas ocupa espaço na tentativa de influência do próximo governo PS. Costa registou esse recado e procurou acarinhá-lo nos últimos meses.

Acontece que na primeira movimentação pública do novo partido, a defesa da não privatização da TAP, o PS fez questão de mostrar rapidamente quem manda. A decisão sobre os destinos da TAP foi muito provavelmente, desde a chegada de Costa, a oportunidade mais evidente para uma demarcação do PS com o passado, ou seja, de afastamento do pacto social criado em torno do memorando de entendimento com a troika. Costa escolheu fazer precisamente o contrário, invocando a verdade histórica de quem conduziu os destinos do país.

Mais sobre os estágios

19 dezembro 2014

TAP: voar em segurança ou reduzir os custos?



No processo de assalto à TAP, Pires de Lima tem montado uma irresponsável campanha contra os trabalhadores, principalmente contra os pilotos. É preciso lembrar que logo após falhar a entrega da TAP ao obscuro Germán Efromovich, o Governo de pronto pressionou os pilotos da companhia a aceitar um corte nos salários, sob o inevitável argumento da redução de custos.

Essa pressão não é nova, desde 2010 o Diário Económico desfia editoriais e colunas de opinião contra os salários luxuosos na TAP. O ataque sobre os pilotos comerciais tem acontecido, de resto, um pouco por toda a Europa, com a receita austeritária a exigir a entrega de todos os sectores de transporte aos privados; um serviço coletivo e que traz benefícios reais à economia que vão para lá dos balanços comerciais de cada entidade.  Mas quais os efeitos reais deste ataque nas condições como se realizam as viagens aéreas?

O enorme avanço tecnológico da aviação mundial nas últimas décadas e a redução de acidentes aéreos permite-nos encarar as viagens áreas com um sentimento de grande segurança e confiança. Acontece que entre pilotar um avião de 77 toneladas e fazer o ponto de embreagem num Renault Clio vai uma distância muito grande. O debate que se gerou em França depois do desastre do Voo da Air France 447, que se despenhou no atlântico em 2009, diz-nos muito sobre os efeitos de uma nova organização pensada a partir da redução de custos e da desvalorização do papel dos pilotos.

17 dezembro 2014

A mentira de Passos: apenas 33% dos estagiários encontram emprego



Quem lê estas linhas e nos últimos três anos procurou um emprego sabe bem do que falo."Dinamismo e capacidade de iniciativa", "capacidade de organização e gestão do tempo", "grande sentido de responsabilidade", "fluência em inglês e francês", todos os requisitos e exigências de um trabalho que recebe em troca um inevitável: "Estágio profissional (IEFP) com possibilidade de integração no quadro efetivo mediante avaliação positiva". Esta é a realidade cada vez mais frequente com que se deparam os desempregados e trabalhadores precários em Portugal.

Passos Coelho, numa intensa semana de pré-campanha eleitoral, congratulou-se por 70% dos estágios resultarem num contrato de trabalho. A maioria dos estagiários, no entanto, conhece bem a instabilidade por que passa nos escassos meses de estágio e a incógnita do fim que se aproxima. Onde mora a razão neste conflito?

É mesmo o mexilhão que paga.

A ideia de que o estágio é um favor prestado pelas empresas a jovens sem experiência laboral é o primeiro erro de entendimento. Em primeiro lugar porque há um equilíbrio quase perfeito entre os trabalhadores mais velhos (acima dos 25 anos) e os mais novos (abaixo dos 25 anos) na ocupação dos estágios: 30 699 e 30 834 respectivamente (IEFP, dados acumulados de 2014), o que aponta para um acumular de experiência profissional pré-estágio significativo.

Depois, e não menos importante, porque o conhecimento técnico e as formas de organização da produção não são um monopólio ao dispor dos patrões. Na história, é imenso o conhecimento acumulado por aqueles que asseguram de facto a produção, desde o trabalho industrial manual à criação do software informático até às inovações materiais produzidas pela investigação dos trabalhadores científicos; é na fragmentação e apropriação desse saber por grupos empresariais cada vez mais concentrados que reside a dificuldade das últimas décadas. Fazer com que o trabalhador acredite na impossibilidade da partilha do conhecimento como um bem coletivo, submetendo-o a uma relação de súplica salarial, será, por ventura, uma das maiores derrotas que hoje enfrentamos como classe que vive do trabalho.

PARABÉNS NUNO CRATO | NUNCA ESTIVEMOS TÃO MAL NA EDUCAÇÃO E NA CIÊNCIA


Na manhã desta quarta-feira, Nuno Crato discursava no ISEG, numa conferência sobre Inovação e Ciência, quando foi interrompido por estudantes e investigadores que lhe queriam dar os Parabéns, pois «nunca estivemos tão mal na Ciência e na Educação».

Vídeo aqui.

Comunicado divulgado na acção:

PARABÉNS NUNO CRATO | NUNCA ESTIVEMOS TÃO MAL NA EDUCAÇÃO E NA CIÊNCIA

O Horizonte 2020 é o Programa-Quadro comunitário destinado ao apoio da investigação e da inovação entre 2014-2020. Escrito no contexto da crise económica e claramente influenciado pela agenda política neoliberal, de tom eurocêntrico, este programa apoia-se nos argumentos dos programas de austeridade e no aumento da eficiência e da competitividade para justificar uma substancial reorientação de fundos para o plano tecnológico e uma preocupante e perigosa desvalorização quer da investigação fundamental, quer da curiosity driven research!

