27 junho 2014

O ajustamento estrutural da desigualdade económica

Estrutura é daquelas palavras que mais se ouvem na cena política. Como fomos vendo nos últimos anos, o governo, os partidos que têm estado no poder, a troika e os vários comentadores do establishment político, defendiam que Portugal precisava de “reformas estruturais”, “políticas estruturais”, um “ajustamento estrutural”, uma “mudança estrutural”, uma “consolidação estrutural” e muitas outras coisas estruturais. Não obstante o vazio destas expressões, houve pelos uma em que estes anos de austeridade acertaram em cheio: no agravamento da desigualdade estrutural. Isto é, a desigualdade entre os mais ricos e os mais pobres aumentou na mesma proporção em que aumentaram as políticas de austeridade do chamado “ajustamento da economia portuguesa”. Se não vejamos:

INE (2013), Inquérito às condições de via (adaptado)

Em 2009, as 10 % de pessoas que em Portugal tinham maiores rendimentos ganhavam 9,2 vezes mais que as 10 % que tinham rendimentos mais baixos. Já nessa altura era um número impressionante. Mas quem pensasse que a crise afetaria todos os grupos e todas as classes de forma transversal estava redondamente enganado. A sociedade portuguesa empobreceu mas a diferença entre os 10 % mais ricos e os 10 % mais pobres disparou, sendo que em 2010 os mais ricos ganham 10,7 vezes mais que os mais pobres. Os anos de austeridade foram úteis para quem beneficia da desigualdade económica. E se olharmos para os 20 % mais ricos e os 20 % mais pobres, que diferenças notamos?

Sai um PS mais à esquerda com António Costa?

Graçava o ano de 2004 e os tempos estavam igualmente agitados no Partido Socialista. À época, candidatavam-se à liderança do partido nada menos que José Sócrates, que sairia vitorioso, Manuel Alegre e João Soares.

Os momentos mais quentes seriam mesmo os confrontos políticos e ideológicos entre Sócrates e Alegre, num desses episódios, António Costa, então parlamentar europeu, e, fervoroso apoiante do futuro primeiro-ministro, entendeu dizer o seguinte sobre uma putativa vitória de Alegre:

"No encontro, o candidato voltou a criticar as afirmações proferidas quinta-feira pelo eurodeputado António Costa, que acusou Alegre de não ter "condições para liderar" o PS. O eurodeputado foi mais longe e disse mesmo que o partido ficaria "ingovernável" se o candidato da ala esquerda vencesse as eleições.





ai, desarranjadas é que não


A agressão diária do capitalismo, a emigração, a destruição do SNS, a doença da escola pública, a precariedade espraiada, os risíveis contratos de trabalho, o desemprego, as parcas reformas, os salários inexistentes, um país sem dignidade e a perder a esperança no futuro. Nada disto é novidade, como não é novidade que ainda há quem tente mudar de futuro perante a lumpenização do Estado que as políticas neoliberais vão logrando por aí. Por isso, urgem novas formas de activismo, surgem novas reconfigurações da esfera política, perante um ataque sedento dos fanáticos neoliberais e perante as organizações e reorganizações de quem defende o estado social e se vai mexendo como pode, inventando e reinventando formas de luta. Com tanto em jogo, ninguém vira costas à luta.

Ah, excepto a JSD.

A JSD, perante um país a arder, promove workshops de auto-maquilhagem e de matraquilhos. Se não tiverem que fazer este fim-de-semana, apareçam. Se tiverem que fazer, cancelem e apareçam na mesma. Podem roubar-nos os salários, mas aprenderemos finalmente a usar o lápis dos olhos. Podem roubar-nos os empregos, mas conseguiremos, pela primeira vez, marcar um golo sem ser por acaso. Se vierem pauperizar-nos mais, arrancar-nos a dignidade a ferros, destruir-nos a educação, a saúde, os projectos de vida e futuro, sorriremos, com lábios sensuais pintados, muito felizes, talvez por já estarmos do lado em que, pelo empobrecimento alheio, já está tudo bem.

