31 maio 2014

DN e a arte de inventar: Tsipras não apoia Junker para a comissão






Depois do Público ter dedicado um preguiçoso e mal amanhado artigo sobre o resultado esperançoso do Podemos, o DN faz fogo sobre Alexis Tsipras. Quatro dias bastaram para que se instalasse uma velhinha narrativa que tem pouco de jornalística e muito de ideológica: num contexto de crise, sobem os extremos, à direita e à esquerda, iguais em quase tudo, ambos hediondos e, por isso, alvos a abater.

Interessa pouco que o Podemos defenda uma democracia aprofundada e a nacionalização de sectores resgatados pelos salários das pessoas, enquanto o presidente honorário da Frente Nacional defenda o extermínio de africanos pelo vírus Ébola. Ou que o Syriza se apresente como o único bloco político na Europa capaz de travar os ditames da senhora Merkel - imagine-se o que serão os conselhos europeus se Tsipras for eleito Primeiro-ministro - enquanto Beppe Grillo e Nigel Farage negoceiam a criação de um grupo parlamentar populista. As manchetes impõem-se. 

O título do DN é a súmula dessa escolha: "Tsipras e Merkel apoiam Junker para a Comissão". A palavra"apoio" encerra uma intenção clara, posicionar Tsipras no campo da governabilidade respeitosa e bem comportada. Mas basta ler a notícia para perceber o óbvio: Tsipras não apoia Junker para a presidência da Comissão Europeia. O que o porta-voz do Syriza fez, em comunicado, foi responder politicamente ao processo obscuro desencadeado por David Cameron, que nos últimos dias tem feito pressão sobre outros líderes para que o próximo presidente da Comissão possa ser alguém que não os 5 candidatos que se apresentaram a eleições nestas europeias.

Tsipras defende, portanto, o que a esquerda transformadora deve defender: uma refundação da Europa na qual os seus órgãos respeitem as escolhas dos cidadãos. No caso, trata-se de defender que o parlamento Europeu, único órgão para o qual os cidadãos votam directamente, possa escolher entre os 5 candidatos dos vários grupos políticos que se apresentaram publicamente, sendo Junker o primeiro a tentar (e não a escolher) essa maioria em votação no PE. Tal como frisa no seu comunicado, o Syriza esteve na linha da frente no combate ao Partido Popular Europeu e todos os que defendem as políticas de austeridade. E assim continuará, quer o DN queira, quer não.

1 comentário:

  1. Muito bem observado, Adriano.
    Estes artigos que saem na nossa imprensa só servem para entranhar mais na sociedade o "tudo o que é extremos, é perigoso na mesma quantidade".

    Mais irónico foi no 25 de abril ver esses mesmos jornais escreverem os melhores elogios a pessoas como o Zeca Afonso que, como se sabe, na maior parte da sua vida adulta esteve posicionado mais à esquerda do que qualquer partido de esquerda que temos hoje em Portugal. Extrema-esquerda, se quiserem.
    E continuem a cantar a Grândola. Como se sentissem cada palavra.

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