26 março 2015

Rafael Marques e os cobardes


Há pessoas que nos sugerem a possibilidade do brilho. Há pessoas que nos confortam com a sua força. Há pessoas que nos obrigam a não desistir.

Na sessão de abertura, a defesa descobre que há mais quinze acusações. O julgamento acabou por ser adiado. Entretanto,  um número não confirmado de manifestantes foi preso à porta do Palácio da Justiça em Luanda.

Circula uma petição da Amnistia Internacional. Para contrastar ao silêncio porco do Governo da República Portuguesa. Se já era motivo de vergonha, torna-se mais clara, hoje, a erosão completa de qualquer ilusão acerca da espinha dorsal do Presidente da República, do Primeiro-Ministro, do Vice-Primeiro-Ministro e do Ministro dos Negócios Estrangeiros. Não falemos da ONU, cujo Conselho de Segurança é a farsa conhecida. Aguardemos

Uma brigada dos homens sem qualidades reina neste país, apesar de não saber quem é Musil. Repita-se: é um nojo e uma vergonha que gentalha deste calibre considere o silêncio a melhor forma de agir politicamente. O mesmo nojo e a mesma vergonha que são a única reacção plausível às declarações de Cavaco Silva acerca da entrada da Guiné Equatorial para a CPLP. Timor-Lorosae? Estaremos todos insanos? É possível que um Presidente da República continue a cuspir este volume bíblico de serradura intelectual sem que reajamos? ´

Sim. Na verdade, é. Porque é a mesma mesquinhez, a mesma pequenez vingativa, a mesma chico-espertice, o mesmo obscurantismo político que povoaram o imaginário político da República e destruíram a capacidade de entrar em diálogo, de imaginar novos futuros, de recriar uma comunidade política. É esse obscurantismo que silencia a brigada de homens sem qualidades. E é esse obscurantismo que os obriga a pensar no Rafael Marques como agitador, eventual apoiante da UNITA, eventual verdugo de interesses ocultos. Foi essa pequenez mesquinha que, a outro nível e escala, pontapeou trezentas mil pessoas para fora deste país.

Os silêncios dos homens sem qualidades mostram, à saciedade, que Portugal é um país pequeno, mais pequeno que as suas fronteiras físicas e que a distância entre os partidos do arco austeritário. É um país silenciado e, demasiadas vezes, placidamente amordaçado. A nossa política é a do trabalho. Quem vai a julgamento por causa das suas ideias só pode ter feito algo de errado. Só pode estar do lado errado da lei. Só pode ser alguém que perturba a normalidade, essa normalidade tão inscrita que se tornou mais natural que a termodinâmica. São estes, os militantes da normalidade podre, que fazem do silêncio comprometido a melhor política.

É impossível expressar a totalidade do nojo que me suscita o silêncio conivente ou as justificações dos bandalhos que, por cá, papagueiam a solidariedade histórica, a solidariedade do mercado ou a solidariedade ideológica. Estão, sem excepção, no mesmo campo e fazem parte do mesmo grupelho de gente falida. O mesmo grupelho de cadáveres adiados, de humanidade desaparecida. 

Call centers e campos de golfe: o grande investimento da nova PT


Lembram-se da primeira medida tomada por este governo, logo no primeiro Conselho de Ministros? Foi o fim das golden share na PT, Galp e EDP. Bava e Granadeiro tornavam-se senhores e mandadores da empresa tecnologicamente mais preparada de Portugal e o BES impunha a sua agenda de venda da VIVO. Sabemos como terminou esta história, com o valor da PT reduzido a migalhas e entregue à Altice. Contra todas as vozes que exigiam o resgate da PT,  Passos e Portas sequer pestanejaram. A PT distribuiu 11,5 mil milhões em dividendos aos seus acionistas desde 2000. 

Pires de Lima garantiu mesmo que a Altice vinha para acabar com os "tachos e tachinhos" na PT, não se sabendo o que Franquelim Alves, ex-colega do Ministro da Economia no governo e membro do Conselho de Administração da empresa entre 2005 e 2008 achou do comentário. Mas já sabemos qual será o primeiro grande investimento desta nova PT, um call center em Vieira do Minho, a terra natal de Armando Pereira, um dos sócios da Altice. O reboliço é tal que o anúncio foi acompanhado de um segundo, o filho pródigo da terra investirá 100 milhões num campo de golfe, às portas da barragem do Ermal. 

