19 setembro 2014

Dar o ouro ao bandido ou a EGF à Mota-Engil

Tudo bons rapazes
Quando ontem se soube que a Empresa Geral de Fomento iria ser comprada pela Mota-Engil através da SUMA alguns comentadores ficaram muito contentes por "finalmente" uma empresa portuguesa ter ganho uma privatização com este governo.

Foi curioso que no mesmo momento se soubesse que a SUMA da Mota-Engil está alegadamente envolvida numa negociata com o ex-presidente da Câmara Municipal de Gaia Luís Filipe Menezes. Foi o próprio Tribunal de Contas a transmitir informações ao Ministério Público devido a suspeitas de ilegalidades na entrega da gestão dos resíduos urbanos da câmara de Gaia à Mota-Engil, num negócio de 180 milhões de euros, 30 a 40% acima do preço encontrado noutras autarquias. Antes de sair do município para se candidatar à câmara do Porto em 2013, o barão do PSD fez questão de prorrogar o contrato por mais 5 anos. Tudo bons rapazes.

Ou seja, o que o governo fez foi entregar à Mota-Engil, que está a ser investigada no Ministério Público por um concurso fraudulento, a empresa responsável pela recolha, transporte, tratamento e valorização de 65% do total dos resíduos em Portugal e que teve lucros de mais de 62 milhões de euros nos últimos 3 anos.

O ouro ao bandido.

16 setembro 2014

A batota dos círculos uninominais


Não se torna menos ridículo se o pronunciarmos: as primárias do partido socialista, a grande inovação, a abertura contratual da confiança política aos cidadãos, a pólvora da social democracia, resultaram numa escolha final entre dois candidatos. Nem mais, nem menos. Dois. Candidatos que já o eram antes mesmo das primárias. Antes sequer de o assento de Sócrates ter arrefecido. Nenhuma proposta dos de baixo, nenhum protagonismo a quem aparece de novo. Assim vai o PS, com o terreiro do Largo do Rato reduzido à luta de dois galináceos, não se sabe qual o mais garnisé. E por que esta história não começou na primavera é bom lembrar das coisas passadas. Quando há dois anos, no 5 de Outubro, António Costa ensaiou o seu primeiro movimento insurreccional, Seguro correu no dia seguinte a exigir: redução do número de deputados já! O populismo é uma mão que se estende, tão fácil de agarrar.

15 setembro 2014

FATMA, o Festival Todos e a vontade de respirar


Sábado, 10h30, no terraço de um prédio em Lisboa no fim da Rua de S. Bento juntavam-se cerca de 50 pessoas para assistir a FATMA, uma peça do criador argelino M´Hamed Bengguettaf interpretado por Sofia de Portugal. Num cenário improvável, o denso e sólido texto do dramaturgo argelino apresenta-nos um monólogo fascinante sobre a liberdade de uma mulher no único dia do mês onde pode ser quem é, falar sobre si e ser protagonista de uma história. Esse dia, imagine-se, é o dia do mês em que FATMA tem direito ao pátio do prédio, onde passa o dia sozinha a lavar e a estender a roupa. Nesse dia FATMA respira. Fala das angústias da sua vida, da condição da mulher argelina, dos silêncios a que é votada a sua existência, dos seus sonhos despedaçados, do passado e do que ficou por cumprir. Sofia de Portugal esteve à altura da riqueza do texto. A sua interpretação foi de tal modo intensa que nos colocou absolutamente absorvidos por uma mulher e uma sociedade que provavelmente poucos na sala conhecíamos. 

A peça foi acompanhada por um pequeno almoço argelino no intervalo e nem o sol da manhã de sábado conseguiu diluir o envolvimento que a peça exigia ao público. Com a personagem mergulhámos no drama do mundo, da impossibilidade de projetar um futuro para tantas mulheres remetidas, como FATMA, à vida dura, monótona e paralisante do trabalho. 

Esta criação do Teatro dos Aloés foi uma das boas surpresas do Festival TODOS. Organizado entre S. Bento, o Poço dos Negros e Santa Catarina, o Festival vai na sua sexta edição e nem os cortes asfixiante no apoio às artes e à cultura no país fazem a organização baixar a exigência do programa. Com teatros, performances, conferências, exposições fotográficas, sessões de leitura, cinema, gastronomia, música e festas, o Festival TODOS combina multiculturalidade social e artística, ligação à história dos lugares onde se insere e uma vontade imensa de ouvir a diversidade de povos que fazem o povo de Lisboa. 

As criações Luís Pavão, Vera Mantero, Svetlana Poliakova, Joana Craveiro, Ben Okri, Patrick Murys, Luís Belo e de tantos e tantas outras mostram-nos uma cidade onde é possível respirar fora das rotinas que tantas vezes nos bloqueiam. Foi também assim no espetáculo de FATMA. Um dia por mês, como ela própria diz, no terraço sente-se leve, como uma pluma. É também assim que festivais destes nos fazem sentir: leves e criativos, para não deixar que estes tempos de obscurantismo nos destruam o que melhor que temos. A capacidade de pensar livremente, a vontade de agir sem medos. 

Para onde caminhamos...