01 dezembro 2014

De que PS não precisávamos?


Nas páginas do jornal Público nos últimos dias assistimos a um debate bem interessante entre o conhecido dirigente socialista Francisco Assis (20/11/2014) e o jovem dirigente socialista do Porto, Tiago Barbosa Ribeiro (26/04/2014). Os textos levantam duas perguntas interessantes: «De que PS precisamos?», pergunta Assis; e «De que PS não precisamos?», pergunta Barbosa Ribeiro.

Na resposta à primeira pergunta Francisco Assis cita deselegantemente um texto do Tiago Barbosa Ribeiro sem citar o autor, que defendia que a proposta de Assis de uma coligação PS/PSD era absurda e apenas motivada por uma “obstinação ideológica”. Assis responde que as ideias de Barbosa Ribeiro são de insuportável arrogância moral, indisfarçável propensão para o simplismo doutrinário, preocupante valorização de uma linguagem emocional em detrimento da argumentação racional, inquietante incompreensão da realidade contemporânea”. O tom é de clara irritação. Mas Assis concretiza a sua teoria: “[Tiago Barbosa Ribeiro] quer um PS empenhado na recusa do Tratado Orçamental, numa revisão do Código do Trabalho, na revalorização do Estado e na renegociação da dívida impagável, voltado para uma reforma fiscal que penalize mais o capital do que o trabalho.” Segundo Assis, este programa faria “o PS renegar o essencial da sua trajetória histórica enquanto grande partido do centro-esquerda e autocondenar-se-ia a um estatuto de absoluta irrelevância no plano europeu”. E joga o seu trunfo final: “O país não precisa de um PS iludido com a perspectiva de uma impossível unidade de esquerda, aliás historicamente desqualificada. O país carece de um PS empenhado na enunciação de um programa de governação sério, credível e exequível. António Costa já deu provas suficientes de que não concebe outro caminho que não seja este. Ainda bem.”

Assis foi agressivo no debate, mas absolutamente luminoso em clarificar ao que vem. Para ele o PS não pode ter um programa de rutura com o atual quadro político europeu de imposição de mais rigor orçamental amarrado a mais austeridade. Do que o PS precisa são de políticas “exequíveis”, nem que para isso tenha de se coligar com o PSD.

O Bloco de Esquerda e o futuro



O Bloco conseguiu encerrar um longo período de debate interno. Das escolhas da Convenção e da convicção da sua nova Mesa Nacional emanou um novo modelo de direção, apoiado por ampla maioria. Essa solução ergue-se da elegância de um homem, João Semedo, que depois da corajosa candidatura à Câmara de Lisboa e do resgate da unidade que propôs às moções derrotadas na Convenção, sai com o respeito dos seus. O modelo de comissão permanente, não sendo o ideal posto que abdica dos melhores quadros em prol de um modelo de representação, pode e deve ter a força para dirigir o Bloco neste momento decisivo da política portuguesa. A seu tempo o Bloco ganharia em realizar uma necessária renovação do seu grupo parlamentar, nomeadamente com a entrada dos seus dois dirigentes mais capazes com menos de 40 anos, o Jorge Costa e o José Soeiro, o que daria ao grupo parlamentar outra agilidade e articulação com as lutas sociais existentes. Este percurso prova, todavia, que os empates, na política como na vida, nada resolvem e é sempre à direção de um movimento que cabe, em primeiro lugar, encontrar as saídas agregadoras.

Esta mudança deve corresponder a uma transformação necessária na forma como o Bloco responde à pergunta mais definidora de um partido de esquerda: a quem representa? Portugal tem hoje uma maioria social em formação composta principalmente por duas camadas de espoliados: cerca de um milhão de reformados que recebem pensões abaixo do limiar de pobreza; mais de dois milhões e meio de desempregados e trabalhadores precários. A subjectividade política com que estas populações experienciam as suas limitações é variável e marcada pelo profundo isolamento da opressão individuadora a que são sujeitos.

O discurso esponjoso que procura absorver estas populações como parte da hecatombe da "classe média" pode servir como um pronto a vestir da direita mais desorientada, mas é demasiado curto para explicar as oscilações políticas que estamos a assistir. Pela primeira vez em duas décadas, uma parte considerável da população - estes 30% de que falamos - olha para o poder realmente existente, o poder colonial de uma União Europeia comandada desde Berlim, e não entrevê qualquer tipo de beneficio futuro nem é mais capaz de reivindicar uma memória coletiva de ascensão social associada à UE. O campo de resistência social à austeridade tem de se ancorar no princípio de oposição que não abdica de nomear o adversário: aqueles que na Europa e em Portugal patrocinam o tratado orçamental e o poder da burguesia financeira.