25 março 2015

Rendimento Básico Incondicional: escolhas de um debate


Dois argumentos prejudicam o debate em torno do Rendimento Básico Incondicional (RBI), rejeitá-los é uma primeira necessidade para avançar. O primeiro é o que nos diz que quem à esquerda rejeita a ideia de um RBI fá-lo por assumir uma concepção sacralizada do papel do trabalho como expressão única da emancipação humana. O culto do trabalho, atacado por Lafarge naquilo que dizia ser a dupla loucura dos trabalhadores, a de "matarem-se no trabalho e vegetarem na abstinência", mereceu desde há muito uma crítica contundente das correntes que à esquerda sempre associaram a necessária emancipação pelo trabalho ao objectivo adjacente da superação do próprio trabalho nas suas formas mais cruéis (assalariamento). O segundo argumento é o que, afirmando o direito a um patamar material que respeite a dignidade humana, o faz depender necessariamente da instauração de um RBI. Ora, a libertação da necessidade material e a afirmação dum princípio universal à vida associado à saciedade individual é uma consigna que nos une e que dispensa moralismos. É a via para lá chegar que está cheia de bifurcações e nos impõe escolhas.

Posto isto, três questões sobre um debate em andamento:

1. Afinal, está ou não o fim do emprego em causa?

A petição pela instauração de um RBI dirigido à Comissão Europeia era transparente no diagnóstico, "O crescente aumento da pobreza, precariedade, desemprego, insegurança da população e os enormes avanços tecnológicos que reduzem drasticamente a necessidade de mão-de-obra humana, revelam a necessidade urgente da adopção de uma estratégia diferente daquelas que têm sido aplicadas até agora." Mais recentemente, o movimento acrescentava na sua página, "Mesmo o pouco trabalho disponível é cada vez menos remunerado, esta é a tendência, o investimento em automação de substituição de mão de obra e inteligência humana é o futuro. A tecnologia não recebe ordenado, não faz descontos, não há absentismo, não reclama direitos, só tem o investimento e a manutenção, muita nem precisa de operador." A implementação de um RBI responderia, portanto, a essa crise do emprego, sendo contingente à inexorável erosão salarial.

André Barata e Roberto Merrill, dois dos principais impulsionadores do debate sobre o RBI, divergem dessa perspectiva. Merril afirma que "O ponto é que mesmo numa sociedade de pleno emprego o RBI continua a ser uma medida fundamentalmente justa, teoricamente não menos justa do que numa sociedade de desemprego de massa. Tornar a justificação do RBI dependente do contexto de emprego ou não é uma estratégia que enfraquece a justificação do RBI, e que também hostiliza desnecessariamente os defensores do pleno emprego." Ao que André Barata acrescenta "A justificação do RBI não está dependente de haver ou não trabalho para todos. É válida para pleno emprego como para um contexto de falta de emprego. O que a justificação do RBI nos apresenta é uma modificação da concepção de trabalho." A questão da relação salarial e da criação de emprego é assim encerrada e no seu lugar apresentados o tema da justiça (o RBI é um direito) e o da concepção do trabalho (o RBI é uma relação extra-salarial). Vale a pena pensar o seu desdobramento.