Cumpre denunciar que a concretização do Horizonte 2020 agravará a já em curso reconfiguração do sistema público de ensino e investigação científica. O interesse é produzir bens negociáveis para ganho financeiro e não pensamento ou conhecimento. Além disso, o critério nubloso da “excelência”, que preside a qualquer avaliação, servirá para escapar a soluções distributivas e sustentáveis e exponenciará a elitização quer da investigação, quer do ensino.

13 dezembro 2014

Privatizar o Governo para evitar o despedimento coletivo


Ligar uma lâmpada, enviar uma carta, pagar um seguro, entrar num aeroporto, depositar o lixo. O circuito quotidiano das tarefas mais triviais dificilmente escapa ao mundo novo que habitamos, onde os éditos se atropelam com a mesma e insistente ordem: privatize-se. Depois da EDP, REN, CTT, Caixa Seguros, ANA, EGF e outras tantas empresas públicas, Passos lança-se na segunda campanha pela privatização da TAP. Não é caso para menos, faltando 10 meses para as eleições legislativas, sobem os níveis de adrenalina nos gabinetes ministeriais.

No passado, as privatizações eram apresentadas no contexto de uma certa festividade histórica - "Por cada empresa que privatizo, abro uma garrafa de champanhe", afirmava José Penedos (Secretario de Estado de Guterres), enquanto Cavaco fazia alarde sobre a manutenção dos "centros de decisão nacionais", celebrando a nova e emergente burguesia que na verdade crescia débil e parasitária do Estado. Hoje, pelo contrário, as privatizações são apresentadas como um fardo, uma consequência da bancarrota iminente, uma triste inevitabilidade. O aviso de Passos sobre a TAP, feito como quem entrega um embrulho, é de um autoritarismo próprio deste tempo: ou a privatização ou o despedimento coletivo.

01 dezembro 2014

De que PS não precisávamos?


Nas páginas do jornal Público nos últimos dias assistimos a um debate bem interessante entre o conhecido dirigente socialista Francisco Assis (20/11/2014) e o jovem dirigente socialista do Porto, Tiago Barbosa Ribeiro (26/04/2014). Os textos levantam duas perguntas interessantes: «De que PS precisamos?», pergunta Assis; e «De que PS não precisamos?», pergunta Barbosa Ribeiro.

Na resposta à primeira pergunta Francisco Assis cita deselegantemente um texto do Tiago Barbosa Ribeiro sem citar o autor, que defendia que a proposta de Assis de uma coligação PS/PSD era absurda e apenas motivada por uma “obstinação ideológica”. Assis responde que as ideias de Barbosa Ribeiro são de insuportável arrogância moral, indisfarçável propensão para o simplismo doutrinário, preocupante valorização de uma linguagem emocional em detrimento da argumentação racional, inquietante incompreensão da realidade contemporânea”. O tom é de clara irritação. Mas Assis concretiza a sua teoria: “[Tiago Barbosa Ribeiro] quer um PS empenhado na recusa do Tratado Orçamental, numa revisão do Código do Trabalho, na revalorização do Estado e na renegociação da dívida impagável, voltado para uma reforma fiscal que penalize mais o capital do que o trabalho.” Segundo Assis, este programa faria “o PS renegar o essencial da sua trajetória histórica enquanto grande partido do centro-esquerda e autocondenar-se-ia a um estatuto de absoluta irrelevância no plano europeu”. E joga o seu trunfo final: “O país não precisa de um PS iludido com a perspectiva de uma impossível unidade de esquerda, aliás historicamente desqualificada. O país carece de um PS empenhado na enunciação de um programa de governação sério, credível e exequível. António Costa já deu provas suficientes de que não concebe outro caminho que não seja este. Ainda bem.”

Assis foi agressivo no debate, mas absolutamente luminoso em clarificar ao que vem. Para ele o PS não pode ter um programa de rutura com o atual quadro político europeu de imposição de mais rigor orçamental amarrado a mais austeridade. Do que o PS precisa são de políticas “exequíveis”, nem que para isso tenha de se coligar com o PSD.

O Bloco de Esquerda e o futuro



O Bloco conseguiu encerrar um longo período de debate interno. Das escolhas da Convenção e da convicção da sua nova Mesa Nacional emanou um novo modelo de direção, apoiado por ampla maioria. Essa solução ergue-se da elegância de um homem, João Semedo, que depois da corajosa candidatura à Câmara de Lisboa e do resgate da unidade que propôs às moções derrotadas na Convenção, sai com o respeito dos seus. O modelo de comissão permanente, não sendo o ideal posto que abdica dos melhores quadros em prol de um modelo de representação, pode e deve ter a força para dirigir o Bloco neste momento decisivo da política portuguesa. A seu tempo o Bloco ganharia em realizar uma necessária renovação do seu grupo parlamentar, nomeadamente com a entrada dos seus dois dirigentes mais capazes com menos de 40 anos, o Jorge Costa e o José Soeiro, o que daria ao grupo parlamentar outra agilidade e articulação com as lutas sociais existentes. Este percurso prova, todavia, que os empates, na política como na vida, nada resolvem e é sempre à direção de um movimento que cabe, em primeiro lugar, encontrar as saídas agregadoras.

