*Artigo escrito a pedido da revista Viento Sur. Aqui fica, em português.
Há cinco anos, o ex-primeiro-ministro José Sócrates anunciava ao país o primeiro Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC I). A era da austeridade em Portugal começava com um pacto de regime suportado pelo partido no governo (Partido Socialista) e o partido da alternância política (Partido Social Democrata). Deste acordo resultou, um pouco mais tarde, a vinda da troika (FMI, BCE, CE), que durante três anos guiou as escolhas do novo governo das direitas. De seguida tratamos de algumas das maiores transformações económicas e sociais ocorridas neste período, assim como dos desafios da esquerda portuguesa no enfrentamento ao campo austeritário.
1. O governo das direitas e a transformação do regime
A conhecida crise das dívidas soberanas do sul da Europa, cujas causas foram já amplamente assinaladas pelo pensamento económico crítico[1], atingiu Portugal de forma pungente, expondo as contradições do atraso económico e alterando as relações de dominação em três grandes domínios: a distribuição de rendimentos; o papel do Estado na economia; as estruturas de uma burguesia débil e rentista.
No que diz respeito à política de rendimentos, o programa da troika obedeceu a uma estratégia de transferência do factor trabalho para o factor capital. Tal como assinalado pelo Observatório sobre Crises e Alternativas[2], desde a implementação dos programas de austeridade, essa transferência totalizou cerca de 2 mil milhões de euros, assente, sobretudo, na intensificação da extração de mais-valia absoluta – aumento do horário de trabalho, eliminação de feriados, degradação salarial generalizada. A destruição de 400 mil postos de trabalho, que elevou o desemprego real a uma taxa de 21%, resultou numa redução histórica do peso dos salários no PIB nacional, situando-se hoje nos 43%. A tendência de precarização laboral inerente a este processo foi alavancada, por um lado, pela destruição da contratação coletiva, que desde 2008 diminuiu de 37% de trabalhadores abrangidos para 5%, e por outro, através do enorme crescimento dos vínculos instáveis. A economia portuguesa é hoje movida por uma força de trabalho que, na sua maioria, transita entre a precariedade laboral e o desemprego.
Esta mecânica de transferência de rendimentos, num país em que as 100 maiores fortunas totalizam uma propriedade financeira equivalente a 15% do PIB e onde os 20% mais ricos da população concentram 42,2% da riqueza, intensificou as lógicas de desigualdade, com 30% de novos milionários a surgirem nos últimos dois anos de crise. O saque fiscal, por via do aumento do IVA, e a sanha do governo em reduzir a contribuição patronal para a Segurança Social e o imposto sobre o rendimento das empresas, completam o quadro desta transferência de rendimentos suportada pelas políticas de austeridade.
Neste cenário, o papel do Estado na economia tem sofrido transformações profundas, com efeitos devastadores na vida de quem mais sofre com a crise. Do lado do emprego, governo e troika assumiram a continuidade do modelo das chamadas “políticas de emprego”, que consistem na ocupação e gestão dos desempregados em cursos de formação e, numa parcela menor, no financiamento público às empresas através dos programas de estágios precários. A isto o governo das direitas juntou o seu cunho ideológico, produzindo um discurso de culpabilização dos desempregados (que na sua grande maioria não têm acesso a qualquer tipo de apoio social) com o alargamento dos programas de trabalho compulsivo para os beneficiários do Rendimento Social de Inserção (Rendimento Básico)[3].
Há cinco anos, o ex-primeiro-ministro José Sócrates anunciava ao país o primeiro Pacto de Estabilidade e Crescimento (PEC I). A era da austeridade em Portugal começava com um pacto de regime suportado pelo partido no governo (Partido Socialista) e o partido da alternância política (Partido Social Democrata). Deste acordo resultou, um pouco mais tarde, a vinda da troika (FMI, BCE, CE), que durante três anos guiou as escolhas do novo governo das direitas. De seguida tratamos de algumas das maiores transformações económicas e sociais ocorridas neste período, assim como dos desafios da esquerda portuguesa no enfrentamento ao campo austeritário.
1. O governo das direitas e a transformação do regime
A conhecida crise das dívidas soberanas do sul da Europa, cujas causas foram já amplamente assinaladas pelo pensamento económico crítico[1], atingiu Portugal de forma pungente, expondo as contradições do atraso económico e alterando as relações de dominação em três grandes domínios: a distribuição de rendimentos; o papel do Estado na economia; as estruturas de uma burguesia débil e rentista.
No que diz respeito à política de rendimentos, o programa da troika obedeceu a uma estratégia de transferência do factor trabalho para o factor capital. Tal como assinalado pelo Observatório sobre Crises e Alternativas[2], desde a implementação dos programas de austeridade, essa transferência totalizou cerca de 2 mil milhões de euros, assente, sobretudo, na intensificação da extração de mais-valia absoluta – aumento do horário de trabalho, eliminação de feriados, degradação salarial generalizada. A destruição de 400 mil postos de trabalho, que elevou o desemprego real a uma taxa de 21%, resultou numa redução histórica do peso dos salários no PIB nacional, situando-se hoje nos 43%. A tendência de precarização laboral inerente a este processo foi alavancada, por um lado, pela destruição da contratação coletiva, que desde 2008 diminuiu de 37% de trabalhadores abrangidos para 5%, e por outro, através do enorme crescimento dos vínculos instáveis. A economia portuguesa é hoje movida por uma força de trabalho que, na sua maioria, transita entre a precariedade laboral e o desemprego.
Esta mecânica de transferência de rendimentos, num país em que as 100 maiores fortunas totalizam uma propriedade financeira equivalente a 15% do PIB e onde os 20% mais ricos da população concentram 42,2% da riqueza, intensificou as lógicas de desigualdade, com 30% de novos milionários a surgirem nos últimos dois anos de crise. O saque fiscal, por via do aumento do IVA, e a sanha do governo em reduzir a contribuição patronal para a Segurança Social e o imposto sobre o rendimento das empresas, completam o quadro desta transferência de rendimentos suportada pelas políticas de austeridade.
Neste cenário, o papel do Estado na economia tem sofrido transformações profundas, com efeitos devastadores na vida de quem mais sofre com a crise. Do lado do emprego, governo e troika assumiram a continuidade do modelo das chamadas “políticas de emprego”, que consistem na ocupação e gestão dos desempregados em cursos de formação e, numa parcela menor, no financiamento público às empresas através dos programas de estágios precários. A isto o governo das direitas juntou o seu cunho ideológico, produzindo um discurso de culpabilização dos desempregados (que na sua grande maioria não têm acesso a qualquer tipo de apoio social) com o alargamento dos programas de trabalho compulsivo para os beneficiários do Rendimento Social de Inserção (Rendimento Básico)[3].