17 março 2015

Estão caladinhos e o seu silêncio grita

Leio, com frequência, a secção de opinião do Observador. É um exercício importante. A direita portuguesa, nas suas prismáticas variedades (trauliteira, intelectual, born again e bifana, entre outras), habita por aqueles lados e concentra muitas das preciosidades que talvez tivéssemos de apanhar em blogues perdidos por aí.

A direita portuguesa gosta de se antecipar. Diz que a esquerda é hipócrita. Diz que o povo é uma cambada de gastadores - e os frigoríficos, pá? E os dois carros, pá? E as férias em Punta Cana, pá? Queriam tudo, era? Isso é para os que mandam e os que defendem quem manda. Pois se a economia é como uma casa, pá.

Diz que a democracia e o mercado funcionariam bem, não fosse Portugal habitado por portugueses. Se lessem mais, se empreendessem mais, se vendessem mais, toda a gente seria feliz. E os gregos? Uma corja! E o Varoufakis? Um burro! E o Vítor Bento? Um troca-tintas. Moralize-se por antecipação, que é esse o negócio preferida da direita. Traulite-se e faça-se da esquerda o papão; perore-se sobre Marx sem ter lido o Capital; rezingue-se contra o carácter programático da Constituição da República sem ter perdido algum tempo a ganhar familiariedade com as revisões constitucionais; critique-se a estupidez dos esquerdistas, essa gentalha-caviar-champanhe que diz lutar pelos pobres e só quer mandar, mandar, mandar gente para o Gulag ou para a fila da Segurança Social. O São Hayek não gostava e eles também não. O São Ferraz da Costa diz que é feio e eles também o dizem. A esquerda, esse grande demónio cagado por 1789, precisa de um exorcismo final. Parafraseando certa frase de certo filme brasileiro, a direita não pára. A direita dá um tempo.

É pena que esta direita moralista se tenha esquecido de dizer o que pensa sobre o Lux Leaks e o Swiss Leaks. Sabem tudo sobre o SYRIZA e as sobrancelhas do Tsipras, mas nada sabem sobre o Lux Leaks. Sabem tudo sobre a marca de café mais vendida na Festa do Avante, mas nada sabem sobre o Swiss Leaks. Conhecem os nomes de todos os milhões de assassinados pela União Soviética, mas desconhecem essa coisa de economia-sombra e transfer pricing. Conseguem descrever as caríssimas garrafas de vinho bebidas por esquerdistas publicamente assumidos, mas não fazem ideia de que a economia offshore é uma lavandaria de grandes proporções para traficantes de armas e seres humanos. Os gregos são corruptos e esquerdistas, dizem-nos estas mentes brilhantes. São as mesmas mentes brilhantes que se subtraem aos debates importantes porque o seu jogo é mais vasto e demorado: o socialismo offshore agrada-lhes e não querem ver-se livres dele. É por isso que não ouviremos as cabeças escrevedoras do Observador explicarem o que acham da LIBOR, do HSBC ou do paraíso fiscal anteriormente conhecido como Grão-Ducado. É chato e fere-lhes a estética liberal.


2 comentários:

  1. Talvez valesse a pena ler um pouco mais sobre o que diz a direita; é que com este post ou anda a ler nas estrelas ou eu não vivo em Portugal. Mas quem é que no seu circulo de amigos de direita se preocupa com o que vexa diz que eles se preocupam? quem é que até evita de falar de corrupção em Portugal? que jornais, televisoes, blogues é que publicam todas as descobertas dos grandes escandalos de corrupção em Portugal ou lá fora? vale sempre a pena informar bem, a nós e aos outros e não escrever chavões mesmo que pareçam bem.

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  2. Talvez não viva em Portugal, caro Antonio Cristovao. Diga lá qual foi o cronista do Observador que falou sobre os temas que referi. Qual foi?

    Talvez valesse a pena ler um pouco mais. Sobre tudo, já agora.

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