Esta mudança deve corresponder a uma transformação necessária na forma como o Bloco responde à pergunta mais definidora de um partido de esquerda: a quem representa? Portugal tem hoje uma maioria social em formação composta principalmente por duas camadas de espoliados: cerca de um milhão de reformados que recebem pensões abaixo do limiar de pobreza; mais de dois milhões e meio de desempregados e trabalhadores precários. A subjectividade política com que estas populações experienciam as suas limitações é variável e marcada pelo profundo isolamento da opressão individuadora a que são sujeitos.

O discurso esponjoso que procura absorver estas populações como parte da hecatombe da "classe média" pode servir como um pronto a vestir da direita mais desorientada, mas é demasiado curto para explicar as oscilações políticas que estamos a assistir. Pela primeira vez em duas décadas, uma parte considerável da população - estes 30% de que falamos - olha para o poder realmente existente, o poder colonial de uma União Europeia comandada desde Berlim, e não entrevê qualquer tipo de beneficio futuro nem é mais capaz de reivindicar uma memória coletiva de ascensão social associada à UE. O campo de resistência social à austeridade tem de se ancorar no princípio de oposição que não abdica de nomear o adversário: aqueles que na Europa e em Portugal patrocinam o tratado orçamental e o poder da burguesia financeira.

28 novembro 2014

Hands Up! Don't Shoot! Ferguson e Racismo de Estado


A cidade de Ferguson no Missouri (EUA) está a ferro e fogo desde que na passada segunda-feira se conheceu a decisão de não acusar o polícia que em agosto disparou seis tiros e matou Michael Brown, um jovem adolescente negro.

O Procurador de St. Louis disse que o júri não tinha encontrado “uma causa provável para apresentar qualquer acusação ao agente Wilson”, mas há uma semana que o governador do Estado enviou tropas para o local com medo dos motins. Ou seja, desde há uma semana que se sabia que o agente Wilson ia ser ilibado.

Desde o início da semana que a pequena cidade de Ferguson, maioritariamente negra e com uma estrutura de poder dominada por brancos, está a ferro e fogo, tendo já sido detidas dezenas de pessoas. Mas os protestos expandiram-se para várias outras cidades dos Estados Unidos, porque a violência policial e a discriminação não são exclusivos daquele local. Na verdade, o racismo de Estado está instalado nos Estados Unidos da América.

Os manifestantes do Ferguson Action têm 6 simples reivindicações que são da mais elementar justiça:

26 novembro 2014

Os Call Centers e a instável substância do tempo



Há uma pergunta que me tem perseguido incessantemente e para a qual nunca consegui dar uma resposta convincente: por que razão aos 16 anos gostei tanto de trabalhar no McDonalds, quando recebia a miserável quantia de 2,55 euros à hora e não tinha qualquer estabilidade de horários? Embora tenha estudado um contexto organizacional diferente, é também sobre esses processos que fala João Carlos Louçã no seu livro “Call Centers – Trabalho, Domesticação e Resistências” (Deriva, 2013). Nele encontramos uma análise cuidada sobre os modernos processos de exploração, os dispositivos mais subtis e eficazes de produção de consentimento e as formas de resistência que, num contexto tão desfavorável, ainda assim se fazem sentir.  

João Carlos Louçã mergulha nas vidas de 19 trabalhadores/as de várias idades, experiências profissionais, origens familiares, habilitações, tipos de contrato e funções organizacionais. Não ambicionando uma caracterização extensiva, o livro permite um olhar intensivo sobre as dinâmicas do trabalho, da sua organização e das identidades e resistências que nele emergem. Nenhum outro estudo em Portugal chegou tão longe na visibilização dos mundos ocultos dos Call Centers a partir das histórias dos seus protagonistas. 

Estes espaços representam uma organização do trabalho onde a precariedade é o sufoco de quem “de contrato em contrato” adia permanentemente a sua vida. Neles “os momentos de renovação de contrato são momentos de stress e dúvida para muitos trabalhadores/as (…) as pessoas sentem-se invariavelmente à disposição das flutuações da necessidade de mão-de-obra, da arbitrariedade do mercado de trabalho, da subjetividade dos critérios de avaliação do seu desempenho” (pp.77). Esta arbitrariedade é a marca de todo o trabalho estruturalmente organizado em processos de avaliações que constituem verdadeiros dispositivos de poder em que quem trabalha é a parte mais desprotegida.

Recensão publicada na Revista Vírus 

14 novembro 2014

PODEMOS: desviando dos tiros na nuca


Alerta geral. A senha está dada: os resultados alcançados pelo PODEMOS nas últimas sondagens realizadas no Estado Espanhol (27% contra os 20% do PSOE e 25% do PP) devem ser explicados, escalpelizados, menorizados. Convocados os comentadores, os métodos estão à disposição, da reprodução de ideias feitas à transposição futurista com tons de portugalidade e horror. À direita e ao centro esta proliferação de comentários sobre o PODEMOS pariu três argumentos e três propostas de salvação do regime. Vamos a eles.