26 junho 2014

A venda de ilusões como motor do capitalismo


Acompanhar as notícias é difícil numa sociedade dominada pelo poder do capital. Ver um noticiário na TV, ler um jornal ou ouvir as notícias na rádio implica receber um misto de notícias, propaganda e publicidade, não sendo claro qual é qual. Certo é que para cada problema aparece uma solução mágica, que envolve um comportamento individual. Assim “aprendemos” que o desemprego se resolve com empreendedorismo, a pobreza se resolve com caridade e, de uma forma geral, a maioria dos nossos problemas resolvem-se comprando coisas.

25 junho 2014

França: a arte que se mobiliza pelos seus direitos do trabalho

Artistas e técnicos protestam nus contra a nova lei

Nos últimos dias soube-se da luta dos intermitentes em França contra o Governo por causa das novas regras de proteção no desemprego. Não são só os profissionais do espetáculo que são afetados pela nova lei que obriga os trabalhadores a descontar mais e a esperar mais tempo pela prestação depois de estarem desempregados. O primeiro-ministro Manuel Valls ainda não recusou a assinatura desta lei, mas já foi prometendo compensar a perda de rendimento com outras medidas. 

Há semanas que estão em greve e agora já são vários os festivais que estão em perigo de não se realizarem.

Nesta luta pelos seus direitos do trabalho, artistas e técnicos dão as mãos e o exemplo.

24 junho 2014

O Rock Rendez-Vous e o dever da memória



Demasiadas vezes lamentamos a forma como destruímos a nossa memória coletiva. Passamos nas ruas e nas cidades e não reparamos na forma como os objetos e os lugares transportam consigo a história e a memória das nossas sociedades. Parte do património histórico, cultural e social vai sendo esquecido ou destruído, restando-lhe um lugar de sobrevivência confortável nos registos historiográficos que se vão empilhando em bibliotecas.

Por estes tempos apercebi-me de como muitos dos símbolos que marcaram de forma inquestionável os anos 80 e as transformações socioculturais de Portugal nessa época têm sido votadas a uma relativa invisibilidade ou, em alguns casos, a uma destruição que se traduzirá no esquecimento. Foi essa realidade que encontrei ao começar a estudar o Rock Rendez-Vous, uma das mais importantes salas de espetáculos lisboetas. Um espaço onde nasceu e explodiu o novo rock português, mas também onde se alastrou uma nova cultura urbana e juvenil que transformaram de forma acelerada e particularmente intensa as sociabilidades dessa década.

Passos Coelho diz ver estabilidade onde só há precariedade

Na sexta-feira passada, dia 20 de Junho, Passos Coelho afirmou na Assembleia da República que “não há precariedade, mas há estabilidade laboral”. Por coincidência, na véspera houve um colóquio organizado pelo Observatório sobre as Crises e as Alternativas com intervenções que contradisseram totalmente o Primeiro Ministro.
Saliento a apresentação de Maria da Paz Campos Lima, Professora Auxiliar no ISCTE, que analisou  a reconfiguração do emprego em Portugal desde a intervenção da troika. Assistimos, desde 2008, a uma desvalorização salarial com cortes de salários e aumento do horário do trabalho de 35 para 40 horas semanais sem compensação salarial, redução das férias e feriados (o que significa que houve mais trabalho não pago), acompanhado de uma redução da compensação por trabalho extraordinário. Simultaneamente, houve uma redução da proteção no emprego (com a facilitação dos despedimentos) e redução da proteção no desemprego.
Estas alterações foram acompanhadas de outra, de enorme importância, a alteração estrutural do sistema de negociação colectiva. A negociação colectiva pode passar a ser negociada por comissões de trabalhadores de Acordos de empresa sem mandato sindical, a sua extensão sofreu restrições e o período de caducidade foi reduzido. Estas medidas tiveram um resultado: a redução drástica no número de trabalhadores abrangidos por contratações coletivas.

22 junho 2014

O prisioneiro 4859, visto pelos Sabaton



Em 1940, Witold Pilecki é capturado pelos nazis em Cracóvia e enviado para o campo de concentração de Auschwitz. Os nazis não faziam a menor ideia, nem tinham como fazer, que Pilecki não tinha sido apanhado ao acaso mas antes se deixou capturar para poder infiltrar-se no campo de concentração. Usando uma identidade falsa, o soldado da resistência e criador do Exército Secreto Polaco pos em risco a sua vida para conseguir descobrir o que se passava em Auschwitz e organizar uma resistência a partir de dentro.