23 março 2015

As cabras


No início do mês de Março, a Associação Académica da Beira Interior (AAUBI) lançou um vídeo promocional da sua Semana Académica, onde usam 42 segundos para mostrar uma cabra junto ao pavilhão dos concertos (ANIL), à qual se juntam 5 mulheres, de calções curtos e sem camisola, com garrafas de bebidas alcoólicas na mão e com o deprimente slogan: “Apanha a tua”. Acreditem que o vídeo consegue ser pior que a descrição.
Pouco tempo depois de ter tido a infelicidade de me ter cruzado com o vídeo, comentei publicamente que “quem acha que quanto mais as gerações avançam, mais as sociedades evoluem, ainda não deve ter visto a barbaridade e a misoginia deste vídeo promocional da Semana Académica da Universidade da Beira Interior”. O comentário casou polémica e um dos autores do vídeo dirigiu-se diretamente a mim com a elevação típica de quem está pouco habituado à crítica: “Apresento-te o senhor humor (…) A palavra misógino está mesmo na moda, não está? Mas já usámos mesmo nudez, masculina, gostaste mais desse?”. Como o conteúdo e a forma da resposta mostraram tamanha consistência e seriedade, abandonei o debate na rede social. A mesma pessoa enviou-me uma mensagem a desenvolver mais a sua argumentação. Cito, ipsis verbis: “… um video promocional nao obedece ao policamente correcto. Mas sim a um target. Ao mercado. E neste caso o mercado é feito de miúdas bebedas, com decotes grandes, que cravam shots na noite e um beijo por uma passa num charro. E o video resulta porque isso existe. Pelas várias leituras da palavra Cabra. E olha à tua volta. Tens amigas amigas assim. E amigos.”. Achei a argumentação tão emocionante, e vi tanta gente a defender o vídeo como se fosse a sua própria vida, que não poderia fazer a desfeita de responder ao debate.
O vídeo da AAUBI procura utilizar mediaticamente duas representações absolutamente idiotas: há mulheres que têm determinado tipo de práticas e comportamentos que fazem delas umas cabras; nas noites da Semana Académica, pelas seis da manhã, podes encontrar muitas destas cabras disponíveis para ti.

Então os jovens turcos não dizem nada?



Se há há matéria que o PS poderia assumir, desde já, aqui, neste tempo presente que nos corroí a vida, e não no calendário mágico de António Costa, um compromisso de alternativa, uma sombra que fosse de diferença, é a matéria do emprego.

Ora, tal como nos dizem os Precários Inflexíveis, « O Público de hoje dá conta de que Mário Centeno será um dos economistas que irá ajudar a preparar o programa do PS de António Costa. O jornal apresenta-o como um liberal que tem escrito especialmente sobre o mercado de trabalho com “propostas inovadoras”, mas este assessor especial da Administração do Banco de Portugal é muito mais do que isso.
Mário Centeno estudou em Harvard e é hoje professor de economia do trabalho no ISEG. Recentemente escreveu um ensaio para a Fundação Francisco Manuel dos Santos (dos donos do Pingo Doce) intitulado “O Trabalho, uma visão de mercado”. Nesse livro o economista lança a sua tese: o mercado de trabalho em Portugal está segmentado entre os mais velhos, que estão super protegidos, e os mais novos, que sofrem todos os problemas de um mercado de trabalho pouco flexível. Assim, Centeno apresenta a sua solução: eliminar os “atritos” que impedem o mercado de trabalho de ser mais rápido. Esses atritos são, percebe-se, os direitos dos trabalhadores, que, de acordo com o autor, lhes são prejudiciais.

Alexandra Lucas Coelho: "Um pesadelo para acordar"


1. Enfim bons motivos para celebrar as eleições israelitas: acabou o blablabla sobre o processo de paz, o futuro estado palestiniano, o empenho do governo de Israel, a única democracia do Médio Oriente. A vitória de Netanyahu é o fim da sonsice após décadas de banho-maria. Ele disse, finalmente, que é contra um estado palestiniano; apelou aos “judeus de direita” que corressem a votar contra o “risco” da “quantidade de árabes [israelitas]” habilitados a votar; e um seu ministro sugeriu decapitar os árabes israelitas “desleais” ao estado. Com os dentes assim para fora, fica difícil para a Europa e sobretudo para os Estados Unidos continuar a fingir que há aqui um processo de paz, um futuro estado, um empenho, uma democracia. Não por acaso Obama ainda não ligara a Netanyahu três dias depois das eleições (data em que escrevo), e não por acaso o que entretanto corre é que a Casa Branca pondera, finalmente, apoiar a resolução das Nações Unidas sobre o reconhecimento de dois estados nas fronteiras de 1967. Isto, quando Israel conseguiu manter o status quo durante tempo qb para parecer irrealista voltar às fronteiras de 1967. Se Netanyahu deixa de fazer de sonso é porque já não precisa.