1. Estes tipos são todos iguais.

O primeiro argumento é o mais antigo e o mais reproduzido. José Diogo Madeira, ex-diretor do Jornal de Negócios, resume-o na perfeição, "Em Espanha, o Podemos; na França, a Frente Nacional; na Itália, o Cinco Estrelas; na Grécia, o Syriza. Em todos os países do Sul da Europa, surgiu um movimento político que agregou os (cada vez mais) descontentes com o «sistema»". O soundbite é simples e monocórdico, diz-nos que um espectro ronda a Europa, o espectro do populismo. A implosão do centro político tem como resultado o surgimento de partidos, iguais em quase tudo, que abraçam o descontentamento das massas desorientadas e sofridas.

Para funcionar, este argumento tem primeiro de aniquilar a história. De nada interessa que o PODEMOS tenha uma base social assente no processo das mobilizações anti-austeridade fortalecido por lutas sociais como a dos Afetados por la Hipoteca e que o Cinco Estrelas seja o resultado mediático de um populismo eleitoral desligado de qualquer mobilização social consequente. Há que irmanar o que é diferente. O mesmo é feito com o programa político: interessa pouco que o PODEMOS defenda o reconhecimento integral dos direitos dos imigrantes e o fim dos programas persecutórios como o FRONTEX enquanto o presidente honorário da Frente Nacional lembra os benefícios do Ébola no extermínio dos povos africanos. Estes tipos são mesmo todos iguais.

Funcionários da Verdade e a inquietação cidadã de Diana Andringa



O jornalismo e o serviço público de televisão são partes fundamentais e eminentemente constitutivas das democracias. Diana Andringa, uma especialista nos terrenos do jornalismo e uma incansável ativista nos terrenos da comunicação social mas também noutras esferas da intervenção cidadã, apresenta-nos a sua tese de doutoramento publicada agora em livro pela Tinta da China precisamente sobre a relação entre os constrangimentos ao profissionalismo e a vivência da responsabilidade social dos jornalistas.

A autora volta aos Tratados Europeus, ao estatuto de jornalistas, a George Orwell e a Michel Foucault em busca de um título: “Funcionários da Verdade: profissionalismo e responsabilidade social dos jornalistas do serviço público de televisão”. Na obra mistura um quadro teórico rico com uma abordagem pluriparadigmática de métodos complementares. O resultado é um trabalho de campo centrado nos profissionais do jornalismo, mas também na análise das condições e constrangimentos estruturais em que ele é exercido e das consequências que o agravamento dessas condições têm para a prática de um jornalismo independente e responsável socialmente.

O livro divide-se em sete partes. Começa por uma explicitação sobre a forma como se deve pensar sobre o vivido e sobre a escolha do título. É um começo feliz. Diana Andringa expõe parte dos seus anos como jornalista e de como eles necessariamente influenciam a pesquisa. Essa honestidade de situar os conhecimentos que se produz é rara e deve ser assinalada. A segunda parte faz aquilo que é imprescindível a qualquer pesquisa sociológica digna desse nome: uma revisitação histórica sobre o objeto de estudo em que se trabalha. Percorre a censura e a manipulação do jornalismo, o seu crescimento após o 25 de Abril e a sua abertura à influência do mercado desde os anos 90. Numa terceira parte desenvolve uma análise detalhada sobre os conceitos fundamentais em torno dos quais se inscreve a pesquisa: profissionalismo; responsabilidade social; televisão; serviço público de televisão; constrangimentos. Nas quatro partes seguintes mergulha sobre o trabalho de investigação, os dados recolhidos e os indícios teóricos que eles sugerem. Começa com uma análise da pesquisa de terreno que fez na RTP, abordando a utilização das tecnologias, a ideologia da produtividade, o papel das audiências na estruturação de conteúdos, mas também a informalidade que sempre marca e organiza o quotidiano no trabalho, desde as conversas de corredor, ao papel do panóptico open space onde todos se observam e todos são observados. Depois aborda as representações da profissão pelos seus profissionais através de um inquérito e do correio ao provedor. Em terceiro lugar procura desenvolver uma análise detalha sobre três casos amplamente mediatizados e que sugerem uma discussão profunda entre a responsabilidade social dos jornalistas e as agendas de mediatização: o referendo sobre a IVG; o caso de Manuel Subtil que se barricou num estúdio de televisão; e o pseudo-arrastão da praia de Carcavelos. Esta análise leva Diana Andringa a refletir sobre a passagem do acontecimento ao pseudo-acontecimento e ao papel das estratégias de mediatização nesse processo.

Este é um livro útil para qualquer cidadão e cidadã preocupada com os percursos e os desafios da democracia portuguesa. Nele Diana Andringa consegue misturar simultaneamente três fórmulas de sucesso: a criatividade científica de quem potenciou o feliz casamento entre o jornalismo e a sociologia; o rigor técnico de articulação entre uma base teórica e história muito completa e uma metodologia ampla, flexível e coerentemente orientada com o objeto de estudo; e a inquietação cidadã de quem sabe só a reflexão crítica e atenta poderá iluminar a história que está por construir.

Funcionários da Verdade é livro a não perder, de uma autora com quem nos cruzaremos muitas vezes, onde a democracia exigir a nossa presença, reflexão e combatividade. 

