17 março 2015

A “espontaneidade dirigida” em Musgo e Urze


A peça Musgo e Urze esteve em cena de 3 a 14 de Março na Casa dos Amigos do Minho, em Lisboa, e foi organizada por um conjunto de jovens atores e jovens atrizes da Escola Superior de Teatro e Cinema, com direção de Mariana Ferreira e interpretação de Cleonise Tavares, João Pedro Leal, Leonor Wellenkamp Carretas, Mariana Gomes, Mário Coelho, Nádia Yracema, Rita Silva, Sandra Pereira e Victor M. Gonçalves.

O espetáculo coloca-nos perante três ousadias. A primeira foi o facto do grupo não se ter conformado com o conforto da escolha de um autor amplamente popularizado na cena artística portuguesa. Pelo contrário, escolheram um autor pouco falado em Portugal, Michel Vinaver, com um texto começado em 1969, publicado em 1972 e representado pela primeira vez em 1973: Par-dessus bord. Em Portugal este texto apenas tinha sido representado pelo Cendrev, em Évora. Mas a ousadia da escolha não está apenas na dimensão algo desconhecida do autor e do texto em Portugal. Está também na opção por um texto com a complexidade de 60 personagens, 25 locais de representação e que implicaria 7 horas de espetáculo. A responsabilidade e a exigência do trabalho de seleção, corte e reestruturação da coerência do texto que foi apresentado por estes jovens criadores, são dignas de um primeiro elogio.

A segunda ousadia está relacionada com o contexto da peça. O conjunto de jovens que se juntaram para aquele processo coletivo, fizeram-no com imensa coragem e generosidade. Todos eles estudam na ESTC, muitos deles trabalham em simultâneo para conseguirem pagar os estudos e viver, e mesmo assim arriscaram tirar o pouco tempo que sobrava da sua vida para se entregarem a um projeto coletivo sem financiamento. E este é um elogio dirigido: é que, felizmente, a ignóbil ausência de financiamento ao teatro não fez destes atores e destas atrizes um grupo de serventes disponíveis para trabalhar de borla e sem nenhuma relação com o processo de criação para qualquer grupo ou companhia financiada. O que vimos na Casa dos Amigos do Minho foi gente que em vez de escravatura, trabalhou autónoma e coletivamente e não desistiu de arriscar. E como é bom ainda poder escrever isto.

A terceira ousadia foi a escolha do local. É óbvio que a escolha da Casa dos Amigos do Minho não teve apenas que ver com a vontade de ligar a peça à comunidade local. Tem sobretudo a ver com a ausência de financiamento e com os preços das salas. Mas a ousadia é esta: quantas pessoas não desistiriam se tivessem que fazer uma peça numa associação local, com um espaço limitado e sujeitos a todo o tipo de imprevistos decorrentes dos usos e das atividades que as pessoas da associação já davam antes àquele espaço? Jogar com as limitações do espaço, com a precariedade do material técnico e com os imprevistos da dinâmica da associação foi arrojado e digno de registo.

Estão caladinhos e o seu silêncio grita

Leio, com frequência, a secção de opinião do Observador. É um exercício importante. A direita portuguesa, nas suas prismáticas variedades (trauliteira, intelectual, born again e bifana, entre outras), habita por aqueles lados e concentra muitas das preciosidades que talvez tivéssemos de apanhar em blogues perdidos por aí.

A direita portuguesa gosta de se antecipar. Diz que a esquerda é hipócrita. Diz que o povo é uma cambada de gastadores - e os frigoríficos, pá? E os dois carros, pá? E as férias em Punta Cana, pá? Queriam tudo, era? Isso é para os que mandam e os que defendem quem manda. Pois se a economia é como uma casa, pá.

Diz que a democracia e o mercado funcionariam bem, não fosse Portugal habitado por portugueses. Se lessem mais, se empreendessem mais, se vendessem mais, toda a gente seria feliz. E os gregos? Uma corja! E o Varoufakis? Um burro! E o Vítor Bento? Um troca-tintas. Moralize-se por antecipação, que é esse o negócio preferida da direita. Traulite-se e faça-se da esquerda o papão; perore-se sobre Marx sem ter lido o Capital; rezingue-se contra o carácter programático da Constituição da República sem ter perdido algum tempo a ganhar familiariedade com as revisões constitucionais; critique-se a estupidez dos esquerdistas, essa gentalha-caviar-champanhe que diz lutar pelos pobres e só quer mandar, mandar, mandar gente para o Gulag ou para a fila da Segurança Social. O São Hayek não gostava e eles também não. O São Ferraz da Costa diz que é feio e eles também o dizem. A esquerda, esse grande demónio cagado por 1789, precisa de um exorcismo final. Parafraseando certa frase de certo filme brasileiro, a direita não pára. A direita dá um tempo.

É pena que esta direita moralista se tenha esquecido de dizer o que pensa sobre o Lux Leaks e o Swiss Leaks. Sabem tudo sobre o SYRIZA e as sobrancelhas do Tsipras, mas nada sabem sobre o Lux Leaks. Sabem tudo sobre a marca de café mais vendida na Festa do Avante, mas nada sabem sobre o Swiss Leaks. Conhecem os nomes de todos os milhões de assassinados pela União Soviética, mas desconhecem essa coisa de economia-sombra e transfer pricing. Conseguem descrever as caríssimas garrafas de vinho bebidas por esquerdistas publicamente assumidos, mas não fazem ideia de que a economia offshore é uma lavandaria de grandes proporções para traficantes de armas e seres humanos. Os gregos são corruptos e esquerdistas, dizem-nos estas mentes brilhantes. São as mesmas mentes brilhantes que se subtraem aos debates importantes porque o seu jogo é mais vasto e demorado: o socialismo offshore agrada-lhes e não querem ver-se livres dele. É por isso que não ouviremos as cabeças escrevedoras do Observador explicarem o que acham da LIBOR, do HSBC ou do paraíso fiscal anteriormente conhecido como Grão-Ducado. É chato e fere-lhes a estética liberal.