20 fevereiro 2015

Varoufakis vai ao quarto 101

“The Greek government has gone, not the extra mile, the extra ten miles and now we're expecting our partners to meet us... not halfway, but one fifth of the way,” - Yanis Varoufakis, hoje.

Infelizmente, terá de ser o governo grego a fazer o último quinto. E a enfrentar um processo que se afigura complicado - interna e externamente.

Apesar de todas as afirmações inacreditáveis do aparato mediático português, que se depõe aos pés do Eurogrupo e ameaça tirar o açaime para morder o pescoço de Tsipras e Varoufakis, a realidade continua, teimosamente, a contar outras histórias.

Da série 'os gregos são preguiçosos': para onde foi o dinheiro?


Para onde foi o tal dinheiro que Cavaco Silva e o Governo português tanto lamentam ter 'doado' aos preguiçosos dos gregos? Do Financial Times, citado neste artigo da Frances Coppola.




Keynes e Versalhes em 2015

Os acontecimentos de hoje, que parecem indicar uma capitulação parcial do governo grego (a carta enviada por Varoufakis faz cedências que contradizem factualmente parcelas importantes do programa de Salónica) e um descontrolo crescente do Ministério das Finanças alemão, que qualifica a proposta grega de "Cavalo de Tróia", fizeram-me voltar a um livro curto de Keynes, do qual ouvi falar no liceu e que me apressei a ler. Foi o primeiro contacto com essa figura fascinante. Hoje, porque também parece claro que o governo federal alemão só aceita uma rendição incondicional e humilhante, decidi regressar a esse texto. Com a ajuda do Projecto Gutenberg, podemos lê-lo na íntegra. A presciência continua a ser perturbadora, tendo em conta o que veio a suceder. E a ignorância da eurocracia contemporânea também.

Diz Keynes, em 1919 (ênfases bold meus):

19 fevereiro 2015

Tempo de Avançar, ou como a promessa de reforços chega mais rápido a Atenas do que ao Funchal



A candidatura LIVRE+Tempo de Avançar, liderada por Rui Tavares e Daniel Oliveira, enviou uma carta ao governo grego. O repúdio pela posição subserviente do governo português no Eurogrupo é o mote para uma demonstração de solidariedade com a única força política da esquerda radical capaz de enfrentar a burguesia alemã no seu próprio terreno. A carta será entregue amanhã na embaixada helénica em Lisboa por Rui Tavares, que depois de ter apoiado, em 2012, o DIMAR - partido que defendia uma ponte eleitoral com o Pasok - alinha disciplinadamente pela orientação da candidatura cidadã.

Mas isto são intróitos já muitas vezes proferidos. A novidade é que tudo se estreitou nesta semana. No plano europeu, O LIVRE+Tempo de Avançar procurou adiar a contradição política de ter como líder um ex-eurodeputado dos Verdes europeus e uma maioria dirigente que procura colmatar uma das suas principais insuficiências, a falta de ligação e intimidade com os partidos que na Europa lideram a frente anti-austeritária (Esquerda Europeia). Tudo poderia ser cimentado com uma participação, e uma posição de fundo, no próximo governo. Ora, a ideia de um governo liderado por Costa que vai bater o pé a Berlim ficou feita em cacos esta semana, com o isolamento político da Grécia a provar que os socialistas europeus escolheram o seu lado.

A Grécia é que nos está a dar dinheiro, estúpido.



O paralelo não é exagerado. Se recuarmos na história, percebemos que aqueles que foram escravizados nos campos e cidades dos E.U.A conheciam bem a diferença entre quem colaborava com o opressor e quem estava disposto a resistir-lhe. Aos primeiros chamavam-lhes house negros, pois habitavam na casa-grande, tratando dos senhores e por isso comiam melhor e viviam mais. Os segundos eram os field negros, que trabalhavam no campo, sob sol e chicote, morrendo por tudo e por nada, odiando os seus carrascos. 

Na semana em que os senhores da Europa se viraram contra a Grécia, está claro de ver em que categoria se encaixa a direita portuguesa, com Maria Luís Alburquerque a ser passeada como uma jarra pela Alemanha de Schäuble.

Mas esta banda ainda tem um chefe. Cavaco Silva insiste na fábula, "os portugueses foram dos que mais contribuíram para o resgate grego". Na base desta afirmação estariam as obrigações gregas emitidas no âmbito do segundo programa da troika e da chamada "reestruturação da dívida" de 2012. A emissão de novos títulos foi realizada em parte através de bilhetes do Fundo Europeu de Estabilização Financeira (EFSF), sendo assim garantidos pelos Estados-membros.

A missiva de Belém é clara, em caso de reestruturação da dívida grega, Portugal é quem mais perde. A desmontagem dessa narrativa já foi feita aqui e aqui, mas vale a pena insistir, o que Cavaco diz é simplesmente errado. Portugal contribuiu com 2% dos fundos totais envolvidos no primeiro programa da troika mas, à semelhança da Irlanda e de Chipre, países igualmente intervencionados, ficou isento das prestações dessas garantias (segundo programa).


17 fevereiro 2015

Duplopensar

O DN afirma, em notícia intitulada "UE e Draghi protegem Portugal de contágio grego", que "as instituições europeias estão preparadas para dar a mão a Portugal, além da liquidez já assegurada pelos países do euro, com uma intervenção extraordinária do BCE, por exemplo, para contrariar os efeitos de uma eventual desagregação da união monetária - escalada dos juros, perda de confiança, recuo do investimento e recessão económica."

Ficamos sem perceber como é que o BCE sobrevive à desagregação da união monetária e como poderia, sem violar clamorosamente os seus estatutos e o Tratado de Lisboa, apoiar directamente Portugal. Mas essa é só uma parte da história.

A outra parte da história, mais sombria, é a história que será contada sobre as fábricas do consenso eurotópico e sobre a estupidez cipolliana que atravessa a zona euro. A UE está a caminho do abismo autoritário e os seus decisores empurram-se com palmadas venenosas nas costas.

Afinal, somos ou não a Grécia?

Em termos de ajustamento orçamental, retirando o peso dos juros da dívida pública, a Grécia fez uma maior e mais dura consolidação que Portugal, com resultados quantitativamente mais impressionantes.

Em % do PIB. FMI

Quanto aos desiquilíbrios comerciais (saldo entre exportações e importação de bens e serviços), o milagre  português parece, afinal, não ser só mérito do ministro Pires de Lima. Tanto Portugal como a Grécia conseguiram passar de um défice da balança corrente para uma situação de saldo positivo. Podemos discutir se se deveu mais ao decréscimo das importações, ao aumento das exportações, ou a  ambos, mas o 'suposto' desiquilíbrio desapareceu.

Em % do PIB. FMI

Momento 'no comments':

Em % do PIB. FMI e cálculos próprios