12 novembro 2014

31 outubro 2014

"Dr. Maçães ou: Como Aprendi a Deixar de me Preocupar e a Amar o TTIP"

Já sabíamos que o Secretário de Estado Bruno Maçães gosta muito do TTIP. Ficámos a saber que a deputada Francisca Almeida também gosta muito do TTIP. O primeiro até assina cartas onde exige a inclusão de mecanismos de resolução de litígios investidor-Estado no TTIP. A segunda faz de Dr. Pangloss. Venha o TTIP! Venha rapidamente! Porque TODA a gente concorda com o acordo e, se não concorda, é porque não leu o estudo do CEPR (não é EPR, Exmª. Dr.ª Francisca Almeida), essa ínclita instituição.

Pois, mas há quem tenha lido. E há quem tenha opiniões diferentes, baseadas em modelos com pressupostos diferentes, mais modestos e mais rigorosos. Quando se fazem estudos de impacto macroeconómico, convém que a econometria seja decente (e eu não percebo nada de econometria, mas consigo ver que alguém percebe. Basta que me explique qual o modelo e como o usa).

Vide http://www.ase.tufts.edu/gdae/Pubs/wp/14-03CapaldoTTIP.pdf

O mais importante, para começar, é isto:
Quantitative arguments in favor of TTIP come mostly from four widely cited econometric studies: Ecorys (2009), CEPR (2013), CEPII (2013) and Bertelsmann Stiftung (2013). (...) (p.5)
Methodologically, the similarities among the four studies are striking. While all use World Bank-style Computable General Equilibrium (CGE) models, the first two studies also use exactly the same CGE. The specific CGE they use is called the Global Trade Analysis Project (GTAP), developed by researchers at Purdue University. All but Bertelsmann use a version of the same database (again from GTAP). The limitations of CGE models as tools for assessments of trade reforms emerged during the liberalizations of the 1980s and 1990s . The main problem with these models is their assumption on the process leading to a new macroeconomic equilibrium after trade is liberalized. (...) (p.6)

30 outubro 2014

A luta voltou ao muro, a censura voltou à academia





Não é novidade para ninguém que as universidades são um palco de lutas pelo exercício e autoridade do poder. Desde 1088 que os então Studium Generale e mais tarde as universidades viviam uma relação ténue entre o poder eclesiástico e o poder político das monarquias. Mas é também na época moderna que se consolidaram instituições de ensino que nunca deixaram de ser permeáveis ao exercício do poder político e económico. Recordemos os casos de Ludwig Bernhard (1875-1935) que foi nomeado politicamente por decreto governamental para um cargo académico sem qualquer consulta aos órgãos científicos da universidade ou Robert Michels (1876-1936) impedido de se candidatar a professor por ser militante do Partido Social Democrata Alemão e não batizar os seus filhos.

Mas se olhando para a evolução democrática das nossas sociedades, estes casos denunciados por Max Weber em 1908 parecem de um tempo distante, o recente episódio de censura na revista cinquentenária Análise Social do Instituto de Ciências Sociais (ICS) mostra-nos como a liberdade académica consegue ser, ainda hoje, absolutamente permeável ao exercício do poder político, ideológico e conservador.

Na Analise Social, o investigador Ricardo Campos da Cemri – Universidade Aberta, iria publicar o ensaio visual “A luta voltou ao muro”, sobre a forma como a contestação social em Portugal voltou a ser feita nas paredes, em inúmeros graffitis que pela cidade de Lisboa questionam o poder financeiro, económico e político que tem governado Portugal e a Europa. O ensaio foi aceite e a revista foi editada e lançada na sua versão online. Contudo, o Diretor do ICS, José Luís Cardoso, deu ordens para que fossem destruídos os exemplares impressos da revista por considerar o ensaio de “mau gosto e uma ofensa a instituições e pessoas que não podia tolerar”. José Luís Cardoso considerou que tinha o direito de fazer do seu critério moral e ideológico, o critério científico de aceitação do ensaio. Assim, desautorizou diretamente o Diretor da Revista, João de Pina Cabral, um dos mais reputados antropólogos portugueses e europeus, para defender “o bom nome e a reputação institucional do ICS”.

29 outubro 2014

Em Coimbra, a propaganda praxista tem o apoio da universidade

Uma praxe normal em Coimbra: "caloiros" e "caloiras" metem-se numa fonte, num dia de frio e chuva, enquanto os praxistas observam tudo bem aconchegados nos seus trajes. Não sei em que é que expor novos alunos a uma possível pneumonia ajuda no seu processo de integração, mas talvez os praxistas saibam responder. A foto é do professor Elísio Estanque, que a partilhou no Facebook.

Recebi recentemente na minha caixa de correio eletrónico da Universidade de Coimbra, onde sou estudante, uma mensagem propagandística de um órgão da praxe. A mensagem vem do Conselho de Veteranos e foi reencaminhada pelo serviço de divulgação da UC.

O Conselho de Veteranos é formado por praxistas que se auto-nomearam guardiões da tradição. Não é uma associação com existência legal. Não é um grupo estudantil aberto à participação de todos os estudantes. Não é um órgão estudantil democraticamente eleito. Não existe nenhum motivo válido, portanto, para a UC divulgar uma mensagem do CV, atribuindo-lhe uma importância e legitimidade claramente indevida.

A luta voltou ao muro

Para quem ainda não conseguiu ver, aqui fica o texto e as imagens do último número da revista Análise Social agora retirado de circulação pelo diretor do ICS José Luís Cardoso por considerar que têm "linguagem ofensiva e de mau gosto". O Diretor da Revista, João de Pina Cabral, acusou o ato de censura. Para que ela não vingue, aqui fica o texto e as imagens do ensaio de Ricardo Campos que o diretor do ICS não quer publicar. 

"A escrita no muro  de forma não autorizada, vulgo graffito, é uma prática antiga. Há exemplos da sua existência que remontam  à antigui- dade clássica, na Roma antiga ou em Pompeia. Comum a estas formas de expressão de índole vernacular é a recorrente veia satírica e contestatária das mensagens. A afronta ao poder e aos bons costumes tem encontrado no muro e nas formas anónimas de comunicação um reduto altamente criativo. Especialmente relevantes são os graffiti executados no espaço público, disponíveis para uma incomensurável plateia. A falta de identificação de um destinatário particular torna esta forma de comunicação ainda mais curiosa, assemelhando-se às estratégias comunicativas da pro- paganda política e da publicidade. Ao invés destas, o graffiti é executado pelo cidadão comum, geralmente na obscuridade.

Na nossa história  mais recente alguns exemplos históricos  merecem destaque, pela forma como foram marcando os nossos imaginários. Aquilo que atualmente  encontramos  impresso nas nossas cidades não pode ser apartado dessa linhagem histórica. Joan Gari, académico catalão que escreveu uma excelente obra sobre a semiologia do graffiti contemporâneo, identifica basicamente duas tradições: a europeia e a norte-americana. A europeia teria por característica principal a escrita, em forma de máxima, de natureza poética, filosófica ou política. Exemplo máximo dessa tradição seria o tipo de graffiti que emergiu durante o Maio de 68 francês. Por contraste, a tradição norte-americana está fortemente vinculada à cultura de massas e à sua iconografia pop, sendo marcada por uma expressão eminentemente figurativa e imagética.

As cidades portuguesas, principalmente os grandes centros urbanos, foram invadidas nas últimas décadas pelo graffiti de tradição norte-americana. Composto por tags, throw-ups e murais figurativos de grandes dimensões, esta é uma manifestação visual que faz hoje parte da nossa paisagem. A globalização deste formato de graffiti significa que, disperso pelo planeta, encontramos  uma  linguagem comum, com mecanismos de produção e avaliação estética idênticos. A hegemonia desta expressão mural não nos deve fazer esquecer aquela que é a manifestação mural mais marcante da nossa história recente: o mural pós-revolucionário. O período que se seguiu ao 25 de Abril de 1974 foi marcado por uma profusão de propaganda política que recorria ao muro como principal suporte. A iconografia de então, em que se destacavam Marx, Lenine ou Mao, acompanhados por representações colectivas do povo, do operariado ou campesinato, cedeu paulatinamente  o lugar aos politicamente inconsequentes tags.

Porém, nos últimos anos parece ter despontado nas paredes uma nova vontade de comunicação política. A grave crise económica e social que eclodiu em função das fortes medidas de austeridade impostas pela coligação de governo psd-cds, parece ter mobilizado os cidadãos para atuarem politicamente à margem dos mecanismos convencionais de expressão da vontade política. As grandes manifestações que se realizaram nos últimos anos, organizadas por associações e coletivos não-partidários são um bom exemplo disso. As paredes parecem, também elas, servir cada vez mais para expressar não apenas uma revolta difusa, mas para acicatar o poder político, satirizar a classe partidária e afrontar o status quo. Através de palavras, de slogans, de murais pintados a aerossol ou através da técnica do stencil, vários são os exemplos destas manifestações que pude recolher nas ruas de Lisboa. As imagens fotográficas que aqui se reproduzem visam, precisamente, retratar esta dinâmica de manifestação popular."

Ricardo Campos
Cemri-Universidade Aberta 

Ver ensaio visual aqui

23 outubro 2014

O direito ao Tesão dos 50 anos.



"Já tinha 50 anos e dois filhos" ou seja, uma “idade em que a sexualidade não tem a importância que assume em idades mais jovens, importância essa que vai diminuindo à medida que a idade avança”. Será esta argumentação do Supremo Tribunal Administrativo apenas mais um caso de como o preconceito e o machismo se refletem na justiça portuguesa ou haverá algo mais a dizer? Convoquemos os especialistas.

A desqualificação do prazer foi, na história do poder, um dos métodos mais eficazes de dominação. Michel Foucault, no entanto, rejeitava uma teoria meramente proibitiva da sexualidade; a interdição não explicaria o alcance do fenómeno – “O problema não consiste em saber se o desejo é realmente estranho ao poder, anterior à lei como se imagina muitas vezes, ou, ao contrário, se não seria a lei que o constituiria”, a questão reside no facto da afirmação do prazer se realizar de maneira desigual entre os grupos e as classes. Mais do que uma repressão, o dispositivo da sexualidade exige uma justificação de e perante o poder e assim é refletido na lei, com a afirmação do corpo e da sua vivência a desenvolver-se sob hegemonias próprias (o narcisismo burguês por exemplo).

21 outubro 2014

O grande encontro do Teatro O Bando



Um ano de preparação parece pouco para condensar numa peça a densidade dos quarenta anos do Teatro "O Bando". Mas foi certamente um ano de imenso trabalho. Na peça "Quarentena" somos transportados para três horas de uma intensidade invulgar: quarenta personagens, quarenta textos representados pelo bando, quarenta escritores de língua portuguesa, quarenta anos de história da companhia. Mas não é apenas a dimensão propriamente histórica que está em questão nesta peça. Ela é uma arquitetura de uma complexidade imensa. Tem dois finais diferentes consoante o dia em que se assiste ao espetáculo e seria preciso pelo menos 4 sessões para se conseguir assistir a toda a peça. 

Não é uma peça qualquer. À entrada o público é dividido por grupos que fazem um percurso autónomo pela vila, percorrendo espaços, obras literárias e fragmentos da história da companhia. Viaja-se por catacumbas, espaços abandonados, campo, autocarros e muitos outros lugares improváveis. No fim, depois de um jantar durante o espetáculo, todos os grupos vão ter ao grande encontro. E é mesmo um grande encontro. Acompanhados por 16 músicos, os 24 atores da peça confrontam-nos sobre a possibilidade de um futuro que rompa com o silêncio. Um futuro com palavras. Esse futuro pode ser amanhã ou pode ter sido ontem. Esse futuro pode existir, ou não. É essa a dinâmica do encontro. 

Na "Quarentena" tem-se uma oportunidade única de viajar por uma companhia com um papel ímpar na história do teatro e da cultura portuguesa. E nela é mesmo possível que quem, como eu, não acompanhou estes 40 anos do bando, fique simplesmente apaixonado por ele. Creio que é mesmo isso. Depois de ver esta peça, senti-me realmente apaixonado pelo bando. E recomendo muito que se apaixonem também. 

20 outubro 2014

O que o PS quer fazer com a dívida?


Há uma modorra que se instalou na política portuguesa e que se plasma neste que é o Orçamento de Estado do purgatório: o único que é apresentado depois da saída oficial da troika e antes da total implementação do Tratado Orçamental. O último que é inteiramente desenhado por Passos e Portas e sancionado por Cavaco. O derradeiro antes de se saber com quem e como governará o Partido Socialista. É o orçamento da espera.

Neste cenário, a nova liderança do PS ganharia em apresentar uma solução alternativa ao verdadeiro nó górdio do Estado: 7900 milhões de euros apenas em pagamento de juros da dívida (um aumento de 3,6% em relação ao anterior orçamento) ou o mesmo que 104% da dotação orçamental da Saúde em 2014. A escolha de Ferro Rodrigues para a liderança da bancada parlamentar terá alentado alguns sectores à esquerda, não fosse ele um dos 74 subscritores do Manifesto "Reestruturar a dívida insustentável e promover o crescimento, recusando a austeridade", transformado numa petição pública que alcançou mais de 35 mil assinaturas.

17 outubro 2014

A praxe limpinha ainda é praxe

À esquerda, um cartoon anti-praxe. À direita, uma montagem com o cartoon, em que convenientemente a violência contra o praxado é apagada, usada para anunciar uma "praxe solidária". Uma ilustração de como se limpa a imagem da praxe, neste caso com recurso à manipulação de imagens.

Com o início do ano letivo, voltam as praxes universitárias, e com elas todas as práticas de rebaixamento entre estudantes. Mesmo depois de um ano letivo em que morreram três estudantes numa praxe da Universidade do Minho e seis durante um fim de semana de praxe da Universidade Lusófona, são ainda raros os exemplos de estudantes que rejeitam a praxe. A praxe continua forte e os exemplos de abusos são vistos nas universidades como sendo casos excecionais. No meio estudantil, impera ainda a ideia de que é possível limpar a praxe dos seus abusos.

08 outubro 2014

A culpa é do sistema?



Esta quinta-feira, a imprensa revelou que os trabalhadores a recibos verdes que pediram alteração do seu escalão da Segurança Social terão de passar a pagar a contribuição aos balcões da tesouraria dos serviços distritais. No Multibanco e por internet não dá. Dizem que a culpa é do sistema.

Um cidadão que queira renovar a sua carta de condução ou alterar os dados da residência tem em Portugal um serviço online reconhecido como um exemplo no relatório da UE eGovernment 2014. Mas de que servem os elogios a quem tem visitado o site desde o ano passado e lê a mesma mensagem: “Informamos que os nossos serviços online da área de condutores se encontram temporariamente indisponíveis”. Se for tratar do assunto aos serviços em Lisboa, vai perder um dia de trabalho e preparar-se para esperar muitos meses pela nova carta. E vai ouvir de certeza que a culpa é do sistema.

06 outubro 2014

O Livre e a ilusão do “arco constitucional”



O sistema partidário português terá muitos vícios e problemas. Mas um dos seus aspetos positivos é o facto de na maioria dos partidos os documentos políticos em discussão serem públicos e por isso suscetíveis de debate na opinião pública. É a esse debate que procurarei responder abordando a única moção estratégica que foi apresentada ao I Congresso do partido Livre que acontece hoje em Sintra e que contará com um discurso de António Costa.

02 outubro 2014

[PUB] Como surgiu e como caiu a I República?

Os cinco erros capitais

*Por Fernando Rosas
A República torna-se presa fácil da conspiração das direitas antiliberais, porque está ferida de uma crise de legitimidade estrutural e mergulhada na instabilidade política e financeira. A isso é necessário juntar a "questão religiosa", a rotura com o operariado e o facto de ter arrastado o país para o desastre suicidário da guerra. Quando uma parte da República tenta corrigir os erros, já é tarde.

A I República nasceu de uma revolução urbana, em Lisboa, conduzida pelo "Bloco do 5 de Outubro", essa aliança entra a plebe urbana da capital, organizada pela Carbonária, e o mundo diversificado da pequena burguesia dos lojistas, dos comerciantes, dos pequenos funcionários públicos, dos caixeiros e amanuenses, capitaneados pela elite letrada das profissões liberais, os chefes do Partido Republicano Português (PRP).

30 setembro 2014

Conservadores 0, Feministas 1


Sí, se puede. O Estado Espanhol não regrediu 30 anos e os valores da autodeterminação e da dignidade venceram nas ruas o conservadorismo fascinado com a perseguição das mulheres.

A semana que passou chegou com uma boa notícia, aliás uma estrondosa boa notícia. Não consigo pensar noutros termos quando recordo o anúncio do primeiro-ministro espanhol, Mariano Rajoy, de que a proposta de reforma da lei do aborto do seu governo tinha sido retirada. Logo a seguir, ficámos a saber que o autor da proposta, o então Ministro da Justiça, Alberto Ruiz-Gallardón, se demitiu e até se reformou da política. Gallardón bateu com a porta quando percebeu que caiu por terra a hipótese de colocar a Espanha no topo do ranking dos países europeus com as leis do aborto mais restritivas. O que é mais caricato nesta reviravolta é que, agora, Gallardón sairá à rua não com medo de ser perseguido por feministas empunhando cartazes a dizer “Yo decido!” e “Libertad!”, mas sim pelos fundamentalistas conservadores e católicos zangados, porque perderam a hipótese de se vingarem da modernidade e da democracia instalada.

29 setembro 2014

A Concertação Social não ser pode uma reunião secreta entre Carlos Silva e Passos Coelho

Marques Mendes voltou a dar com a língua nos dentes: Passos e Carlos Silva tiveram um "encontro privado, com muito sigilo" para garantir que a UGT aceitaria os termos da subida do salário mínimo de 485€ para 505€. Desta forma, o comentador da SIC e barão do PSD faz o que Passos lhe pediu, garantindo que o mundo saiba que ele também esteve envolvido nas negociações do salário mínimo e que terá sido ele a "ultrapassar o impasse".

Foi um movimento muito importante por parte de Passos, porque depois de se esvair o mito da "retoma económica" esta é a única arma política que terá no ano eleitoral que se aproxima. E, mais, Passos bem precisou que Marques Mendes o dissesse no seu comentário, porque Mota Soares quis tomar os louros do acordo e até Paulo Portas saiu do avião a correr para estar na fotografia do evento.

Mas Carlos Silva, o amigo de Ricardo Salgado, mostrou, de facto, mais uma vez a fibra de que é feito, não devendo nada a João Proença, seu predecessor. Há semanas atrás, Paulo Portas dizia que "felizmente que na concertação social existe uma UGT" e hoje percebe-se porquê.

26 setembro 2014

O mínimo salário do atraso

Depois de tanta insistência lá se conseguiu um aumento do salário mínimo. Pena que tenha sido tão curto, residual, acompanhado de uma benesse para os patrões e nos continue a colocar num posição de atraso em relação aos países europeus e à nossa própria história contemporânea. Eurico Brilhante Dias  no dia em que se assinou o acordo disse na SIC Notícias que este aumento era a primeira grande vitória das Eleições Primárias do Partido Socialista. Como diz o povo, "cada louco com a sua mania". Seja como for, alguns dados concretos faziam falta a tão perspicazes dirigentes que veem gloriosas vitórias no meio do pântano. 




23 setembro 2014

Presidenciais Brasileiras: a fé que move montanhas... de votos



A entrada fulgurante de Marina Silva na disputa pelas presidenciais despertou velhos demónios na sociedade brasileira. Ao apresentar-se como a predestinada sobrevivente do acidente que vitimou Eduardo Campos a candidata levantou o véu sobre a relação entre a religião e a política num país onde o número de evangélicos não pára de aumentar nos últimos anos. Marina é uma confessa missionária evangélica, tendo afirmado recentemente que a Bíblia é uma fonte de inspiração para a tomada de decisões. Com todas as sondagens a ditarem uma segunda volta com Dilma, o epíteto de fundamentalista foi de pronto arremessado pelas hostes do PT.

Acontece que de acordo com as pesquisas o voto dos evangélicos afigura-se como o mais decisivo na disputa da segunda volta. Dilma e o PT não perderam tempo. Um "Manifesto dos Evangélicos com Dilma" foi lançado nesta terça-feira, onde se pode ler: "como somos exortados a não precipitar em palavras e no coração nas nossas decisões diante de Deus (Ec.5:2), cremos que não há exigência maior a nós evangélicos para esta vida do que a prudência na escolha do candidato ou candidata a presidente que vai se empenhar de verdade pelo nosso bem estar e de nossas famílias durante o seu governo. Dessa forma, até 05 de Outubro de 2014 vamos orar, pensar, conferir e separar a verdade da mentira, os fatos dos boatos porque, fazendo assim, temos certeza de que iremos votar confiantes em Dilma Presidenta para o Brasil continuar melhorando, para o Brasil mudar mais."